17 de abril de 2001

Pinto na sudam é gavião

Jornal O Estado do Maranhão
A imprensa brasileira tem, insistentemente, nos últimos meses, feito denúncias bem fundamentadas de roubalheiras em alguns órgãos públicos federais. A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudam posicionou-se, com agilidade, em primeiro lugar nesse campeonato da corrupção. Os golpes contra os contribuintes indefesos somam, até agora, R$ 2 bilhões. Diante dessa quantia, o assalto da quadrilha do ex-juiz Nicolau Lalau e do ex-senador Luís Estêvão, durante a construção do edifício do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, é pinto.
Pinto, por sinal, é o nome do chefe operacional do bando da Sudam, se forem corretas as informações da revista Veja, com base em escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça. Os próprios fiscais do órgão, encarregados da investigação inicial, são acusados de receber propinas para ocultar irregularidades.
Para fazer uma avaliação sobre o tipo de gente com quem estamos tratando, basta ver que o sujeito desmente o próprio nome, pois como pinto não se comporta. Está mais para gavião, que pertence à mesma classe dos pintos, a das aves, mas é de outra ordem, a dos falconiformes ou aves de rapina.
Estas têm o corpo robusto, boa capacidade de vôo, bico muito forte, adunco, com bordas cortantes, três dedos dianteiros e um traseiro. Apresentam garras curvas e pontiagudas, nas espécies que capturam presas capazes de reagir o que não é o caso da Sudam. Com tais armas, não surpreende que o gavião pudesse capturar uma presa tão fácil, decadente e corrompida há muito tempo. Pintos não poderiam fazê-lo, por não terem os mesmos recursos nem o apetite voraz dos gaviões.
Mas, em que pese a voracidade, algumas dessas aves têm nomes curiosos. Um é gavião-pega-pinto, que vive solitário ou aos pares e sobrevoa as cidades em vôos circulares. É considerado o mais comum no Brasil. Ora, se o chefe da máfia da Sudam é gavião em pele, ou pena, de pinto, não seria ele o próprio gavião-pega-pinto? Ou será que ele não é, simplesmente, um gavião-pega-verba que, terminada a captura do dinheiro, se disfarça de pinto, sem dar um pio, para não chamar a atenção?
A ousadia do gavião foi tanta que ele resolveu debochar de todos nós. Colocou entre as empresas criadas com a finalidade exclusiva de arrancar dinheiro da Sudam, uma chamada Frango Modelo. Quase com certeza, ele queria deixar a mensagem de que, em futuro próximo, seria um modelo de honestidade, em forma de frango, ou melhor, de falso frango E o que dizer de outra empresa, a Amazonas Ecopeixe? Além de querer dar a impressão de honestidade, o cara tentava parecer ecologicamente correto.
Por coincidência, me deparo com outra notícia, no jornal O Globo, que fala de um gavião, com cerca de 70 centímetros, que, assustado, entrou em um caixa eletrônico, no Rio de Janeiro, tirando proveito da saída de um cliente. Bombeiros o resgataram de imediato.
Vejam como são as coisas. O pobre e apavorado animal, mal entrou no caixa, foi tirado e mandado de volta ao ninho, embora não tenha ameaçado o dinheiro de ninguém. O outro, o ladrão, entrou no caixa da Sudam e tirou o que pôde. Não foi incomodado.
Provavelmente, agora que tem meios bastantes para contratar bons advogados, não deixará cair do bico, por muito tempo, nosso dinheiro. A não ser que o sistema brasileiro de administração de justiça melhore muito. Deixe de ser, como hoje, injusto, dis­cri­mi­na­tório, lento, ine­ficiente e caro. A justiça não pode ser boa apenas na medida do dinheiro que alguém tiver para comprá-la, por meio de advogados famosos e bem pagos. Tem de funcionar para todos, ricos e pobres, poderosos ou não.
Vamos aguardar para ver se as prisões do ex-juiz e do ex-senador não foram, tão-somente, uma forma de acalmar a opinião pública, já tão cansada de ver o crime compensar. Já chega da retórica do “rigoroso inquérito”. Devemos colocar o gavião da Sudam e seus comparsas na gaiola também, sem medo de violar a legislação ambiental.

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