31 de março de 2002

Opiniões

Jornal O Estado do Maranhão
Alguns juízes dos tribunais superiores brasileiros deram ultimamente para emitir de público opiniões sobre os assuntos polêmicos de interesse da sociedade, discutidos através da mídia. É evidente ninguém ter a pretensão de que eles não devam ter opinião. Não se trata disso. Porém, ao agir dessa forma, eles podem, involuntariamente, dar a impressão de pré-julgarem ações que, eventualmente, possam ser levadas a sua apreciação.
Não sou advogado nem entendo em profundidade de leis, mas sempre ouvi meus amigos especialistas em direito enfatizarem a necessidade de um juiz só dar sua opinião nos autos do processo. Se não há, ainda, processo, recomenda a prudência um comportamento igual em situações tendentes a gerá-los. Em vista da inconstância das opiniões humanas, é uma atitude ajuizada, pois quem garante que a interpretação dada hoje, no calor do momento, sob o foco quente dos holofotes da mídia, sob a emoção enganosa de se ver sua opinião noticiada em cadeia nacional de televisão e em jornais de circulação em todo o país, será a mesma depois do conhecimento de todos os elementos do processo sob análise e da calma consideração de todos os aspectos em disputa?
Inconvenientes poderão surgir, a prevalecer essa atitude. Vamos supor que um juiz de um desses tribunais tenha emitido publicamente uma opinião coincidente com a de determinado grupo de interesses ou, pelo menos, com a dos órgãos ou entidades vistos pela sociedade como intérpretes desses interesses. O juiz ficará sujeito, mais tarde, à acusação de parcialidade na hipótese, nem um pouco remota de, deixando a magistratura, candidatar-se a algum cargo do Poder Legislativo, especialmente por partido político ligado a segmentos do eleitorado que defendam esse julgamento prévio.
Em verdade, não têm sido raros, neste ano eleitoral, convites de partidos a juízes, de tribunais superiores, em véspera de aposentadoria. Os convidados têm sido, coincidentemente, aqueles que têm se caracterizado por emitir opiniões, pela imprensa, sobre os mais variados temas de interesse nacional ou não. A desejada e indispensável imparcialidade do Poder Judiciário, fundamental para o funcionamento das instituições democráticas, fica, parece-me, prejudicada nesse caso.
Alguns estudiosos do assunto, entre eles o professor Joaquim Falcão, professor de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e da Fundação Getúlio Vargas – FGV, têm proposto o estabelecimento de uma quarentena de, por exemplo, dois anos, a fim de remediar a situação, evitando suspeitas de interesse eleitoreiros por parte daqueles magistrados. Mas, pergunto, por que não adotar uma outra medida, baseada na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que trata de matéria semelhante? Por ela, aos magistrados é vedado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”. Por que não estender o espírito da lei aos casos em que, embora não havendo processos pendentes de julgamento, o assunto tenha a possibilidade de chegar às cortes superiores, de acordo com critérios a serem definidos?
Reparem a referência da lei a manifestações “por qualquer meio de comunicação”. Isso não deixa dúvida sobre qual deva ser o comportamento adequado. A contrapartida a tal restrição e outras aos magistrados são as garantias, dadas pela Constituição de 1988, de inamovibilidade, isto é, de proibição de sua remoção, de irredutibilidade de vencimentos e de vitaliciedade, esta uma garantia de sua permanência no cargo ainda que suas decisões contrariem os interesses dos outros Poderes.
Acredito na sabedoria do próprio Judiciário em lidar com a situação, de tal forma que seu papel histórico fundamental, de contribuição para a consolidação da democracia brasileira, seja mais uma vez reafirmado perante a nação.

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