11 de fevereiro de 2001

Porta da escola

Jornal O Estado do Maranhão 
As aulas voltaram. Com elas, chegou, como em todo começo de ano escolar, a esperança na força libertadora da educação, com seu poder intangível, porém enorme, de transformação. Não há exemplos de sociedades que tenham se libertado da miséria e da fome, tão degradantes para o homem, sem educar seu povo.

Dizer isso me ocorreu por causa da afirmativa de um amigo, de que a educação de um povo pode ser medida pela forma de conduzir automóveis. Não sei se isso é verdade. Se for, há motivos de preocupação com nossa cidade. Se fôssemos julgar pela postura de alguns ao volante, seria uma terra de gente mal educada. Ironicamente, o amigo chama a atenção para a falta de educação, exibida com orgulho. Onde? Nas portas das escolas, lugar de educação. Pior, ainda, diz ele. O mau exemplo é dado pelos pais dos educandos. Estes, guiados por aqueles, acabarão igualmente mal educados.
O que se vê é de lamentar. Na ânsia de apanhar seus amados filhos, depois das intermináveis três ou quatro horas de ausência, e não suportando mais tão longa separação, os pais não se importam de parar seus carros em filas duplas, triplas, quádruplas, impedindo a passagem de outros veículos.
Não lhes ocorre, ou se ocorre não os comove, a possibilidade de alguém numa situação de emergência — um doente a caminho do hospital, um acidentado em busca de socorro urgente — tentar passar ali naquela hora. O importante é evitar a angústia do pobre rapaz, de não ver logo a mamãe ou o papai. Assim se evitarão traumas aos pobrezinhos. Danem-se o doente, o acidentado, o engarrafamento e a confusão.
Na hora da saída das escolas, é um vale-tudo. Vale subir na calçada, buzinar desesperado, estacionar de qualquer jeito. Só não vale parar um pouco antes, ou depois, do portão e andar extenuantes cinqüenta ou cem metros.
Cito o exemplo de uma escola do centro da cidade, porque tenho experiência da época em que trabalhei perto dela. A caminho de casa, tinha que passar diariamente na sua porta. Era sempre a mesma coisa: trânsito lento ou parado, esperando pelo saída dos alunos. Como em muitas outras saídas.
O raciocínio dessas pessoas é simples. Digo mal. Não é simples, é simplista: fazer uma parada de, vamos dizer, trinta segundos no meio da rua, no lugar errado, não vai criar problema algum. Ora, se todos raciocinarem dessa mesma forma e tomarem a mesma atitude, o resultado é o que se vê. É a chamada falácia da composição. Em determinadas situações, se todos agirem com base, apenas, em seu interesse individual, o resultado será desastroso para todos, embora pareça vantajoso para cada um em particular.
O que mais espanta é tratar-se de pessoas de classe média, com nível de renda alto, a julgar pelo valor das mensalidades escolares que pagam ou pelos carros que compram. Formalmente, têm bom nível educacional. Vamos conceder o benefício da dúvida e admitir que sim. Mas, podem, no máximo, ter aprendido, quem sabe, soma e subtração. Como esse amigo diz, eles entraram na escola, mas a escola não entrou neles. Ou talvez entrou, mas era tão deficiente que não os formou. Deformou-os para o convívio social.
Os órgãos encarregados do trânsito — não sei se municipais ou estaduais — têm sua parte de culpa. A sinalização de trânsito é ruim e a má conservação das ruas não ajuda. Mas o pedaço maior da culpa vai para os mal educados. Esse pessoal é o mesmo que não respeita a faixa de pedestre, ignora o sinal luminoso, anda na contramão (“’é só um pedacinho”), ultrapassa os limites de velocidade, não usa o cinto de segurança, reclama das barreiras eletrônicas, não pára na placa de “pare” e, de modo geral, se acha o centro do mundo.
No entanto, é possível fazer cumprir a lei, disciplinar essas coisas. Basta querer, não dar bola para a suposta importância dos infratores, alguns dos quais são da turma do “sabe com quem está falando?”. Brasília e outras cidades conseguiram. Nós também conseguiremos, se quisermos. Queremos?

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