30 de dezembro de 2007

Em 2007

Jornal O Estado do Maranhão, 30/12/2007

Este ano ofereço, se me derem licença os leitores, retrospectiva de segundo grau, pois em vez de discorrer de maneira direta a respeito de acontecimentos importantes de 2007, vou falar sobre o que falei a propósito deles, conforme apareceram em minhas crônicas. Desse modo, os dou através do filtro – tão bom ou tão ruim quanto o de qualquer outro comentarista – que utilizei para selecioná-los. Refletirão, dessa forma, meus interesses e gostos pessoais. O leitor julgará a pertinência de minha seleção não exaustiva e de minhas opiniões, cuja relevância poderá vir, não destas, mas da própria relevância dos fatos.
A economia brasileira foi objeto de duas crônicas. Fiz, primeiro, críticas ao chamado Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, mera re-arrumação orçamentária a serviço de uma jogada de marketing. Em outro texto, porém, defendi o governo em sua tentativa de estabelecer a chamada DRU – Desvinculação de Recursos Orçamentários, porque o excesso de vinculações enrijece a política fiscal e a torna ineficiente, tirando dos dirigentes a liberdade de modificá-la, do lado dos gastos, quando necessário.
No campo cultural falei sobre publicação de livros de autores maranhenses, como Parsondas de Carvalho: um novo olhar sobre O sertão, de Sálvio Dino; Memória da advocacia no Maranhão, de Milson Coutinho; Coletânea de artigos da Revista Maranhense: Artes, Ciências e Letras, organizado por Antonio José Silva Oliveira; São Luís, azulejo e poesia, de Antônio Carlos Lima.
Mas, não assinalei apenas livros. Fiz comentários acerca do meritório trabalho de Américo Azevedo Neto, com sua Companhia Cazumbá, Teatro e Dança bem como sobre o desagrado de parte da população de Pedreiras com a prefeitura da cidade pela recusa dos dirigentes municipais em apoiar a chamada música axé no Carnaval e, relacionadas a isso, comentei ingênuas concepções de tradição e cultura popular. Ainda na área cultural, Machado de Assis e suas observações, em crônicas, a respeito do Maranhão e maranhenses foram objetos de três crônicas.
Nos assuntos internacionais, no campo político, critiquei o regime de Hugo Chávez, da Venezuela, em duas ocasiões, em ambas apontando sua tendência ditatorial e, no ambiental, fiz referência ao relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, IPCC alertando os governos para a responsabilidade humana, “muito provável” e “inequívoca” no agravamento dos problemas climáticos mundiais. O chocante enforcamento de Saddam Hussein pelos americanos também fez parte de meu olhar sobre a cena externa.
Falei ainda a favor da Feira do Livro de São Luís e contra a divisão do Estado; contra a autonomia universitária na forma como grupos de estudantes trotskistas e assemelhados da Universidade querem impô-la e a favor da reforma ortográfica que “é boa e em pouco tempo irá beneficiar os usuários da língua [portuguesa] em todo o mundo”.
Das 43 crônicas do ano, três, pela carga de emoção, voltam sempre à lembrança. Uma, fala do nascimento de meu neto Davi; a segunda aborda a barbárie cometida no Rio de Janeiro contra um garoto, João Hélio, de apenas seis anos, arrastado pelo automóvel de seus pais, dirigido por bandidos, por sete quilômetros; a última lembra a morte em julho de nossa querida e inesquecível Lucy Teixeira, escritora da linhagem de Machado de Assis, Murilo Rubião e Clarice Lispector.
Temos 2008 agora pela frente. É o ano do Centenário da Academia Maranhense de Letras. A nova Diretoria, por mim presidida, receberá tão-só em fevereiro, do atual presidente, Joaquim Itapary, a direção da Casa, a partir de quando irá elaborar a programação das festividades. Não pequena será nossa responsabilidade. Anima-me, porém, a certeza de contar com o apoio dos acadêmicos e da sociedade maranhense.

23 de dezembro de 2007

O bom Papai Noel

Jornal O Estado do Maranhão

O Natal está conosco mais uma vez. A tradição milenar de comemorar o nascimento de um homem, Jesus Cristo, que nasceu há mais de dois mil anos numa pequena cidade do Oriente Médio e teve, e tem, tanta influência sobre milhões de pessoas, é uma das mais enraizadas de nossa cultura. Mesmo as pessoas sem religião, os ateus, os agnósticos e toda a gradação de homens e mulheres sem fé em seres superiores e intangíveis, ou em vida após a morte, ou melhor, em vida após a vida terrena, em reencarnação, vêem, como vejo, o Natal, como parte de suas melhores lembranças de crianças e de adultos com filhos e netos.
Embora mais recente ou menos antigo do que o Natal, pois vem de quase quatrocentos anos depois do nascimento de Cristo, Papai Noel – Pai Natal dos portugueses e Santa Claus (Saint Nicholas), Santa, tão-só, para as crianças americanas –, faz parte dessa tradição. Na minha imaginação de menino de classe média, que cresceu sonhando com presentes na grande data do ano, sua falta na época natalina equivaleria ao cancelamento do próprio Natal.
Não são poucos, no entanto, os cristãos contra Papai Noel, ficção tão real na mente de milhões de crianças, que importamos da Europa junto com nossa língua. Em 1958, um pastor de Copenhague, na Dinamarca, chamou-o de duende pagão, causando grande polêmica, depois de uma campanha de levantamento de fundos por uma organização de ajuda aos pobres, quando sua imagem foi utilizada com o fim de conseguir donativos. Muitos membros da Igreja Testemunhas de Jeová seguem linha semelhante. Não são do século XX, contudo, as primeiras objeções religiosas a ele. No século XVI, grupos protestantes o repeliam, assim como no século XVII os Puritanos da Nova Inglaterra, que o viam como símbolo pagão ou como imposição da Igreja Católica.
Muitos psicólogos não aprovam incutir-se nas crianças a crença em Papai Noel. Isso causaria grande frustração no momento da descoberta da verdade. Não direi ser bobagem essa opinião, já que sai da boca de profissionais da psicologia. É apenas exagero. Digo apenas isto. A descoberta pode ser, creio eu, e com freqüência é, um dos momentos de entrada simbólica no mundo adulto. Quando descobri que ele era em verdade meus pais, senti, sim, alguma frustração, mas logo passei a olhar meus irmãos mais novos com certa condescendência, porque eram simples crianças, crentes ainda em Papai Noel. Eu, orgulhoso, não. Se eu não passei então a gente grande, pelo menos comecei a compartilhar um grande segredo com os adultos.
Ouvem-se vez por outra críticas à comercialização de sua imagem, usada para aumentar as vendas de fim de ano. Não é de agora tal prática, porquanto desde o início do século XIX os americanos, sempre atentos a novas maneiras de ganhar dinheiro e engenhosos em gastá-lo, a tinham adotado. Incrementar vendas e, portanto, aumentar o número de empregos bem como a renda das pessoas não é uma ação típica de alguém como Santa? Afinal, não tem origem em boas ações sua justificada fama? Existirá procedimento mais meritório de ajudar as pessoas do que dar a elas a oportunidade de trabalhar? Querem impedi-lo de agir como um verdadeiro cristão e de entrar no reino universal de Deus? Por favor, incrédulos senhores, deixem o gordo e risonho velhinho em paz. Ninguém é tão cristão quanto ele nem tão perseverante, qual o Super Homem sem criptonita, em sua eterna luta pelo bem de nossas crianças.
Ele está aí há tanto tempo que não será fácil demiti-lo nem levá-lo a pedir demissão nem muito menos aposentá-lo por tempo de bons serviços nem convencê-lo a negar presentes perfeitos para as crianças. Se não for assim, como o avô poderá ver no rosto do neto Davi, o rei Davi, o sorriso de felicidade pelos presentes de Papai Noel?
Ave, bondoso e eterno Noel.

16 de dezembro de 2007

Fortuna crítica de Machado de Assis

Jornal O Estado do Maranhão

Raros escritores brasileiros têm fortuna crítica tão extensa quanto a de Machado de Assis. Ainda em vida ele viu críticos de diversas tendências iniciarem a análise sua obra, com freqüência perplexos ante textos ficcionais que não sabiam bem como classificar e lhes pareciam estranhos.
Nas Fontes para o estudo de Machado de Assis (Rio de Janeiro, INL, 1958), J. Galante de Sousa relaciona, para o período , 1.884 verbetes. A Bibliographie descriptive, analytique et critique de Machado de Assis (Rio de Janeiro, Livraria São José, 1965), de Jean-Michel Massa, autor do melhor livro sobre o jovem Machado, A juventude Machado de Assis, : ensaio de biografia intelectual (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira/Conselho Nacional de Cultura, 1971) acrescenta outros 132 referentes a 1957 e 713 ao ano de 1958. Em 2005, Ubiratan Machado, em Bibliografia machadiana, (São Paulo, Edusp, 2005), nos deu mais 3.282, perfazendo, assim, 6.011 verbetes. Conhecendo-se, porém, a impossibilidade de localizarem-se todas as referências ao escritor carioca na imprensa brasileira, pode-se afirmar que o total deve situar-se acima desse último número que, em 2008, ano do centenário de sua morte, deverá aumentar bastante, pois com certeza haverá copiosa produção de artigos em jornais e revistas, e de livros de ensaios.
Para se ter idéia de como evoluíram esses números, pode-se fazer uma periodização. Entre o início de 1857 e o final de 1907, ano anterior à morte de Machado, portanto num período de cinqüenta e um anos, foram identificadas 209 menções a sua obra, resultando em média anual de 4,1; nos trinta e um anos entre 1908 e 1938, este último imediatamente precedente ao do centenário de seu nascimento, surgiram mais 461, ou 14,9 por ano em média; de 1939 até 1957, logo antes do cinqüentenário de sua morte, período de 18 anos, foram outras 1.346, com média anual de 74,8, significa dizer acima de seis referências por mês; por fim, entre 1958 e 2003, período de 46 anos, foram localizadas mais 3.995, produzindo média por ano de 86,8, equivalente a mais de sete por mês.
Pode-se ver, por conseguinte, que o número médio anual de citações não apenas cresce, mas o faz a taxas crescentes em todos os períodos, com exceção do último, delimitados por datas significativas para os estudos machadianos.
Esses algarismos referem-se tão-só a material publicado no Brasil. A partir do início dos anos sessenta, pesquisadores norte-americanos intensificaram o trabalho de tradução e estudo da literatura de Machado cuja divulgação em outros países foi facilitada pela influência mundial da cultura dos Estados Unidos. Antes, contudo, a primeira tradução de uma obra dele, Memória póstumas de Brás Cubas, foi feita no idioma espanhol e publicada em Montevidéu em 1902. Em carta a Luís Guimarães Filho (Correspondência, Editora Mérito, São Paulo, 1961) diz Machado: “A tradução só agora a pude ler completamente, e digo-lhe que a achei tão fiel como elegante merecendo Julio Piquet [o tradutor] ainda mais por isso os meus agradecimentos”.
Inúmeras qualidades respaldam essa permanência do escritor carioca e levam-no a dialogar com diferentes culturas e sucessivas gerações, que renovam sempre a leitura de sua obra, levando-o a vencer o maior desafio a que um escritor pode se submeter: a prova do tempo, que diminui, ou apaga incontáveis vezes o brilho ilusório do momento. Uma delas é a originalidade, capaz de levar um conceituado crítico literário como Harold Bloom, de renome mundial, a dizer no seu livro Gênio: “Todavia, uma frieza misteriosa emana das suas Memórias póstumas, obra que contém atmosfera tão original que não permite comparação com qualquer outro texto ficcional, a despeito do débito inicial com Sterne”.

9 de dezembro de 2007

Bolas e boladas

Jornal O Estado do Maranhão

Duas notícias relacionadas à maneira como pode funcionar o sistema de justiça no Brasil. A primeira, de agosto deste ano. A juíza da Vara de Infância e Juventude de Madureira, Mônica Labuto, resolveu despachar no meio da rua. Segundo o desembargador José Carlos Murta Ribeiro, presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ela expôs o Poder Judiciário a vexame e desobedeceu ordem de superior hierárquico no campo administrativo com o fim único de fazer proselitismo. A origem da história está nestes fatos.
A Vara da Infância, instalada em janeiro, funciona em prédio onde há 14 cartórios. O Tribunal decidiu que o edifício funcionaria somente até 21h, por questão de segurança. Tal determinação quase inviabilizou o trabalho da juíza, pois diligências com o objetivo de coibir a presença de menores em bares e boates, não podem ser feitas antes da hora de fechamento do prédio pela comezinha razão de que esses estabelecimentos começam a funcionar justamente depois das 21h.
Numa sexta-feira, a dra. Mônica determinou a realização de urgente diligência e, para não abrir o prédio e desobedecer a determinação do Tribunal, e depois de ter negada solicitação de aumento do horário de funcionamento, colocou mesa e cadeiras de trabalho na calçada. Ela tinha de receber autuações feitas pelos comissários entre as 22h e meia-noite ou correr o risco de ver extraviados os documentos. Enquanto os funcionários não retornavam, ela distribuiu vários exemplares do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para se ter idéia da enormidade de suas responsabilidades, é suficiente dizer-se que a Vara da Infância abrange 30 bairros do Rio de Janeiro, com um milhão e quatrocentos mil habitantes. Área tão extensa e com tanta gente necessita da presença permanente do poder público no combate à presença de menores depois das 22h em bailes funks e bares, como lá é comum. Ela queria justamente cumprir sua obrigação, mas foi ameaçada pela burocracia e pelo corporativismo judicial.
A segunda notícia, de setembro, fala de outra juíza Olga Regina Guimarães, da magistratura estadual da Bahia. A meritíssima inocentou o colombiano Gustavo Duran Bautista, acusado de enviar mais de meia tonelada de cocaína para a Europa. O Tribunal de Justiça da Bahia abriu “rigoroso” inquérito com o fim de investigar as ligações da magistrada com ele e a Polícia Federal gravou conversas telefônicas do traficante com ela e o marido, Baldoino Santana. Este, numa delas, diz que não caiu nenhum dinheiro em sua conta, comprometendo-se Bautista a fazer o depósito na manhã seguinte; em outra ela informa que foi à Polícia Federal e estava tudo “Ok” com as fichas de antecedentes do traficante. Houve mais. O casal visitou-o em julho em uma casa em São Paulo, encontro confirmado pela filha dele. Diante de tantos indícios e provas, o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Benito Figueiredo, disse, como homem cauteloso e experiente, que a denúncia era grave, mas a dra. Olga não seria afastada naquele momento.
O resultado de todas essas peripécias? No primeiro caso, da juíza Mônica Labuto, o presidente do TJ do Rio, entrou com representação no Órgão Especial da Corte, pedindo o afastamento temporário e imediato dela. Vá querer dar mau exemplo, cumprindo sua obrigação! Vá mandar a burocracia às favas e ir em frente, a fim de ver o que acontece! No outro caso, o da juíza amiga do traficante, ela foi promovida, elevando-se de Juazeiro a Salvador, junto com um grupo de 50 magistrados.
Uma juíza não deu bola para a lei, recebeu uma boa bolada e ainda foi premiada; a outra deu tratos à bola para cumprir a lei, levou do Tribunal uma bolada na cara e ainda foi punida.
Ora, bolas, parece coisa muito bem bolada, feita por gente boa de bola (no mau sentido, claro).

Machado de Assis no Amazon