5 de setembro de 2010

Vale Tudo?


Jornal O Estado do Maranhão
    
Estamos acostumados a pensar em eleições como ocasião de os cidadãos, após análise do pensamento dos candidatos, na forma exposta em suas propostas de políticas públicas, tomarem decisões acerca de quem desejam como representantes no Executivo e no Legislativo, mas, infelizmente, não no Judiciário. O mecanismo de escolha é a realização periódica dos pleitos pelas democracias, mas não pelos paraísos terrestres dos trabalhadores como a Coreia.
     Como o uso do cachimbo põe a boca torta, não percebemos que se dá exatamente o contrário. Nos dias atuais, as eleições representam oportunidade de os candidatos sondarem o pensamento dos eleitores e, aí sim, declararem suas irremovíveis convicções, semelhantes, por mera coincidência, às dos cidadãos. É a hora de chamar os especialistas e, de posse dos resultados de pesquisas, prometer ao eleitor exatamente o nestas identificado. Qualquer coisa. Inverte-se, assim, a direção do processo. Quem devia liderar passa a liderado.
     Essa característica de nosso sistema representativo não é intrinsecamente ruim. É natural e compreensível os candidatos desejarem conhecer o pensamento dos eleitores. Mas, o papel do político  numa democracia não devia ser, sobretudo, de liderança? De indicação de novos caminhos, quando a maioria persistir em seguir a humana tendência do menor esforço e máximo benéfico quase sempre em direção do desastre, em especial nas áreas em que, sem análise cuidadosa, quase todos não conseguirão ver a conexão entre benesses de curto prazo e elevação exponencial de custos no longo, como no sistema de previdência?
     Em qualquer levantamento sobre os benefícios desejados pela população, os mais evidentes e custosos ficarão no topo da preferência. Terá de haver, no entanto, alguém para dizer ao povo não ser possível satisfazê-las simultânea e imediatamente, a menos que se queira levar o país ao caos, porque não se inventou ainda o milagre da produção de dádivas sem custo e, como se sabe, manás não caem do céu. Churchil, grande estadista, prometeu aos ingleses não uma vitória fácil na Segunda Guerra Mundial contra o nazismo então forte e triunfante na Europa. Em vez disso, advertiu sobre os sacrifícios  necessários à ocasião. A bonança, só depois da tempestade. E liderou e venceu e não foi liderado. Se devêssemos seguir tão só as pesquisas, não haveria necessidade de termos político humano. Bastaria eleger um computador político. Bem programado, ele aplicaria os resultados dos levantamentos na campanha eleitoral. Os candidatos, hoje, dizem pensar apenas o que eles pensam que os eleitores pensam.
     Como disse em sua crônica semanal na Folha de S. Paulo, no dia 27 do mês passado, o nosso decano na Academia Maranhense de Letras, o ex-presidente da República e senador José Sarney: “O resultado do conjunto das pesquisas orienta as manipulações: hora de bater, de informar, de distorcer, de exaltar, de alegrar, hora da razão, da emoção. [...] e, por trás de tudo, a turma do dossiê, ‘da maldade’, que, conjugada com os jornalistas de investigação, vivem à cata do fato sujo, do escândalo, do provérbio da politicagem ‘onde não tem rabo a gente põe’”. A qualquer momento, alguém irá propor a sério uma democracia sem eleições, só na base desse instrumento de aferição de opiniões momentâneas. Hoje se ganham e se perdem eleições de véspera e o derrotado morre como um pobre e embriagado peru de Natal.
     A respeito de dossiês contra adversários políticos, neste momento em que o aparelho estatal é usado com o fim de confeccioná-los sem nenhum pejo, devemos pensar nisto: a se entranhar em nossa vida política tal costume, a ponto de ninguém mais ser tomado de indignação, amanhã, se ainda tivermos democracia, quando a oposição de hoje for governo e repetir esse comportamento, o governo de hoje terá séculos para se arrepender, mas nada poderá fazer. O vale-tudo já terá deitado raízes e seremos, os cidadãos comuns ou os opositores em geral, e não apenas os pretendentes a governantes, as vítimas da prática nefasta.
     Onde iremos parar assim? Queremos ser uma grande Cuba?

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