1 de dezembro de 2002

O canto da fabril

Jornal O Estado do Maranhão
Ouço notícias sobre a possível mudança do nome do canto da Fabril. De acordo com uma proposta em tramitação na Câmara dos Vereadores de São Luís, segundo uma rádio local, a nova denominação seria canto Evangélico ou algo semelhante. Não me perguntem por quê. Poderia ser o início de um ecumenismo religioso? Haveria ali por perto igrejas cristãs, católicas ou protestantes, mesquitas xiitas ou sunitas, sinagogas, templos budistas ou de religiões afro-brasileiras, ou mesmo de qualquer um desses deuses de distantes terras orientais? Não se sabe. Mas talvez seja o caso que um lugar para abrigar todos esses lugares de adoração e oração esteja em planejamento pelas autoridades.
Aquele local é atravessado por dois grandes eixos. Um, na direção norte-sul, leva, no sentido sul, ao antigo Caminho Grande e, no sentido norte, ao centro da cidade. Duas pontas olhando para a história de nossa cidade. Outro eixo, perpendicular ao primeiro, indica, para o lado leste, o rio Anil e, para o oeste, o Bacanga, que envolvem a cidade como querendo mostrar que, da diversidade dos rios, nasce a unidade da cidade. Seria aquele ponto, então, a representação do nosso ecumenismo cultural? É uma hipótese a ser levada em conta por quem quiser entender a hipotética modificação.
O canto da Fabril é assim chamado por causa de uma indústria de tecidos que funcionou ali perto, onde depois o grupo Lusitana de supermercados teve um depósito de mercadorias. A fábrica, chamada Companhia Fabril Maranhense, foi fundada em janeiro de 1893, há mais de cem anos, portanto, tendo grande importância na vida econômica e social de São Luís e do Estado. Mesmo quando mudou sua razão social para Fábrica Santa Isabel, após a troca de seus proprietários, o povo continuou a chamar o canto como antigamente. Qual a razão para mudar agora?
A mudança não poderá e não deverá ser feita. Não somente porque dessa maneira manteríamos uma tradição de gerações e gerações desta cidade, aceita espontaneamente durante todos esses anos, contribuindo para a preservação de nossa história, que já não recebe tantos cuidados assim, mas também porque esse é o tipo de mudança que, parece a mim, não pegaria, por não dizer nada ao povo de São Luís e por ser arbitrária.
Daqui a pouco vai aparecer alguém propondo alterações na denominação das cidades maranhenses, sob a desculpa do ecumenismo. São José de Ribamar seria simplesmente José de Ribamar; Santa Inês, Inês; São Vicente de Férrer, Vicente de Férrer; São Benedito do Rio Preto, Benedito do Rio Preto; São Luís, Luís e assim por diante. Ou então nossas ruas e praças passariam a ser chamadas de Oração, Reza, Terço, Corão, Torá, e não se sabe mais o quê.
Mas, existe ainda uma outra possibilidade que espero nunca se tornar realidade. Perto do canto da Fabril, está o Estádio Municipal Nhozinho Santos Esse nome vem desde sua construção em meados do século XX. Nhozinho Santos, cujo nome completo era Joaquim Moreira Alves dos Santos, era um homem extremamente inovador. Ele era filho de Crispim Alves dos Santos, dono único da Fabril.
Provavelmente em 1907, na volta de seus estudos na Inglaterra, Nhozinho trouxe para o Maranhão o primeiro livro de regras de futebol – é o Charles Miller maranhense – e fundou o Fabril Athletic Club, o FAC, primeiro time de futebol de nossa terra. O primeiro automóvel de São Luís foi dele, que se tornou professor dos primeiros chauffers daqui. Importou nossa primeira motocicleta, adquiriu o primeiro grupo gerador e construiu a primeira piscina da cidade, em área da fábrica.
Caso essa mania mudancista sem sentido prevalecesse, não estaríamos livres de ver arrancada do estádio a justa homenagem a Nhozinho Santos. Em seu lugar, ninguém deveria surpreender-se de ver alguém mais “ecumênico”. Quem sabe, por um “ecumenismo” futebolístico, quisessem reverenciar um desses pernas-de-pau que vêm do Sul do país para passar três ou quatro meses aqui praticando um futebol sistemática e ecumenicamente ruim.

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