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Mostrando postagens de março, 2003

Dança de lobos

Jornal O Estado do Maranhão Cumprem-se uma vez mais a história e a natureza humanas com a segunda guerra dos Estados Unidos contra o Iraque. Se bem examinada, a trajetória de nossa espécie tem sido sempre essa, de dominação do fraco pelo forte, da imposição de vontades e interesses pelo uso ou pela ameaça do uso da força por nações e grupos de poder no interior das sociedades. O ideal de civilização perseguido pela humanidade há milhares de anos sempre foi e será o de controlar os instintos destrutivos compartilhados por nós com as outras espécies animais. Essa é a nossa missão civilizadora, lamentavelmente renegada atualmente. Não é a superioridade material, seja tecnológica, econômica ou militar, a medida do verdadeiro progresso, mas a vitória contra a violência e a busca permanente de poder. Este instinto, pois se trata de um instinto, algo inerente à natureza humana, foi muito bem percebido por Hobbes em 1642 no seu Sobre o cidadão . Ele o caracterizou como parte de um “estado nat

Sessão de cinema

Jornal O Estado do Maranhão Apagaram-se as luzes da sala de projeção do Cine Praia Grande, há quinze dias, para a projeção sobre nossa cidade da luz do I Festival Internacional de Cinema, clareando nosso panorama cultural entre 6 e 16 deste mês de março. Foi um acontecimento notável. Um empreendimento desse porte, com essa força de encantamento, com esse olhar universal, é obra necessariamente coletiva, produto de vontades em mostrar que estamos vivos, queremos viver, e de exibir a capacidade de continuar a tradição de nossa cultura, apesar da aridez de nosso tempo. Não aridez da nossa natureza, abençoada por generosas chuvas e refrescada por preguiçosas brisas que sopram na Ilha e dão na gente uma vontade danada de ficar a tarde inteira deitado na rede da varanda, olhando o nosso mar cor de chumbo de onde imensos navios partem levando minério de ferro para distantes terras. Falo da aridez de atitudes, típica de um eterno cruzar de braços e pernas de quem critica porque não produz nem

Mendes Pereira

Jornal O Estado do Maranhão Domingo passado fui ao velório de José da Costa Mendes Pereira, meu professor de economia agrícola, na época da ditadura e da repressão política, na antiga Faculdade de Economia. Esta funcionava na rua Afonso Pena, no segundo andar do prédio da Academia de Comércio do Maranhão, que ficava no térreo, quando não havíamos, ainda, copiado o modelo universitário americano, de obtenção créditos. No sistema de então, fazíamos a universidade em turmas únicas, em um período de quatro anos, no caso do curso de economia, o nosso. A bem dizer, precisávamos de quatro créditos, sendo cada um a aprovação ao final dos períodos letivos.  Formávamos grupos estáveis, como no ensino de segundo grau, pois convivíamos, no decorrer dessa quadra, com os mesmos colegas e professores. Todos se conheciam bem, na medida em que é possível conhecer-se bem o ser humano ou o que lhe vai na alma. Eu me lembro sempre da gentileza de Mendes Pereira com os alunos e com todos e, sobretudo, de

No carnaval

Jornal O Estado do Maranhão O Carnaval é ocasião para o diabo fazer das suas. É quando ele bota uma capa vermelha nova, dá uma solda e um polimento no tridente enferrujado, retoca a maquiagem infernal, treina compulsivamente aquela risada, digamos, diabólica, de filme de terror, dá uma abanadinha no fogo, para aquecer a sua vida solitária, e sai por aí espalhando todo tipo de tentação gostosa. Cuidado virgens, cuidado santos, não se enganem com aquelas conversas de “toma só um golinho”, “vamos ali depressinha”, “não se preocupe com isso agora”, “ninguém vai saber de nada, só nós dois” ou “claro, eu me caso com você”. É ele falando pela boca dos outros, com seus velhos e manjados truques que, mesmo sendo velhos e manjados, continuam enganando muita gente por esse mundo afora. Mas só as desejosas de serem enganadas. Ele age como os golpistas do conto do vigário do bilhete premiado, useiros e vezeiros em usar o tempo inteiro a mesma história, mas sempre encontrando alguém doidinho para s