1 de abril de 2001

Homens e dinossauros

Jornal O Estado do Maranhão
Acaba de ser anunciada a descoberta, no Quênia, de um crânio fossilizado de um hominídeo de 3,5 milhões de anos. Ele seria de um gênero desconhecido e mais antigo, mesmo, do que o Australopithecus, nosso ancestral de 3,2 milhões de anos que era considerado o mais remoto. Os dois gêneros teriam convivido durante alguns milhares ou milhões de anos, levantando dúvidas sobre qual deveria ser considerado o verdadeiro pai, ou avô, da espécie humana.
Não querem os cientistas, naturalmente, contestar a hipótese criacionista do surgimento da vida na Terra, em sete dias, por meio de um sopro divino, como diz a tradição. Essa é matéria das religiões, não da ciência. Questão de fé que, ao remover montanhas, pretende afastar, junto com elas, as dúvidas, insinuadas pela ação sorrateira da serpente do Paraíso, quanto à forma como os seres humanos e os outros apareceram neste planeta perdido no meio de milhões de outros.
O certo é que a descoberta recente gerou uma grande polêmica, com dois grupos tentando, cada um, desqualificar as descobertas do outro. São brigas que, periodicamente, explodem no mundo da ciência. Não exatamente por motivos científicos, mas por disputas pela primazia nas descobertas, avaliadas pelos pesquisadores como indispensáveis para a imortalização do nome deles. A comunidade dos cientistas não está imune a essas paixões. Elas são alimentadas pelo auto interesse, vaidade e jogo de poder que pode ser tão feroz como em qualquer outro lugar menos “nobre”.
Há dois meses, aproximadamente, houve aqui no Maranhão, pela imprensa, uma polêmica desse tipo. O objeto da disputa, porém, não eram fósseis humanos, mas de dinossauros que são muito mais antigos, de milhões de anos, do que o homem, com o qual nunca conviveram.
Estavam envolvidas na luta a Universidade Federal do Rio de Janeiro, através do Museu Nacional, vinculado a ela, a Universidade Federal do Maranhão – Ufma, através do seu Laboratório de Paleontologia, e uma ONG local, ambientalista e, também, paleontologista, chamada Amavida. O campo de batalha foi a ilha do Cajual, no litoral norte do Estado, no afloramento de fósseis conhecido como laje do Coringa.
Como afirma o jornalista Cláudio Ângelo, da Folha de S. Paulo, em reportagem sobre a briga, a paleontologia brasileira é considerada “uma área em que alguns pesquisadores competem com a voracidade de tiranossauros”. Foi o que se viu. Notas, esclarecimentos que pouco esclareciam, réplicas, tréplicas, com tal intensidade, que fiquei a me perguntar sobre as motivações mais profundas para tal ardor combativo. Seriam de natureza científica, algo como uma luta pelo avanço do conhecimento?
As acusações iam de pilhagem e fraude a falta de ética científica e profissional, passando por deselegância, descortesia e créditos não reconhecidos por trabalhos de campo. Não foi um passeio pelo Parque dos Dinossauros. Foi crua guerra. Ficou a impressão de que os dinossauros verdadeiros eram os litigantes, tão deslocados pareciam no ambiente e tão guerreiros no comportamento. Era como se um dos fósseis tivesse, por uma milagrosa técnica de manipulação de DNA, voltado à vida e, portanto, à luta pela sobrevivência. Mas, passados esses anos todos, não sabia mais como se comportar.
A Amavida talvez tenha perdido a oportunidade de fazer uma proposta condizente com seu nome. O clima era de ódio. Quem sabe os contendores teriam aceitado uma trégua proposta pela ONG, em consideração a seu nome, que, com insinuações poéticas, acho, fala de amor e de vida, embora a batalha fosse pela posse de mortos.
Não digo uma paz definitiva, eterna, como as juras de amor. Ou longa, como os muitos milhões de anos dos dinossauros. Digo apenas breve, mas que pudesse nos dar o consolo de pensar que todos estavam trabalhando para o bem da ciência e da nossa terra a qual poderia tirar avantajado proveito dos estudos e pesquisas, por deles estar muito precisada.

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