14 de novembro de 2004

Infidelização TIM

Jornal O Estado do Maranhão 
Fidelização é um neologismo inventado pelos marqueteiros. Já foi incluído no Houais, provando a liberalidade, a respeito de novidades lingüísticas, da equipe que produz o dicionário hoje. A mim, soa meio bobo, em especial na boca de atendentes de empresas de telefonia celular como a TIM. Deveria ser, mas não é, isto: “conquista da constância do cliente com relação ao uso dos produtos de determinada marca, serviço, loja ou rede de pontos de venda etc”. O leitor já verá por quê.
Todos sabem o significado de fidelidade, ou pensam saber. Seja como for, ela é desculpa para muita briga, mas, em todo caso, ela depende de cada um. Ninguém é fiel ou deixa de sê-lo contra sua própria vontade, a não ser por breves períodos e em circunstâncias especiais. Ela é semelhante ao amor, com quem anda de braços dados. Ninguém ama ou é fiel por causa de uma lei, decreto ou regulamento.
Eu pensava, ingenuamente – dou minha mão à palmatória, que nem é mais usada, porém deveria, para castigar as traquinagens dos dirigentes de certas empresas –, eu pensava, dizia, na relação entre usuários de telefonia e as prestadoras do serviço como semelhante àquela entre duas Brsoas, espontânea, natural, expressão de livre vontade e sentimentos. Vivi nessa ilusão até pedir o cancelamento de uma linha de celular que eu havia adquirido da TIM. Vou contar a história tintim por tintim.
Disco um número de ajuda ao cliente, que não sei se está aqui no Maranhão ou no Fidelizadustão (esse país não existe também, mas deveria, a fim de abrigar os dirigentes daquelas companhias, após as sessões de palmatoada, durante uma longa temporada de profundas e doloridas reflexões sobre o verdadeiro sentido da vida empresarial). Atende uma gentil senhorita. Ela insiste em saber o motivo de eu não querer mais os serviços da TIM. Pacientemente invento uma desculpa qualquer. Quase eu alego estar de mudança para o Iraque, levando comigo um protetor de pescoço, pois lá este é cortado a três por quatro. Desisti ao imaginar que ela acharia que outras partes do corpo, passíveis de serem decepadas da mesma forma, ficariam desprotegidas e faria perguntas sobre o porquê de eu não desejar, na imaginação dela, proteger o tronco e os membros.
A moça transfere a ligação. Um rapaz delicado repetiu a pergunta. Eu respondi com outra. Aquilo era uma companhia telefônica, ou o FBI de George Bush? Aí, vem a surpresa, anunciada num tom infiel, ou infidel. Se eu quisesse cancelar a linha, teria de pagar uma multa de quase duzentos reais porque eu não era ainda fidelizado, quer dizer, não tinha usado os serviços da TIM por um ano, período mínimo de utilização para não ser penalizado.
Alegou o rapaz que a punição está no contrato. Está. Mas, é a velha história. Na hora da assinatura eles não chamam a atenção acerca dessa cláusula, naturalmente escrita em letras miúdas, a fim de evitar o risco de perda do cliente. No entanto, a exigência é a primeira a ser lembrada na hora da rescisão. Na minha opinião, o procedimento caracteriza má-fé, fé púnica, mas não fé de carvoeiro. É uma tentativa de tornar o consumidor fiel na base do dá ou desce, e não tem justificativa econômica. O custo de um cliente adicional é praticamente zero para as empresas, porém não a receita, igual, pelo menos, ao valor da taxa mínima. Isso é contra o espírito do novo Código Civil e do Código do Consumidor e, pior, não deixa alternativa ao usuário, a parte mais frágil na relação com essas gigantes da telefonia, porque todas elas, em acordo entre si e com a Anatel, adotam cláusulas quase iguais em contratos a que só se pode aderir, ou não aderir, em bloco.
É por essas que elas são as campeães de reclamação no Procon. Cuidado com elas, caro leitor.

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