28 de outubro de 2001

Desenvolvimento sustentável

Jornal O Estado do Maranhão
A consolidação e aceitação do conceito de desenvolvimento sustentável resultaram de discussões que, tendo início nos anos 60, tiveram dois marcos importantes, já em 1972, o estudo Limites do crescimento, do Clube de Roma, e a Conferência de Estocolmo.
Ambos destacaram as ameaças à vida em nosso planeta e a impossibilidade de as gerações futuras poderem contar com uma base de recursos naturais adequada a suas necessidades, caso o estilo de desenvolvimento predador da época não mudasse. Ainda na década dos setenta, os debates enfatizaram também as relações entre estruturas concentradoras de poder e degradação ambiental.
Em 1987, a Comissão das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – UNCED publicou um relatório, Nosso Futuro Comum. É desse documento a bem conhecida definição: "Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades".
Em 1992, foi realizada a Conferência da UNCED, conhecida como Rio-92. Para ter-se uma idéia do aumento do interesse pelo assunto, é suficiente dizer que, enquanto em Estocolmo estiveram presentes 114 nações, com 1.200 delegados e apenas dois chefes de Estado, ao Rio de Janeiro compareceram quase todos os países, 106 chefes de Estado e, aproximadamente, 35.000 participantes.
Era esperança de muitos que da Rio-92 resultasse uma declaração de princípios básicos para a proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento; a assinatura de convenções sobre biodiversidade, mudança climática, biotecnologia e florestas; um plano de ação para o desenvolvimento sustentável no século XXI, a Agenda 21, com os correspondentes acordos financeiros para sua implementação; a redefinição do papel das diversas agência das Nações Unidas, para adequá-las à idéia de desenvolvimento sustentável e um tratado sobre transferência de tecnologia. As expectativas foram, em grande parte, frustradas. No entanto, houve progressos. Um deles foi a criação da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável – UNCSD, encarregada da implementação da Agenda 21, com recursos administrados pelo Global Environmental Facility – GEF.
Vê-se que as discussões passaram por etapas delimitadas por importantes eventos. Na primeira delas, cresceu a insatisfação com as tentativas fracassadas de desenvolvimento industrial acelerado dos países pobres e com a ameaça de exaustão da natureza e seus recursos. Na seguinte, a atenção voltou-se para a necessidade de mudança na forma de acesso à terra e dos recursos naturais – e na própria estrutura de poder – como condição necessária, mas não suficiente, para o estabelecimento de um novo tipo de desenvolvimento. Na seqüência, foram aprofundados os debates sobre as relações entre economia, tecnologia e política e foi enfatizada a necessidade de adotar-se uma nova ética que levasse em consideração a eqüidade entre as pessoas da mesma geração e, do mesmo modo, entre as gerações. A idéia era evitar que a melhoria na qualidade de vida da geração atual fosse feita em detrimento do bem estar das gerações futuras.
O processo culminou com a aceitação ampla do novo conceito. As relações entre desenvolvimento e ambiente foram, enfim, incorporadas ao discurso de quase todos os governos, a partir da ECO-92. Admitia-se, dessa forma, que, sem preservação, qualquer desenvolvimento seria insustentável. Daí falar-se na necessidade de sustentabilidade. A Agenda 21 representa a aceitação desse conceito, materializada em programas de governo. Ela é um compromisso com o desenvolvimento no qual o ambiente tem um lugar especial, mas não exclusivo.
Em 2002, haverá um novo encontro, o Rio+10, para marcar os dez anos da realização da Rio-92. Será a hora de os países apresentarem os resultados de suas políticas para a implantação do desenvolvimento sustentável. Era para valer ou tratava-se de retórica, apenas? Veremos.

21 de outubro de 2001

Greve nas federais

Jornal O Estado do Maranhão 
O professor José Henrique Vilhena, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, em entrevista recente à Veja, afirma que “existe uma doença que ataca a graduação das universidades, o corporativismo”. Nasce daí um permanente estado de greve que impede a aprovação de qualquer proposta de mudança para melhorar o ensino, apesar do gasto da sociedade brasileira, de bilhões de reais por ano, com essas instituições.
 Agora, 440.000 de seus alunos estão ameaçados de perder o vestibular e um semestre de estudos, com prejuízo imediato de oportunidades de trabalho, por causa de uma greve de dois meses. Os grevistas pedem um aumento de 75% e a incorporação de gratificações aos vencimentos. No caso dos professores, a Gratificação por Estímulo à Docência – GED.
Sem levar em conta a curiosidade de pagar-se alguém para fazer algo para o que já é contratado, através de concurso público, pode-se ver a GED como parte de um sistema de estímulo à produtividade. Quem se esforçar e produzir mais, ganhará mais. A incorporação seria a eliminação de uma das possibilidades de avaliação do trabalho do docente, e teria impactos multiplicados na folha de pagamento.
Pedir 75% de aumento, no atual ambiente econômico-financeiro do país, é achar que o governo ainda conta com o imposto inflacionário para cobrir despesas extraordinárias, o que, felizmente, não ocorre mais. É acreditar na teoria conspiratória da história. Neste caso, ela afirma a existência de um plano do governo, de não dar aumento para os professores, para “sucatear” as universidades públicas, sob as ordens do FMI. Coisas do neoliberalismo e da globalização.
Tenho a impressão de que a verdadeira motivação para a posição dos grevistas quanto à GED é a recusa a qualquer sistema de avaliação. O mesmo ocorreu com o provão. Mas, como o governo não fechou os cursos de notas ruins, a resistência diminuiu. Avaliar defeitos, e também méritos, nos campi, é visto como autoritarismo. Isso em um ambiente no qual se critica descuidada e permanentemente e, portanto, avalia-se, tudo e todos, o tempo todo. Só não vale criticar esses críticos. Avaliação é ótima idéia, para os outros lá fora.
O reitor da UFRJ não falou sobre outra doença universitária, a democratite aguda, de fácil diagnóstico, mas difícil cura. Como o sufixo indica, essa enfermidade é uma inflamação da democracia, provocada por um agente patológico bastante conhecido, o aedis discursorum Brasilis. O sintoma principal é a criação de conselhos e a convocação de assembléias para tudo e para nada, de tal forma que todo mundo discute, finge participar e ninguém assume responsabilidade por coisa alguma, em um triste assembleísmo paralisante.
É parte dessa confusão o sistema de escolha dos reitores e seus auxiliares, por eleição direta, que muito mais prejuízos do que benefícios trouxe ao ensino. Na maioria das vezes, com as exceções de sempre, o eleito é o mais simpático, não cobra nem exige o cumprimento de obrigações, é “legal”, dá boas notas, tem habilidade política ou é do partido tal e tal. O prejudicial não é a politização, mas a partidarização.
No entanto, em instituições destinadas à produção de conhecimentos, o poder deveria estar com o saber. Suas regras de funcionamento não deveriam ser uma cópia daquelas da prática política tão severamente criticada pelo próprio mundo universitário. Os mecanismos de funcionamento da política não servem necessariamente para a vida acadêmica, como a realidade tem demonstrado.
Sem a busca de alternativas de financiamento para suas pesquisas, sem o pagamento do custo dos estudos por aqueles que podem pagar, para que os que não podem possam estudar de graça, sem uma reforma na administração, no ensino, na pesquisa e na mentalidade, as universidades federais não poderão melhorar os baixíssimos salários dos professores, dar uma boa formação aos alunos nem produzir os conhecimentos de que o país tanto necessita para melhorar a qualidade vida de seu povo.

14 de outubro de 2001

Um liberal

Jornal O Estado do Maranhão
É do cientista político Nicola Matteucci a afirmação de que as dificuldades de uma definição consensual do que seja liberalismo são de três ordens. A primeira está na história do liberalismo, de ligação estreita com a democracia. Isso torna difícil distinguir um da outra porque é exatamente o liberalismo o critério utilizado para distinguir a democracia de cunho liberal da não-liberal.
A segunda é que o liberalismo, nos diversos países, não apareceu simultaneamente. Na Inglaterra é um fenômeno do fim do século XVII. No resto da Europa, é do século XIX. Terceiro, as experiências liberais encontraram culturas e problemas políticos específicos que criaram diferentes perfis da doutrina em cada país. É por isso que ser liberal nos Estados Unidos é ser de esquerda. Aqui é ser de direita. No entanto, há algo constante nessas idéias.
O liberalismo lutou sempre por instituições representativas e por ampla autonomia econômica e cultural da sociedade civil. Na ética e na política, sustentou a defesa do indivíduo contra o poder opressor do Estado. Recentemente, não tem se preocupado apenas com as liberdades clássicas de reunião, imprensa, participação, mas também com o direito de ser livre da ignorância, medo, etc.
Essa é a essência da visão de um dos mais importantes intelectuais brasileiros do século XX, Roberto Campos, falecido na terça-feira passada. Diplomata, ministro, senador, deputado e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, ele foi não apenas um economista, mas um homem de vasta erudição, um teórico brilhante, um polemista de incisiva ironia e um homem de ação.
Era natural de Cuiabá.Quando a família transferiu-se para Guaxupé, em Minas Gerais, foi estudar em um seminário católico. A seguir, estudou Teologia em Belo Horizonte, mas não chegou a ordenar-se. Depois, em Batatais, São Paulo, ensinou Latim e Astronomia. Foi diplomata de carreira desde 1939. Tornou-se adido comercial da Embaixada do Brasil em Washington em 1942, quando estudou economia na Universidade George Washington. Em 1949, concluiu seu doutorado na Universidade Columbia.
Em 1951, passou a integrar a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico, durante o Governo Vargas. Ali, sob influência dele, foram elaborados os estudos que resultaram na criação do BNDE, órgão com importante papel nas políticas de apoio à substituição de importações e na modernização da indústria brasileira. Durante o Governo Kubitschek, influenciou na formulação da política econômica do governo, elaborando o Plano de Estabilização Monetária e esboçando o Plano de Metas. Foi para a presidência do BNDE em 1958. Durante o Governo Goulart foi embaixador nos Estados Unidos.
Ministro do Planejamento, de 1964 a 1967, do primeiro presidente militar, Castelo Branco, promoveu, junto com Gouveia de Bulhões, a reorganização das finanças públicas, com as reformas tributária, bancária e administrativa. Criou, ou ajudou a criar, nesse período, o Banco Central, o BNH e outras empresas estatais, do que, em parte, arrependeu-se depois.
Foi um defensor da privatização dos “dinossauros”, como ele dizia, estatais, do fim dos monopólios, da abertura da economia e da disciplina monetária. Combateu com brilhantismo a irracionalidade que, durante muito tempo, comandou a implantação de políticas econômicas no país. Essa mentalidade chegou ao apogeu em 1988, quando foi inserido na nova Constituição um dispositivo que limitava os juros da economia a 12% ao ano, com a renúncia ao uso de qualquer política monetária. Restos esquerdistas da ancestral moral judaico-cristã.
Ele viveu o suficiente para ver a maioria de suas idéias adotadas no Brasil. Se o país mudou e hoje está melhor do que em 1994, como acredito estar, é por causa, em boa parte, de sua incansável luta pela adoção de políticas econômicas racionais e pela rejeição de arrogantes irracionalismos ideológicos de pretensos monopolistas da sensibilidade social. No fim, a vitória foi dele, um liberal.

7 de outubro de 2001

Reformas

Jornal O Estado do Maranhão
Do total de 420 deputados federais brasileiros, 156, equivalentes a 30% da Câmara dos Deputados, mudaram de partido durante a atual legislatura iniciada em 1999. No Senado, “apenas” 16% seguiram esse edificante exemplo. Partidos cresceram ou diminuíram, subiram ou desceram, engordaram ou emagreceram, sem dar a mínima satisfação aos eleitores ou à opinião pública e sem mudar a orientação ideológica ou os programas partidários para justificar essa movimentação toda.
Houve um deputado que trocou sete vezes de partido. O ilustre representante do povo demorou longos 4 meses e 21 dias, em média, em cada um por onde passeou. Ele revelou o estranho desejo de mudar novamente, se alguém bater seu recorde, para recuperar o título de campeão.
Outro, mais comedido em seu ímpeto mudancista, tendo pulado de galho modestas seis vezes, alegou que variou tanto porque, como bom democrata, não suportava por muito tempo os colegas travestidos de manda-chuvas. Revoltava-se por não ser dele, homem de elevados e sólidos princípios e de tanto merecimento, o posto de chefe. O próprio relator de uma reforma eleitoral em tramitação no Congresso acaba de trocar de partido. Será uma indicação de como será seu relatório sobre a matéria?
O caso é de infidelidade. Contudo, a bem da justiça, não se pode deixar de mencionar uma virtude dos deputados ecléticos. Eles não escondem seus (de)feitos. Pelo menos no caso do troca-troca. Tanto que, orgulhosamente, anunciam aos quatro ventos, com cobertura da imprensa, a troca de time, quero dizer, de partido. Curioso é outros fazerem o oposto. Reúnem a imprensa, da mesma forma, não para anunciar, depois de muito suspense, o abandono do barco partidário, como haviam prometido, mas a decisão de não mais deixá-lo.
Acredito que a principal razão para essa anarquia está na legislação. Ela não só permite como até incentiva esse comportamento dos parlamentares. Mas, o Brasil necessita exatamente do inverso, um conjunto de normas para ajudar na consolidação nosso sistema político-partidário, de tal forma que se possa ter a estabilidade indispensável à solução de nossos problemas econômicos e sociais.
Uma reforma profunda nessa área é a mais importante a ser feita no país a curto prazo. Sem ela o Brasil continuará a pagar um preço muito alto pela demora e, muitas vezes, inviabilização de medidas que precisam ser adotadas com urgência em diversas áreas, mas não o são. Isso ocorre nos campos tributário e fiscal, apenas para ficar num exemplo de uma tentativa que se arrasta há anos, enquanto a competitividade de nossa economia continua a diminuir em comparação com a de outras.
A verdade é que nenhum governo, pelo menos desde a redemocratização de 1946, com exceção dos governos militares, conseguiu estabelecer maiorias duradouras e estáveis no Congresso Nacional que permitisse a implementação de diretrizes governamentais coerentes e duradouras.
Cada votação de medidas importantes para o país transforma-se numa batalha pela captura de votos de parlamentares sem compromisso com os programas de seus partidos e sem nenhuma disciplina ou fidelidade partidárias. O resultado tem sido um forte incentivo à política do “é dando que se recebe”, não no sentido cristão da expressão, mas no de troca de favores de forma pouco ética, o chamado fisiologismo.
 Após a estabilidade monetária duramente conquistada a partir de 1994, resta-nos, já com atraso, fazer as outras reformas necessárias ao país. A demora em fazê-las é evidência da necessidade de adaptação de nossos arranjos institucionais para tornar possível a implantação delas.
A fidelidade partidária, junto com eleições distritais, em um sistema parlamentarista, merece ser trazida novamente à discussão. O presidencialismo já foi testado durante mais de cem anos e mostrou não dispor dos mecanismos eficientes de amortização de crises, característicos do parlamentarismo. Esse é o caminho para a solução permanente das freqüentes crises vividas pelo Brasil.

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