22 de agosto de 2004

Eterna juventude

Jornal O Estado do Maranhão 
 Tem gente que acha eleição, especialmente a municipal, a coisa mais chata e irritante do mundo e faria qualquer negócio para se livrar dela. O volume altíssimo nos altos falantes dos carros de som dos candidatos, as promessas não-cumpridas com a maior cara de pau, as trocas de partido, mal encerrada a votação, o analfabetismo de muitos, são de encher o saco do eleitor. Com razão, é bom dizer. Ninguém gosta de ser enganado, ou incomodado sem mais nem menos. Quanto mais por um pessoal acostumado a prometer o paraíso e entregar o inferno ou não entregar nada. A bem dizer, eles só entregam os adversários, com denúncias, dossiês e espionagem eletrônica. No fim, todo mundo acaba entregando todo mundo, mas não os mandatos, que, em princípio, não são dos eleitos, mas do povo.
Eu penso de outra forma. Se dependesse exclusivamente de mim, haveria eleição anualmente, ou até semestralmente. Exagero? O leitor já deve ter notado como, no aspecto físico, as cidades se tornam lugares menos ruins de viver durante as campanhas, exceto pelo ruído excessivo dos trios elétricos nas carreatas, que faria tremer as bases das pirâmides do Egito. A saúde, a educação, tudo parece melhor. Os hospitais e as escolas, nas peças publicitárias pelo menos, não têm defeitos nem filas. Ouço o leitor dizer que as dificuldades aumentam e os problemas pioram depois do pleito. Pode ser. Mas, todos concordarão num ponto. Se não fosse pela eleição não teríamos nem mesmo um pouco daquela maquiagem. Mas há algo melhor.
Quem nunca viu os rostos alegres e descontraídos dos potenciais prefeitos e vereadores a desfilar nas páginas dos jornais e nas telas da televisão? Nunca deixou de me impressionar neles este prodígio eleitoral-virtual. Pessoas antes consideradas indiscutíveis Matusaléns, do tempo do Big Bang, ou das tábuas de Moisés, de repente surgem de rosto tão liso, sem uma ruga sequer, que pensamos terem eles descoberto, enfim, a fonte da eterna juventude. A gente olha e não reconhece a cara do cara ou tem só uma vaga lembrança daquela face sorridente (os candidatos estão sempre sorrindo) e acaba por concluir que conhece o sujeito de algum lugar, quem sabe da eleição anterior.
Outro dia eu vi uma foto num cartaz, com um daqueles slogans embaixo, comuns nesta época, tais como “Honestidade e Incapacidade”, “Trabalho e Incompetência”, “Juventude e Cobiça”, “Renovação e Preguiça”. Parei por alguns segundos e não tive mais dúvidas. De tão parecido com o pai, só que mais jovem, aquele só podia ser o filho de um amigo, com quem eu não me encontrava havia muitos anos. Era o pai vinte ou trinta anos antes. Tive a impressão de ter visto a palavra filho depois do último nome no cartaz. Mas, vá entender os mistérios da mente! Por um mecanismo psicológico qualquer, eu havia acrescentado uma palavra onde não havia nenhuma. Era Silva e pronto. Eu li Silva Filho. Contudo, era o pai mesmo.
Fui pra casa pensativo, filosofando barato sobre o passar do tempo, ou o não passar para alguns. Então o meu amigo continuava tão jovem como antes! No dia seguinte – coincidência das coincidências –, dei de cara com o candidato. A surpresa foi maior ainda. Lá estava ele com um largo sorriso de Matusalém feliz. Eu pensava na foto, olhava pra ele e não acreditava na minha própria visão. Dei tratos à bola sobre a capacidade do computador de retocar fotografias.
O poder rejuvenesce, dizem. Não sei. Sei que os candidatos, a maioria sem nenhuma chance de alcançá-lo, rejuvenescem, virtualmente, por certo, mas rejuvenescem e sentem-se felizes durante algum tempo. Os vencedores, porém, são os únicos felizes duas vezes. Uma pela juventude virtual, na campanha, e outra pela juventude imaginária do poder, depois de eleitos.

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