16 de setembro de 2001

Atenas, mas uma vez?

Jornal O Estado do Maranhão
Entre o vasto material reunido por Jean-Michel Massa no seu Dispersos de Machado de Assis, há uma crônica de 3 de abril de 1866, publicada no Diário do Rio de Janeiro. Nela, Machado faz comentários sobre o primeiro volume, de um total de cinco, da obra de Sotero dos Reis, Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira, produto de suas atividades de professor no Maranhão. Lamenta, então, a negligência no estudo da língua portuguesa no Brasil da época para afirmar que “ [...] o autor do Curso de Literatura é uma das raras exceções, e para avaliar o cuidado e o zelo com que ele estuda a língua de Camões e de Vieira, basta ler este primeiro volume [...]”.
Em uma das notas a essa crônica, Massa afirma que Machado sempre manifestou certa benevolência com relação ao chamado Grupo Maranhense. Talvez, em sua opinião, por causa da amizade de Machado com Joaquim Serra. De fato, há referências elogiosas e freqüentes do escritor carioca ao amigo maranhense e a diversos intelectuais do Maranhão, em muitas ocasiões, ao longo de sua carreira de cronista.
Mas, claro, apenas a amizade com Joaquim Serra não pode ser uma boa explicação. No início de 1866 os dois ainda não se conheciam. Eles somente se encontraram mais para o fim do ano, quando Serra foi ao Rio de Janeiro representar seu Estado, do qual era Secretário de Governo, na Exposição Industrial. Ainda que se tivessem conhecido em abril, somente a amizade, tão recente, não justificaria o entusiasmo pelo nosso Estado.
 Creio numa sincera admiração pelo talento do grupo como melhor explicação para as constantes menções. Lembremos que, naquele tempo, o Rio de Janeiro ainda tinha muito de cidade provinciana, embora em rápido crescimento em função da economia cafeeira, e o Maranhão gozava de grande e justificado prestígio literário em todo o Império.
O Grupo que nos dera fama surgira como se viesse do nada, de um passado de extrema pobreza sem expressão literária alguma. Fora, todavia, uma conseqüência não obrigatória, por certo, da riqueza temporária, é verdade, mas bastante produtiva culturalmente, com origem na economia do algodão no século XIX. Como bem diz Jomar Moraes na Bibliografia Crítica da Literatura Maranhense, isso tudo dá o que pensar.
A freqüência da citação de maranhenses é um reflexo da importância do Grupo. Não se trata de benevolência. Basta citar alguns nomes, além de Sotero e Serra, para ver-se isso: Odorico Mendes, João Lisboa, Gonçalves Dias, Sousândrade, Trajano Galvão, Henriques Leal, Gomes de Sousa. De Odorico, aliás, Machado disse que naturalizara Virgílio e Homero na língua de Camões.
Mais importante, porém, do que descobrir os maranhenses nas crônicas de um escritor da importância de Machado de Assis, é buscar as razões para o surgimento do Grupo. Certamente haverá alguma relação entre o ciclo do algodão e o aparecimento de uma geração tão brilhante. Ou será apenas coincidência que, findo o período de grandeza econômica no Maranhão, os herdeiros da tradição de Atenas Brasileira, não tenham nunca, como grupo e consistentemente, superado em quantidade e qualidade as realizações daquela geração?
É uma tese marxista a afirmação de que a infra-estrutura eco­nômica condiciona as instituições das sociedades em todos os seus aspectos, inclusive os culturais. Em sua versão vulgar isso aconteceria mediante uma relação linear direta de causa e efeito. Mas, não se precisa recorrer a nada disso para admitir que uma base material, dada pelo excedente econômico, é necessária, embora não suficiente, ao desenvolvimento da cultura até o limite de suas potencialidades. Pode dar-se, no entanto, por várias razões, que essas precondições materiais existam, mas a cultura não floresça.
Aí está, portanto, um tema importante para discussão. Podemos, hoje, ter a esperança de ter um fenômeno semelhante ao do século XIX? Existem os pré-requisitos? Se existem, o resultado será similar ao do passado? É possível, afinal, ser Atenas, mais uma vez?

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