5 de outubro de 2005

Por Que Não

Jornal O Estado do Maranhão   
Votamos hoje num referendo cuja divulgação nos meios de comunicação omitiu de todos nós informações relevantes sobre o assunto acerca do qual deveremos nos manifestar – a possibilidade da proibição da fabricação e venda de armas de fogo no Brasil –, dizendo sim ou não, e as razões de termos de fazê-lo. Muitos não saberão sequer o significado da palavra referendo e menos ainda diferençá-la de plebiscito, desconhecida de seu Rodrigues, que não admitia ignorá-la, como ignorava também o significado de proletário, no conto de Artur Azevedo, ignorância responsável por rusga familiar entre ele e d. Bernardina, sua mulher. Teimosia e desconhecimento semelhantes a respeito das conseqüências da eventual vitória do sim, criarão condições propícias à elevação do índices de violência e criminalidade, como aconteceu em outros lugares.
A votação é sobre o Estatuto do Desarmamento, lei aprovada com o condicionante, introduzido pelos adversários da proibição, que a consideram inócua e mistificadora, de ter seu artigo 35 submetido à aprovação popular. Os defensores desse dispositivo, por sua vez, segundo entendi da exposição dos argumentos durante o período de campanha, esperam que a proscrição da posse daquelas armas seja decisiva, se não para a redução a zero dos índices, utopia não realizada em nenhum outro país, pelo menos para sua substancial redução.
Eles falam de migração sistemática de armas adquiridas de forma legal das mãos dos cidadãos em direção às dos criminosos, através de roubo ou furto, e dão, assim, a impressão falsa de que o arsenal fora da lei tem sua fonte de abastecimento aí e não no lucrativo e incessante contrabando, fora de controle das autoridades e até com a conivência de muitas delas. A vitória do sim não mudaria nada disso, porém, quase com certeza, aumentaria o lucro dos contrabandistas, deixando o armamento com os malfeitores.
Navegam, os advogados dessa posição, na rota fácil de desarmar as pessoas comuns, em vez de lutar pela repressão ao crime organizado ou desorganizado, por meio da aplicação no aparelhamento das polícias e da justiça de recursos públicos que o governo federal e muitos estaduais irão investir apenas sob pressão. Ademais, quantos de nós compra armas pesadas, como fuzis e metralhadoras, tempos atrás de uso exclusivo das forças de segurança, e as vende aos bandidos?
Argumentam, além disso, com exemplos de agressão dentro do lar, misturando fenômenos sociais diferentes, como se brigas de vizinhos ou de marido e mulher ou mesmo acidentes domésticos com crianças, que por certo podem resultar e resultam em mortes, tivessem a mesma natureza daquela das quadrilhas de traficantes que infestam as cidades brasileiras. Se a proibição fosse capaz de diminuir o elevado número de mortes violentas, então com mais razão se deveria proibir o uso de veículos motorizados, responsáveis por cifras mais altas.
Sabe-se da ausência de relação de causa e efeito ou de simples correlação estatística, entre taxas de criminalidade e a posse legal de armas. Há países cujas populações as portam sem restrições e outros onde elas foram banidas. Contudo, apresentam índices semelhantes, altos ou baixos. As causas são múltiplas, como os sociólogos estão cansados de mostrar. Não será com a pretensão de eliminar apenas uma delas, secundária como neste caso, que se obterá a cura para doença social do tipo da nossa.
São essas as razões de eu votar no não. Faço-o na convicção de não ser possível resolver questões complexas como essa em discussão de uma só vez nem com medida bem intencionada, mas ineficaz. Daqui apouco, caso nenhum bando bem armado assalte os locais onde se vota, possibilidade lembrada por José Chagas recentemente, ou me ataque pelo caminho, estarei cumprindo meu dever.

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