23 de fevereiro de 2014

A Copa às portas

Jornal O Estado do Maranhão

          Minhas lembranças mais antigas estão ligadas ao futebol. Lembro dos ecos da Copa de 1950, eu já com 4 ou 5 anos. Meu pai e os adultos da família, em especial meus tios maternos, estavam sempre falando sobre a tragédia daquele ano, da derrota do Brasil diante do Uruguai no Maracanã. Eu não entendia direito a razão de tanta lamentação, contudo intuía o drama.
          Da Copa de 1954, guardo imagens um pouco mais nítidas. Sempre ficará em minha memória o rádio a válvula em que ouvíamos os jogos nesse ano, aparelho soberano em cima de uma plataforma de madeira retangular fixada em uma parede da sala de estar. A recepção da transmissão era em ondas curtas, tecnologia então adotada para trazer os jogos ao vivo até os ouvintes. Televisão, nem pensar. Existia no Sul, não aqui, e mesmo assim sem cores e transmissões ao vivo.
          O problema era a baixíssima qualidade da emissões radiofônicas pelos padrões de hoje, com muitos ruídos e bastante oscilação. Em certos momentos, tais limitações levavam o áudio a quase sumir, nos momentos mais importantes das disputas, ou assim parecia a todos. O time do Brasil era muito bom, embora quase nenhum jogador de quatro anos antes estivesse presente, já tendo sido excelente em 1938, quando o artilheiro do torneio fora brasileiro, Leônidas da Silva e tivéssemos ficado em 3º lugar. Embora derrotado, nossa equipe fora melhor ainda no triste 1950. Perdemos novamente em 54, desta vez em confronto com a Hungria, considerada na ocasião a melhor equipe do torneio, com Puskas e outros grandes atletas. Como viria a acontecer com o Brasil em 1982, saudado como insuperável, a Hungria, viria a perder na final frente à Alemanha. Por fim, começamos a vencer a partir de 1958 e chegamos aos cinco título atuais.
          Falo dessas lembranças a fim de dizer que o futebol esteve sempre presente em minha vida. Aliás, são dois os futebóis de minha predileção: o nosso e o futebol americano, que acompanho desde 1978, quando fui estudar durante cinco anos nos Estado Unidos, sem nunca nesse período ter vindo ao Brasil.
           Cresci jogando futebol de salão na quadra do SENAI e futebol de campo na antiga Escola Técnica, hoje IFMA. Peladas no quintal de nossa casa, onde nossos pequenos amigos eram convidados frequentes, eram permitidas apenas depois de feitos os deveres escolares, bendita regra imposta inflexivelmente por minha mãe: ou estuda ou não vai brincar. Durante o antigo ginásio, no Colégio Marista, eu participei dos times de futebol das minhas turmas, no campeonato interno. Joguei com gente como Djalma Campos, um dos maiores jogadores de futebol de salão do Maranhão, depois do Sampaio Correia; Cupertino, mais tarde zagueiro do Moto Clube; Fifi, também grande jogador, profissional mais tarde; Catel, Alim Maluf Filho e muitos outros excelentes futebolistas.
          Curiosamente, mesmo para mim, nunca fui apaixonado por nenhum time, daqui ou de fora. Quando eu e meus irmãos éramos pequenos, por influência de nosso pai, torcíamos pelo América do Rio de Janeiro, mas aquilo para mim foi tão só um quase entusiasmo, nunca paixão verdadeira. Minha fascinação estava com a Seleção. Depois do surgimento de Pelé, nem falar. Ela é meu principal interesse, razão pela qual gosto tanto da época da competição. Às vezes quando tento descobrir a data de algum acontecimento remoto, recorro a referências como estas: “Foi depois do Brasil ser tricampeão” ou “Foi no ano da Copa de 82”.
          Por isso, vejo com tristeza o quase certo vexame brasileiro nesta de agora. Não no campo de futebol, pois seremos campeões. E não acho que qualquer governo tenha a capacidade de se apropriar politicamente de bons resultados esportivos. Digo na organização do evento: estádios por acabar, aeroportos incompletos, mobilidade urbana caótica, segurança zero, rede hoteleira de baixa qualidade. Foram sete anos de incontáveis promessas a respeito da organização da Copa e, no entanto, às vésperas do jogo de abertura muita coisa está por fazer. Há um aspecto positivo nesse caos: um país chamado Brasil estará nu diante do mundo. E a visão não será nada boa.

2 de fevereiro de 2014

Rolezinho, a revolução?



Jornal O Estado do Maranhão

          Não sou estranho a shoppings da periferia de São Paulo, pois já estive no Aricanduva, conhecido como o maior da América Latina, inaugurado em 1991. Suas instalações não ostentam luxo, mas são de boa qualidade e seus frequentadores vêm de uma classe média que desfruta da segurança proporcionada por locais como esse bem como de espaço de estacionamento pois é em boa parte proprietária de automóvel. É um em meio a dezenas de templos do consumo da periferia.
          Entre seus jovens frequentadores, há os famosinhos, adolescentes desconhecidos fora de seus bairros, onde são muito populares. Lembram-se da novela da Globo, “Sangue Bom”, com seu famosinho da Casa Verde? É a mesma coisa. A fama deles vem da postagem na internet de originalidades como a de aspirar uma camisinha pelo nariz e retirá-la pela boca. Um deles tem treze mil amigos no facebook, conforme reportagem da Veja.
          Quando chegam aos shoppings, em encontros marcados pela internet, é grande o alvoroço. As fãs querem falar com eles, pedem autógrafos, dão gritinhos e pulinhos. Como disse um deles, morador do Capão Redondo, na Zona Sul: “Rolezinho é para ver os parça (parceiros), curtir, comer lanche e beijar na boca”.
          Eles vão lá consumir, como qualquer ser desprezível iludido pelo capitalismo insaciável por lucros. E tome roupas de marca, camisetas Abercrombie & Fitch, bonés John John e tênis Puma. E os pontos chiques da cidade? Evandro de Almeida, 20 anos, um frequentador famosinho do Shopping Metrô Itaquera e o do Tatuapé, responde: “Por que eu iria ficar duas horas dentro de um ônibus para fazer compras num lugar em que tudo é mais caro e ninguém me conhece?” Não se sabe por que, aparentemente do nada, eles resolveram promover correrias, gritando e cantando temas do funk. O negócio virou um grande tumulto, uma baderna.
          Imagine-se, leitor, com sua família numa tarde de sábado a passeio num shopping de São Luís. De repente, duas a três mil pessoas começam a dar gritos, correr e às vezes furtar alguma coisa. Você daria de ombros ou ficaria preocupado com sua segurança e de todo mundo, inclusive dos rolezeiros, e pediria para alguém chamar a polícia? Se você se preocupar, saiba que você é preconceituoso e discriminador de pessoas com base em... qualquer coisa. É a luta de classes e a guerra racial induzidas pelo PT, presentes em toda parte a um simples olhar, este, a partir de agora, considerado desrespeito aos “menos favorecidos”. O leitor reconhece nesses rapazes e moças hordas de revoltosos a ponto de derrubar o “sistema explorador”, conscientes de seu papel de revolucionários?
          Mas, claro, ninguém precisa concordar comigo quando digo que a diversão dos jovens, inicialmente brincadeira inconsequente, virou baderna. Qual a opinião do cidadão paulistano sobre os rolezinhos? O Datafolha perguntou.
          Entre os paulistanos, 82% são contra os rolezinhos. Entre as pessoas de 16 a 24 anos, os mais jovens, portanto, 70% são contra e entre os da faixa etária de 25 a 34 anos, 85%, eu disse 85%, também não aprovam. Sobre os objetivos dos rolezinhos, 77% acham que é só provocar tumultos, 73% são a favor de chamar a polícia e 72% dizem que os shoppings não agem com preconceito contra negros.
          Quando se olham os números por grau de escolaridade, o quadro é este: 83% das pessoas portadoras de nível fundamental, os menos instruídos, não gostam dos rolezinhos; os de nível universitário desgostam menos, mas ainda assim chegam a quase 80% (79%). Entre os com renda de até 2 salários mínimos, os mais pobres, robustos 80% são contra; entre os de renda mais elevada, com mais de 10 salários mínimos, 71%.
          Destes últimos, 16% aprovam (13% são indiferentes ou não sabem). Eles são como os esquerdista caviar do Leblon e da Esplanada dos Ministério: amam a revolução, mas só quando estão tomando seu chopinho nos bares da moda ou jantando nos restaurantes de luxo. Ninguém deve se espantar se eles, sem nenhum preconceito contra pobres e negros, disserem que o povo não reconhece a própria opressão.
          O certo é isto: os supostos discriminados não se olham como tal.

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