9 de setembro de 2001

Magia

Jornal O Estado do Maranhão
O patriotismo está em baixa no Brasil, a julgar pela atitude de um brasileiro famoso mundialmente, Paulo Coelho. Ele é homem de mil talentos, entre os quais os de compositor roqueiro, com várias parcerias com Raul Seixas, e escritor com mais de 32 milhões de livros vendidos em todo o pla­neta.
Possui, ainda, poderes mágicos. Gera ventos e chuvas, desengarrafa o trânsito com a força do pen­samento, torna-se invisível, prevê o desempenho de presidentes da República, adivinha o nome de namorados de ministras da Fazenda. Não se compreende, por isso, sua recusa a usar tais capacidades em benefício da pátria, justamente quando atravessamos uma séria crise de energia.
É evidente que ele não iria vulgarizar sua força, usando-a por um motivo sem importância. Mas, seria fora de propósito pedirmos a utilização tão-somente de sua capacidade de fazer chover? Afinal, o país não está precisando de um bom dilúvio bíblico? A prioridade nacional não é encher os reservatórios de água das hidrelétricas, para geração de energia?
Embora sem renegar seu passado de mago, em entrevista recente à revista Veja, ele afirma não precisar mais dar prova de nada, especialmente de público. Ventos ele disse já ter produzido enquanto dava uma entrevista ao jornal O Globo. No programa da apresentadora Marília Gabriela, na televisão, previu a derrocada do governo Collor. No de Jô Soares, deu as iniciais do namorado de Zélia Cardoso de Melo. Naquela época, ninguém sequer imaginava que por trás da sisudez da ministra da Fazenda pudesse haver um coração tão terno e amoroso a ponto de fazê-la dançar o bolero com seu amado BC, Bernardo Cabral. Ou terá sido o tango argentino, como no poema?
Entende-se o desejo dele de não fazer demonstrações públicas, ante olhos indiscretos e maldosos. Que faça chover no Brasil, então, quando estiver em casa, reservadamente, longe dos curiosos. O importante é o resultado, muita água Ele diz não querer gastar energia novamente com nada disso. Está certo, mas só parcialmente. Cruzando os braços, indiferente, estaria seguramente contribuindo para a poupar sua energia. Gastaria zero kilowatt de seus próprios recursos energéticos, afinal parte dos nacionais.
Todavia, ele deveria considerar que, ao fazer chover, seu dispêndio seria compensado várias vezes pela energia gerada nos reservatórios reabastecidos. Trabalho, talvez, de uns seis dias. Esse pequeno sacrifício não valeria a satisfação de ver milhões de brasileiros felizes? Onde está seu sentimento patriótico? No sétimo dia ele poderia descansar e contemplar com satisfação sua obra.
Na hipótese de insistir em não cumprir, ele mesmo, essa obrigação, seja por cansaço, por não ter mais saco, ou por outra razão qualquer, não é de crer que não se dispusesse a convocar para a tarefa seus amigos de todos os cantos dos céus e da terra, magos como ele. Poderíamos, assim, empregar recursos alienígenas, sem prejuízo dos nossos. Para comunicar-se com os colegas, não importando a distância, ele poderia lançar mão de seus poderes telepáticos. Com essa legião do bem, o Brasil estaria, enfim, salvo de racionamentos e apagões.
Se algum patriota mais exaltado, porém, inconformado com a indiferença dele, ameaçasse reagir com violência, ele recorreria a seu poder de tornar-se invisível, que exige uma quantidade ínfima de energia. Para maior segurança, ele poderia, até, fugir em sua limusine, abrindo, com a força do pensamento, caminho através do trânsito confuso, já que não parece ter o dom de voar. Será mesmo? Fiquei em dúvida. Vai ver, ele tem.
Por fim, caso sua insensibilidade frente aos sofrimentos da nação venha a prevalecer, a única coisa a fazer será torcer para que o mesmo sinal vindo de seu interior, que o aconselhou a desistir de sua candidatura à Academia Brasileira de Letras (“Não se candidate”), no momento em que ele sentou na areia para fumar um cigarro, manifeste-se novamente, sussurrando desta vez: – Paulo, ajuda teu povo. Cumpre tua missão. Manda chover!

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