17 de junho de 2007

Coque, coque

Jornal O Estado do Maranhão
Reportagem recente da Veja mostra a contaminação das escolas brasileiras de nível médio por lamentável proselitismo esquerdizante. Os danos potenciais à educação são imensos porque se trata de doutrinação ideológica de jovens em período formativo. No entanto, eles não deveriam se submeter a visões primárias, além de unilaterais, acerca de assuntos importantes para a compreensão do mundo em que irão viver e trabalhar. Os tópicos curriculares devem ser debatidos a partir de mais de um ponto de vista, honestamente apresentados, e não servir de desculpa a tentativas de catequese.
Eis a história. A mãe de uma aluna do Colégio Pentágono, de São Paulo, ao examinar apostilas usadas pela filha, produzidas pelo grupo COC para 200 escolas particulares e 220.000 estudantes, descobriu o que ela chamou de “panfletagem grosseira” e de “porno-marxismo”. Fiquemos num único exemplo: “A dissolução das comunidades neolíticas, como também da propriedade coletiva, deu lugar à propriedade privada e à formação das classes sociais, isto é, a propriedade privada deu origem às desigualdades sociais [...]”.
Ao falarmos de classes queremos nos referir a grupos de indivíduos ou famílias com poder, prestígio, riqueza e interesses semelhantes no interior de uma sociedade. A existência delas é anterior ao capitalismo e não é inerente a ele, como insinua o autor do texto. Não há um vínculo necessário entre elas e determinada coletividade. Não foi uma hipotética dissolução da propriedade coletiva e o aparecimento da propriedade privada a qual, em princípio, poderia ser apropriada de forma igualitária, as causas do surgimento de classes. Há consenso entre os estudiosos de várias tradições políticas acerca do importante papel das desigualdades de variadas naturezas no nascimento delas, e não o contrário.
Na análise marxista, elas se definem em relação ao processo produtivo e à posse dos meios de produção: a classe capitalista os possui, enquanto a trabalhadora, deles destituídos, dispõem tão-só de sua força de trabalho, situação que a obriga a vendê-la no mercado, assegurando apenas sua própria reprodução. Não passa de anacronismo aplicar esse conceito, elaborado com bastante perspicácia por Marx no século XIX, a uma época anterior ao aparecimento do capitalismo, como se lê na apostila.
No texto, há ainda ignorância presunçosa do autor a respeito de suposto igualitarismo numa era de ouro da propriedade coletiva. Ora, os cientistas sociais estão cansados de ensinar que a distribuição de talentos nas populações é normal. Num extremo, encontramos um pequeno número de indivíduos com muitos talentos inatos. No outro, com poucas habilidades, número também reduzido de pessoas. Entre os extremos, está a maioria, num continuum de talentos médios. Assim, é quase impossível resultar dessa característica igualdade em termos de rendimentos individuais, ainda que todos tivessem no início a mesma riqueza acumulada. Mas, um mínimo, necessário à sobrevivência digna, deve ser garantido aos membros mais vulneráveis da comunidade. Se se tentasse assegurar renda igual a todo mundo, haveria forte desincentivo aos mais talentosos na aplicação de suas habilidades em seu próprio benefício e no do grupo, com prejuízos coletivos evidentes.
Assuntos complexos como esses não podem ser distorcidos por doutrinadores do marxismo vulgar, em benefício de visões maniqueístas da vida social, mas em prejuízo da formação dos jovens. Outro texto, pior ainda do que o transcrito acima, intitulado “Como se conjuga um empresário”, tolo e de extremo mau gosto, serviu de tema de redação do vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais. Sucumbirão Minas e os mineiros a modismo tão primário?
Está na hora de dar um bom coque na cabeça dura desse pessoal.

Machado de Assis no Amazon