10 de setembro de 2006

Auto-engano

Jornal O Estado do Maranhão


Estive entre os dias 25 e 29 de agosto em Grajaú, cidade de rica tradição histórica, a fim de, como consultor, prosseguir no trabalho de elaboração do plano diretor de lá, acompanhando na ocasião Gustavo Marques e equipe técnica da G Marques, que também elaborou o de Barreirinhas e prepara os de São José de Ribamar e Santo Amaro. Antes de falar da atuação do prefeito Mercial Arruda, quero dar meu testemunho de um fato político interessante.
Venho eu subindo, em minha caminhada matinal, das margens do rio Grajaú, na parte baixa e antiga da cidade, em direção da alta. Encontro um senhor de 70 anos, cordial como os que vivem em lugares sem violência, voz e andar ainda firmes. Renovo então o hábito de sondar os moradores a respeito de suas opiniões sobre a vida política brasileira. Depois de alguns minutos, ele, um pouco desconfiado – quem será esse sujeito de fora que fica fazendo perguntas pra gente – começa a fazer avaliações.
De Lula, quando falo do mensalão e dos deputados sanguessugas, ele diz: “É verdade, mas ele olhou pelos pobres”. É o efeito Bolsa-Família. De Roseana Sarney, antes de dizer qualquer coisa, diminui o passo, esboça leve sorriso, mas logo fica sério: “Moço (agradeço pelo moço), a gente vivia isolado aqui, era tudo poeira, para sair daqui era a maior dificuldade. Foi ela que asfaltou essa estrada que todo mundo está vendo”.
Daí se deduz a preocupação principal do eleitor, a melhoria da qualidade de sua vida. Ele quer governantes de fato realizadores, como Roseana. É um erro, com raiz em certezas ideológicas, e um preconceito contra as camadas mais humildes da população, supor que os eleitores mais simples não conhecem seus próprios interesses e se deixam enganar facilmente por conta de supostas manipulações. Essa visão está em linha com a teoria marxista da falsa consciência na vertente de Georg Lukács pela qual a dominação ideológica burguesa na sociedade capitalista produz fenômeno esdrúxulo como esse.
O economista Eduardo Giannetti no seu livro Auto-engano, chama essa fé – a de os crentes acreditarem possuir sempre a verdade indiscutível – de “a força do acreditar como critério de verdade”, que penso ser em geral a postura adotada por indivíduos ditos de esquerda, bem como por certos grupos evangélicos: “É a exacerbação da crença de que a verdade foi encontrada – de que as certezas e convicções que nos impelem à frente têm o valor cognitivo de uma revelação divina ou de um teorema geométrico – que trai a ocorrência de algum processo espontâneo e tortuoso de filtragem, contrabando e auto-engano”.
Vejam o “Auto-engano das Pesquisas”. Elas estão erradas quando não favorecem os candidatos dos auto-enganados. Se o resultado lhes fosse favorável, estariam certas. Se Roseana lidera como agora é porque as pesquisas foram compradas. Ademais, eles dão explicações aparentemente racionais acerca dos números ruins para seus preferidos nas sondagens de intenção de voto, mas de fato se baseiam em crenças em verdades reveladas. Não se deve duvidar de que possam mesmo pensar dessa forma. Afinal, eles vivem se auto-enganando.
Mas quero falar de novo de Grajaú para expressar admiração pelo trabalho do prefeito. Como é de amplo conhecimento, há sábio dispositivo constitucional obrigando os prefeitos a implantarem até outubro deste ano planos diretores nos municípios com mais de 20 mil habitantes. Esses estudos, transformados em lei, disciplinarão o desenvolvimento local. Pois Mercial não está meramente cumprindo uma obrigação. Além de participar das audiências públicas, como seria de esperar, ele vai a todas as oficinas, divulga as atividades de elaboração do plano, incentiva a participação da comunidade e adota procedimentos absolutamente transparentes. Vai muito bem Grajaú.

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