23 de dezembro de 2007

O bom Papai Noel

Jornal O Estado do Maranhão

O Natal está conosco mais uma vez. A tradição milenar de comemorar o nascimento de um homem, Jesus Cristo, que nasceu há mais de dois mil anos numa pequena cidade do Oriente Médio e teve, e tem, tanta influência sobre milhões de pessoas, é uma das mais enraizadas de nossa cultura. Mesmo as pessoas sem religião, os ateus, os agnósticos e toda a gradação de homens e mulheres sem fé em seres superiores e intangíveis, ou em vida após a morte, ou melhor, em vida após a vida terrena, em reencarnação, vêem, como vejo, o Natal, como parte de suas melhores lembranças de crianças e de adultos com filhos e netos.
Embora mais recente ou menos antigo do que o Natal, pois vem de quase quatrocentos anos depois do nascimento de Cristo, Papai Noel – Pai Natal dos portugueses e Santa Claus (Saint Nicholas), Santa, tão-só, para as crianças americanas –, faz parte dessa tradição. Na minha imaginação de menino de classe média, que cresceu sonhando com presentes na grande data do ano, sua falta na época natalina equivaleria ao cancelamento do próprio Natal.
Não são poucos, no entanto, os cristãos contra Papai Noel, ficção tão real na mente de milhões de crianças, que importamos da Europa junto com nossa língua. Em 1958, um pastor de Copenhague, na Dinamarca, chamou-o de duende pagão, causando grande polêmica, depois de uma campanha de levantamento de fundos por uma organização de ajuda aos pobres, quando sua imagem foi utilizada com o fim de conseguir donativos. Muitos membros da Igreja Testemunhas de Jeová seguem linha semelhante. Não são do século XX, contudo, as primeiras objeções religiosas a ele. No século XVI, grupos protestantes o repeliam, assim como no século XVII os Puritanos da Nova Inglaterra, que o viam como símbolo pagão ou como imposição da Igreja Católica.
Muitos psicólogos não aprovam incutir-se nas crianças a crença em Papai Noel. Isso causaria grande frustração no momento da descoberta da verdade. Não direi ser bobagem essa opinião, já que sai da boca de profissionais da psicologia. É apenas exagero. Digo apenas isto. A descoberta pode ser, creio eu, e com freqüência é, um dos momentos de entrada simbólica no mundo adulto. Quando descobri que ele era em verdade meus pais, senti, sim, alguma frustração, mas logo passei a olhar meus irmãos mais novos com certa condescendência, porque eram simples crianças, crentes ainda em Papai Noel. Eu, orgulhoso, não. Se eu não passei então a gente grande, pelo menos comecei a compartilhar um grande segredo com os adultos.
Ouvem-se vez por outra críticas à comercialização de sua imagem, usada para aumentar as vendas de fim de ano. Não é de agora tal prática, porquanto desde o início do século XIX os americanos, sempre atentos a novas maneiras de ganhar dinheiro e engenhosos em gastá-lo, a tinham adotado. Incrementar vendas e, portanto, aumentar o número de empregos bem como a renda das pessoas não é uma ação típica de alguém como Santa? Afinal, não tem origem em boas ações sua justificada fama? Existirá procedimento mais meritório de ajudar as pessoas do que dar a elas a oportunidade de trabalhar? Querem impedi-lo de agir como um verdadeiro cristão e de entrar no reino universal de Deus? Por favor, incrédulos senhores, deixem o gordo e risonho velhinho em paz. Ninguém é tão cristão quanto ele nem tão perseverante, qual o Super Homem sem criptonita, em sua eterna luta pelo bem de nossas crianças.
Ele está aí há tanto tempo que não será fácil demiti-lo nem levá-lo a pedir demissão nem muito menos aposentá-lo por tempo de bons serviços nem convencê-lo a negar presentes perfeitos para as crianças. Se não for assim, como o avô poderá ver no rosto do neto Davi, o rei Davi, o sorriso de felicidade pelos presentes de Papai Noel?
Ave, bondoso e eterno Noel.

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