23 de junho de 2002

Futebol, de novo

Jornal O Estado do Maranhão
Desculpem-me os leitores que não gostam de futebol, pela minha insistência em falar do assunto. É que só temos Copa do Mundo de quatro em quatro anos. Poucos escapam do envolvimento emocional provocado pela competição, pelo mundo afora. Afinal, trata-se do esporte mais popular do planeta.
Vejam as palavras do jornalista inglês Alex Bellos, no livro Futebol ­– The Brazilian Way of Life, (Futebol – O modo de vida brasileiro), ainda sem tradução no Brasil: “O futebol estrutura o modo de ser do brasileiro e o modo de ser do brasileiro pode ser entendido bastante bem a partir do futebol”. É impossível fugir dele no Brasil.
Pode-se ter uma idéia das emoções despertadas por esse esporte, ao ver-se a reação do presidente do time italiano Perugia, ao gol do jogador coreano Ahn Jung-hwan, dessa mesma equipe. Para infelicidade dos italianos, esse gol eliminou justamente a Itália, no jogo contra a Coréia de Ahn. O presidente disse: “Basta, esse não voltará a colocar o pé no Perugia. Não quero vê-lo mais, pois ofendeu o país que o acolheu”. Não se esperaria uma reação como essa de um sério senhor de negócios de milhões de dólares, como são os times da Itália.
Independentemente, porém, de qualquer outra consideração, o presidente confundiu a seleção italiana com a também italiana equipe Ferrari da Fórmula 1, e o jogador Ahn com o piloto brasileiro Rubinho Barrichello. Este, seguindo instruções da direção de sua equipe, permitiu a vitória do alemão Michael Schumacher, diminuindo a velocidade de seu carro a poucos metros da linha de chegada, em corrida recente. Acharia o presidente do Perugia que, a uma ordem do técnico da Itália, Trapattoni, participante do jogo final da Copa de 1970, entre o Brasil e a Itália, vencido pelos brasileiros, o coreano cabecearia para fora, de propósito, uma bola que ele poderia colocar, como colocou, para dentro do gol adversário? Terá ele pensado em Ahn como um Rubinho de olhos puxados?
A prevalecer esse tipo de patriotada, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo estariam em maus lençóis, caso jogassem na Inglaterra, principalmente o primeiro, autor do segundo gol, o da vitória por dois a um contra o time inglês. Este dava a impressão de estar assombrado diante dos astros brasileiros, na partida da última sexta-feira, pelas quartas de final da Copa. Se havia alguém com medo, eram os súditos de Elizabeth II. Eles amarelaram.
O time brasileiro jogou como um verdadeiro campeão. Tomou um gol, no primeiro tempo, mas soube manter a qualidade superior de seu futebol. Teve força, tranqüilidade e maturidade para empatar, desempatar e ganhar a partida, com dez jogadores depois da expulsão de Ronaldinho Gaúcho.
A tão vilipendiada defesa brasileira mostrou solidez durante toda a partida, desmentindo a lenda centenária de sua fraqueza. O goleiro Marcos, levado a fazer serviço extraordinário no jogo contra a Bélgica, desta vez trabalhou tanto quanto um mandarim chinês ou um marajá indiano. Quase morreu de tédio. Tive a impressão, por um momento, de ver um gesto dele em direção a Lúcio, como quem perguntasse se o temível Beckham estava jogando.
Mais uma vez os “entendidos” estavam errados, como continuarão até o fim. Todos os seus “favoritos” já foram para casa, restando agora o Brasil e a Alemanha, entre os grandes. Esses dois não eram os preferidos de quase ninguém, embora fossem, creio, as maiores forças do torneio. Vejo como surpresa apenas a rápida desclassificação da Argentina.
Muita gente tem suas obsessões. Eu também tenho as minhas. Uma são esses entendidos”, que vivem prevendo catástrofes para o time brasileiro. Eles me fazem lembrar Nélson Rodrigues falando da visita de Jean-Paul Sartre ao Brasil. Ele dizia que, nas conferências de Sartre, havia gente escorrendo do lustre, subindo pelas paredes feito lagartixas, somente por ser o conferencista francês. “Olhei aquilo e concluí que há admirações abjetas”. O mesmo se pode dizer dessa turma, que vive lambendo os time estrangeiros com palavras.

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