22 de dezembro de 2013

Em benefício da cidade

Jornal O Estado do Maranhão

          Uma pessoa segue pela avenida dos Holandeses. Dirige seu automóvel enquanto fala ao celular. Então joga fora um papel de bombom. Se somente ela se comportar de modo semelhante, ninguém será prejudicado. A relação entre o número de acidentes provocados por quem dirige e ao mesmo tempo fala ao telefone e o número de veículos, ficará inalterada ou perto disso. O trânsito continuará tão seguro (ou inseguro) e a cidade tão limpa (ou suja) quanto no ano anterior.
          E se todos pensarem e agirem assim? Aí, não haverá sistemas de saúde emergencial e de coleta de lixo capazes de atender às novas demandas pelos serviços criados pela nova situação. O inofensivo, quando praticado por um cidadão apenas, não causará transtornos à população. Lembram-se da história de estacionar no meio da rua, bloqueando o trânsito, e dizer que a demora será pouca? É a mesma coisa. Se um, tão só, se comportar dessa forma, não haverá prejuízo. Se todos, porém, seguirem o mau exemplo, o trânsito não andará. É a falácia da composição: um comportamento individual, aparentemente sem potencial de causar problemas, poderá paralisar a comunidade, quando agregado simultaneamente a partir de cada um de seus membros.
          O princípio se aplica à ocupação irregular de áreas públicas. Uma só pessoa que as ocupe comete uma irregularidade. Se muitas fizerem o mesmo e não forem reprimidos pelas autoridades, então estaremos em presença de uma impossibilidade prática de funcionamento, pelo caos instituído. De ocupação em ocupação, chegaríamos à lei da selva, onde o mais forte e mais cara de pau prevalece.
          Tal a razão de eu ter escrito um texto chamado Ação Civilizatória, publicado no meu blog, em que eu fazia comentários elogiosos à ação do Ministério Público, por intermédio, em especial, de dois de seus promotores, Cláudio Cabral e Cláudio Guimarães, que, em parceria com o o Crea-MA, a Blitz Urbana, da Prefeitura de São Luís, o Corpo de Bombeiros, do Estado, e a Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação, promoveram correta e legalmente a demolição de construções irregulares em áreas públicas.
         Os atingidos pelas medidas receberam notificações diversas vezes, sem dar bola às advertências. Haverá sempre alguém, todavia, disposto a dar a sugestão de se fazer, antes de operações de natureza análoga à da realizada, “campanhas de conscientização”. Ora, se elas dessem resultados consistentes e permanentes, teríamos de acabar com as polícias por falta de trabalho. Bastaria promover uma dessas campanhas, em que se diria que ninguém deve roubar, furtar, matar, praticar estelionato, caixa dois de campanha, promover mensalão, e pronto. Os problemas desapareceriam. Mas nossas cidades não são habitadas pelos bons selvagens de Rousseau, um dos pais do totalitarismo moderno, que de tanto amar a humanidade abandonou os cinco filhos num orfanato. Amava a espécie humana e odiava o espécimen, como os esquerdistas e socialistas de hoje.
         O “estamos trabalhando”, como alguns alegaram, não justifica a transgressão. Se a lei for ruim (não é), ela deve ser, primeiro, modificada para algo como: “as áreas públicas podem ser invadidas por quem chegar na frente, etc.”, mas nunca descumprida.
         O Ministério Público e os outros órgão mostraram que é possível juntar duas esferas de governo e entidades privadas (o Crea) pelo bem estar dos cidadãos e pela civilidade entre eles. A esse respeito, menciono o fato de, em uma das situações encontradas, a de um bar que ameaçava um bem nacional tombado, houve a atuação paralela, mas de igual eficácia, de Katia Bogea. Ela, na qualidade de representante no Maranhão, do Iphan, órgão encarregado da proteção de bens desse tipo, informou ao Ministério Público Federal, autor de ação civil pública contra o estabelecimento, a intenção deste de promover um réveillon na proximidade da edificação, com potencial de aglomerar grande número de pessoas e danificá-la. O MPF foi à Justiça Federal que ampliou medida liminar anterior e aumentou a multa já arbitrada, evitando o provável dano. Todas são medidas acertadas em benefício da cidade.

13 de dezembro de 2013

Ação civilizatória

Ação civilizatória, assim se pode chamar a iniciativa do Ministério Público do Maranhão, por seus promotores José Cláudio Cabral Marques e Cláudio Guimarães, em parceria com o Crea-MA, a Blitz Urbana, da Prefeitura de São Luís, o Corpo de Bombeiros, do Estado, e a Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação. Vê-se, pelos órgãos e pessoas envolvidos, que se trata da conjugação de esforços do MP, das administrações estadual e municipal bem como de uma instituição de direito privado, o Crea-Ma, em favor de nossa cidade. Cercados, tapumes, paredes de madeira, toldos, placas e outros tipos de impedimento ao livre trânsito das pessoas em áreas públicas vêm sendo retirados ou demolidos desde ontem em São Luís. Donos de barracas ou quiosques irregulares sempre argumentam nessas ocasiões, quando são forçados a cumprir o que determinam as lei, regulamentos, normas e posturas municipais, que "estão trabalhando". Claro, estão trabalhando e, simultaneamente, transgredindo a lei. Se todos fizeram a mesma coisa, em 24 horas a cidade estará inabitável, e a lei do mais forte prevalecerá. Isso é ruim não apenas porque é ilegal, mas também porque é injusto com as pessoas menos dotados de meio para se estabelecer na marra numa situação em que prevalece a lei do mais intimidador, como seria o caso. A legislação é feita para regular a convivência das pessoas em sociedade, dar oportunidade igual a todos. Se ela é descumprida sistematicamente onde chegaremos? Se cada um faz o que bem quer, quem ganha com isso e quem perde? Ganha o mais forte e perde o mais fraco. Estou certo, conhecendo como conheço, principalmente, o padrão de comportamento dos promotores envolvidos nas ações, sem excluir, claro, o dos outros participantes, de que as operações não serão fogo de palha, serão duradouras. Sei também que é impossível resolver todos os problemas simultânea ou instantaneamente. Mas, aos poucos as coisas entrarão nos eixos e perderemos a fama de sermos uma cidade em que o proibido no papel não o é na prática.

Bombando na Ponta da Areia II


A boate "Two Towers" na Ponta da Areia continua bombando. A principal atração é a exibição explícita de "novo-riquismo": música ao vivo, alta, brega, cafona. Não há uma lei proibindo exibicionismo desse tipo? Não? Mas, devia haver.

Os caras adoram dar demonstração de que são ricos. Afinal, devem pensar, de que vale ter dinheiro se não posso me exibir para os vizinhos dos outros prédios? E toca a contratar banda disso, banda daquilo, bufet de fulana, de sicrana. Vai ver, quando for de manhã a turma tá cansada, baleada, derrubada, mas doida pra voltar a se exibir.


Bombando na Ponta da Areia


Continua bombando na Ponta da Areia a casa de shows "Two Towers", agora funcionando às sextas, sábados e domingos.

Música brega ao vivo é o que não falta lá. O que há de mais moderno na produção de poluição sonora está sempre presente.

As sessões vão do final da tarde (tem o ensaio antes, a tal "passagem do som") até o amanhecer do dia seguinte.

 Alguns frequentadores, para encerrar a noitada, saem dirigindo em zigue-zague, dando a impressão de terem tomado todas. Uma patrulha da polícia poderia ficar ali por perto para checar.

Venha ouvir com seus próprios ouvidos.

10 de dezembro de 2013

Cinismo moral


Vejam até que ponto chega o cinismo moral do governo do PT. Ligo a televisão e lá está o ministro do Esporte baixando o cacete na polícia de Santa Catarina por não ter prendido mais gente após os episódios de selvageria patrocinados pelas torcidas do Atlético Paranaense e o Vasco, na última rodada do campeonato brasileiro de futebol.

É claro que mais gente deveria estar na cadeia. Aliás, se fosse essa a atitude do governo federal nas badernas dos black blocs e assemelhados, de junho em diante, não teríamos visto neste segundo semestre do ano tanta destruição de bens públicos e privados no Brasil, tanta desordem, tanta ameaça à segurança da população e tanto transtorno às vidas dos cidadãos que só querem ganhar o pão de cada dia e voltar para casa no fim de sua jornada de trabalho. Houve dia em que multidão de 15 a 20 pessoas (não, não foi de 15 mil ou 20 mil) interrompeu o tráfego em uma das rodovias mais movimentadas do país, entre São Paulo e Belo Horizonte, porque alguém estava com a unha encravada.

Todo mundo sabe o que aconteceu então: tentativas de transferir responsabilidades, medidas demagógicas, palavras de compreensão para com os baderneiros apoiados pelo PT, PSTU e outros do tipo, acovardamento de muitos políticos, campanhas na rede a favor da esculhambação comandadas por blogs sustentados com dinheiro público, justificativas por pseudointelectuais da criminalidade travestida de ação política, e por aí vai. Antes a polícia era criminalizada por prender os bandidos a quem era dado o status de combatentes da liberdade; agora o é pelo inverso, por não prender o suficiente. Condenada pelo que faz e pelo que não faz.

Quem repetiu as declarações do ministro do Esporte, aquele que não sabe sequer se a bola do nosso futebol é redonda ou oval, foi, reparem bem, o ministro da Justiça. Isso mesmo, o ministro Cardozo, especialista em mandar fazer, por ordem superior, dossiês apócrifos contra adversários políticos, recebê-los das mãos de deputados do PT e encaminhá-los para apuração pela Polícia Federal, “cumprindo obrigação do cargo”. Se ele encaminha à polícia dossiês que não são assinados, não hesitará, tenho certeza, em encaminhar as acusações contidas em livro a ser lançado em poucos dias, do ex-secretário Nacional do Ministério da Justiça do governo Lula, Tuma Júnior, que se dispõe a ir ao Congresso se submeter a uma sabatina sobre suas denúncias sobre a deduragem por Lula de seus companheiros do movimento sindical, o assassinato do prefeioto Celso Daniel, a confecção de falsos dossiês e mais.

Por último, isto: Onde andará Capilé, aquele gigante moral e estelionatário, do Fora do Eixo, que durante algumas semanas, 
durante as “manifestações”, foi o herói dos intelectuais de miolo derretido?

8 de dezembro de 2013

O Consultor



Jornal O Estado do Maranhão

          Não sei a razão de tanta agitação com o anseio de trabalhar do apenado José Dirceu, num hotel de luxo de Brasília. Certo, ele já desistiu da ideia. Felizmente, todavia, a cooperativa de presidiários Sonho de Liberdade comunicou ao STF que oferece novo emprego a ele, por R$ 505,00 por mês. Aceitará? Perdeu-se, no entanto, no setor hoteleiro grande oportunidade de serem usadas em benefício da nação as habilidades de um trabalhador altamente qualificado. Afinal, o Zé tem experiência nesse ramo. Lembram-se de quando até políticos do PSDB corriam a outro hotel na mesma cidade para se consultar com o ex-líder estudantil dos anos 60? As visitas iam de dirigentes de grandes estatais a ministros, ávidos por sábios conselhos. A lista tinha peso em dois sentidos. Um derivava da importância política e econômica dos que nela figuravam e, o outro, das toneladas de quilos em excesso de muitos deles, senhores que prosperaram na vida honestamente, claro, em muito aumentando o patrimônio da família, e, junto com este, a circunferência de suas barrigas, com reflexos espetaculares na balança e na conta bancária de conceituados médicos.
          Lembremos os frequentadores do Dirceu enquanto ele atuava em hotéis (o que seria de mim sem o Google!): o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, os senadores Walter Pinheiro, Delcídio Amaral e Lindbergh Farias, do PT, Eduardo Braga, do PMDB, o então presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, os deputados Devanir Ribeiro e Cândido Vaccarezza, do PT, Eduardo Gomes, do PSDB, e, por fim, o ex-senador tucano Eduardo Siqueira Campos. Era um grupo ecumênico: PT, PMDB, PSDB e outros gatos escondidos com o rabo de fora.
          Esse pessoal chegava ao quartel-general, ajoelhava e rezava. E as fervorosas preces eram quase sempre atendidas. Afinal, tratava-se de alguém que, segundo suas próprias palavras, quando chamava alguém do governo, não estava tão só fazendo uma ligação telefônica. Estava disparando “a ligação”, apesar de na ocasião já estar em andamento no Supremo Tribunal Federal uma tal Ação Penal 470, por outro nome Mensalão. Qual maluco acreditaria na época que algum dos acusados, principalmente o consultor, seria condenado e estaria hoje no presídio da Papuda, em Brasília? Natural, assim, a romaria a seus aposentos.
          Essas credenciais do Zé me levaram a apoiar o desejo inicial dele. Não dizem que os condenados precisam de oportunidades de ressocialização? De ombros amigos e conforto da família? Pois no hotel pertencente a um amigo panamenho, por modéstia morador da periferia da Cidade do Panamá, ele teria tudo isso e mais, sem aquele atrapalho de só poder receber os clientes com dia da semana e hora marcados, com filas, revista dos visitantes, cheiro de povo e outras aporrinhações da vida de um penitenciário. O mais prático seria ficar no hotel mesmo. É mais confortável, o semipreso não precisa pedir licença para isso e aquilo a toda hora, principalmente ir ao banheiro. Não, com certeza, o Zé é feito de substância mais nobre e resistente. Sua vocação é outra.
          Por isso, agora, apoio agora da mesma forma a exigência do fanqueiro do povo brasileiro – esta palavra, fanqueiro, de delicioso sabor arcaico, entrou na língua por volta de 1538, e se refere não a funk, mas a fancaria, trabalho grosseiro, ordinário, mal-acabado, segundo o Houaiss) – apoio a exigência dele, eu dizia, de continuar a colocar matérias em seu blog a partir de sua cela.
          É fácil imaginá-lo postando textos e mais textos naquela sintaxe muito peculiar, gritando contra as injustiças que tem sofrido da mídia golpista, do tribunal de exceção, o STF, que tem oito ministros nomeados pelo seu partido, por banqueiros que não lucraram nada durante os governos do PT, por gente inconformada com as espetaculares taxas de crescimento da economia no governo Dilma e com o controle rigoroso da inflação.
         Mas o mais bonito, o verdadeiramente educativo seria acompanhar no blog os capítulos diários da nova novela das 8, “O Julgamento do STF”, escrita, estrelada e dirigida por... Zé Dirceu.

3 de dezembro de 2013

Sinais alarmantes

Publicado no Globo Online em 1/12/2013 às 9 horas



Fernando Henrique Cardoso

Finalmente fez-se justiça no caso do mensalão. Escrevo sem júbilo: é triste ver na cadeia gente que em outras épocas lutou com desprendimento. Estão presos ao lado de outros que se dedicaram a encher os bolsos ou a pagar suas campanhas à custa do dinheiro público. Mais melancólico ainda é ver pessoas que outrora se jogavam por ideais — mesmo que controversos — erguerem os punhos como se vivessem uma situação revolucionária, no mesmo instante em que juram fidelidade à Constituição. Onde está a Revolução? Gesticulam como se fossem Lenines que receberam dinheiro sujo, mas usaram-no para construir a “nova sociedade”. Nada disso: apenas ajudaram a cimentar um bloco de forças que vive da mercantilização da política e do uso do Estado para perpetuar-se no poder. De pouco serve a encenação farsesca, a não ser para confortar quem a faz e enganar a seus seguidores mais crédulos

Basta de tanto engodo. A condenação pelos crimes do mensalão se deu em plena vigência do Estado de Direito, em um momento no qual o Executivo é exercido pelo Partido dos Trabalhadores, cujo governo indicou a maioria dos ministros do Supremo. Não houve desrespeito às garantias legais dos réus e ao devido processo legal. Então por que a encenação? O significado é claro: eleições à vista. É preciso mentir, enganar-se e repetir o mantra. Não por acaso a direção do PT amplifica a encenação, e Lula diz que a melhor resposta à condenação dos mensaleiros é reeleger Dilma Rousseff... Tem sido sempre assim, desde a apropriação das políticas de proteção social até a ideia esdrúxula de que a estabilização da economia se deveu ao governo do PT. Esqueceram as palavras iradas que disseram contra o que hoje gabam e as múltiplas ações que moveram no Supremo para derrubar as medidas saneadoras. O que conta é a manutenção do poder.

Em toada semelhante, o mago do ilusionismo fez coro. Aliás, neste caso, quem sabe, um lapso verbal expressou sinceridade: estamos juntos, disse Lula. Assumiu meio de raspão sua fatia de responsabilidade, ao menos em relação a companheiros a quem deve muito. E ao país, o que dizer?

Reitero, escrevo tudo isso com melancolia, não só porque não me apraz ver gente na cadeia, embora reconheça a legalidade e a necessidade da decisão, mas principalmente porque tanto as ações que levaram a tão infeliz desfecho como a cortina de mentiras que alimenta a aura de heroicidade fazem parte de amplo processo de alienação que envolve a sociedade brasileira. São muitos os responsáveis por ela, não só os petistas. Poucos têm tido a compreensão do alcance destruidor dos procedimentos que permitem reproduzir o bloco de poder hegemônico; são menos numerosos ainda os que têm tido a coragem de gritar contra essas práticas. É enorme o arco de alianças políticas no Congresso cujos membros se beneficiam por pertencer à “base aliada” do governo. Calam-se diante do mensalão e demais transgressões, como se o "hegemonismo petista” que os mantém seja compatível com a democracia. Que dizer então da parte da elite empresarial que se ceva dos empréstimos públicos e emudece diante dos malfeitos do petismo e de seus acólitos? Ou da outrora combativa liderança sindical, hoje acomodada nas benesses do poder?

Nada há de novo no que escrevo. Muitos sabem que o rei está nu, e poucos bradam. Dai a descrença sobre a elite política reinante na opinião pública mais esclarecida. Quando alguém dá o nome aos bois, como, no caso, o ministro Joaquim Barbosa, que estruturou o processo e desnudou a corrupção, teme-se que, ao deixar a presidência do STF, a onda moralizante dê marcha a ré. É evidente, pois, a descrença nas instituições. A tal ponto que se crê mais nas pessoas, sem perceber que por esse caminho voltaremos aos salvadores da pátria. São sinais alarmantes.

Os seguidores do lulo-petismo, por serem crédulos, talvez sejam menos responsáveis pela situação a que chegamos do que os cínicos, os medrosos, os oportunistas, as elites interesseiras que fingem não ver o que está à vista de todos. Que dizer então das práticas políticas? Não dá mais! Estamos a ver as manobras preparatórias para mais uma campanha eleitoral sob o signo do embuste. A candidata oficial, pela posição que ocupa, tem cada ato multiplicado pelos meios de comunicação. Como o exercício do poder se confundiu, na prática, com a campanha eleitoral, entramos já em período de disputa. Disputa desigual, na qual só um lado fala, e as oposições, mesmo que berrem, não encontram eco. E sejamos francos: estamos berrando pouco.

É preciso dizer com coragem, simplicidade e de modo direto, como fizeram alguns ministros do Supremo, que a democracia não se compagina com a corrupção nem com as distorções que levam ao favorecimento dos amigos. Não estamos diante de um quadro eleitoral normal. A hegemonia de um partido que não consegue se deslindar de crenças salvacionistas e autoritárias, o acovardamento de outros e a impotência das oposições estão permitindo a montagem de um sistema de poder que, se duradouro, acarretará riscos de regressão irreversível. Escudado nos cofres públicos, o governo do PT abusa do crédito fácil que agrada não só aos consumidores, mas, em volume muito maior, aos audaciosos que montam suas estratégias empresariais nas facilidades dadas aos amigos do rei. A infiltração dos órgãos de Estado pela militância ávida e por oportunistas que querem se beneficiar do Estado distorce as práticas republicanas.

Tudo isso é arquissabido. Falta dar um basta aos desmandos, processo que, numa democracia, só tem um caminho: as urnas. É preciso desfazer na consciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de ilusões com que o lulo-petismo vendeu seu peixe. Com a palavra, as oposições e quem mais tenha consciência dos perigos que corremos.

24 de novembro de 2013

Gente Sensível

Jornal O Estado do Maranhão

          O Brasil é um país original. Aqui, todo mundo é esquerdista, caso único no mundo. O bobinho, ao falar com a imprensa, dar entrevista à televisão, escrever longos e obscuros artigos em jornaleco, revista ou blog financiado pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica ou Petrobrás (afinal, empresas estatais devem servir mesmo a esse fim, apoiar as ideias dos companheiros e difamar adversários políticos) tratará logo de deixar claro o quanto é sensível aos chamados problemas sociais. Reivindicará então o monopólio desse nobre sentimento. Pronto, é um esquerdista dos bons, politicamente correto. O galardão autoconcedido o deixa satisfeito: “Sou bacana, me importo com os pobres. Hoje vou dormir tranquilo como um justo”.
          Em seguida jogará em cima das consciências degeneradas dos “direitistas” a vergonhosa insensibilidade deles. Se o cara for contra a intromissão do Estado na vida privada dos cidadãos, a ponto dos governantes tentarem determinar o cardápio das crianças na escola, assim retirando dos pais decisão em princípio só deles, então é quase um candidato à morte por apedrejamento em praça pública por incorreção política.
          É a sensibilidade ultrassensível, vamos dizer assim, dessas figuras, que as leva e as levou a apoiar regimes promotores do assassinato de mais de uma centena de milhões de pessoas por trabalhos forçados, fome e doenças ou simples fuzilamento, enforcamento, envenenamento e câmara de gás (lembram-se do acordo entre a Alemanha de Hitler e a antiga União Soviética de Stálin, logo antes da Segunda Guerra Mundial, e de que o partido nazista era o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães?). E o apoio incondicional ao paraíso dos trabalhadores da Coreia do Norte, que tem a particularidade de ter sucessões governamentais de natureza dinástica, já em terceira geração? E a tragédia do Camboja, atualmente monarquia constitucional, mas que por um tempo, durante a Guerra do Vietnam, foi submetido a um regime socialista de brutalidade inimaginável e contra o qual jamais se ouviu um escasso e envergonhado comentário dos sensíveis? Lá, o governo endureceu contra o povo sin perder la ternura jamás. Os países submetidos a esse tipo de governo sempre foram numerosos. Todos, com exclusão de nenhum, todos foram apoiados pela sensibilidade socialista.
          E o Brasil dos tempos atuais? Ora, a mesma sensibilidade, neste caso com pretensão a justificar em nome do “povo” desvio de dinheiro público, tentativa de compra do Congresso e tudo o mais imaginável no terreno de falcatruas e ataques às instituições da democracia, em especial o Supremo Tribunal Federal. Este, tendo 9 de 11 ministros indicados pelo PT, fez, mesmo assim, um “julgamento de exceção”. Imaginem se a proporção fosse invertida: 2 pelo PT e 9 por outros partidos. Na cabecinha dos bons companheiros, todos os condenados já estariam fuzilados.
          Esse pessoal é tão sensível que se comove com a doença, grave certamente, de José Genoíno, ex-presidente do PT. Coitado, ele não sabia que estava assinando papeis de empréstimos destinados a encobrir o furto de recursos públicos. Só faltam dizer, da doença, que ela absolve de seus crimes o deputado. Doente, sim; inocente, não; nem mártir. Ele foi condenado em outra ação, AP-420, há pouco reenviada ao STF. Nunca antes na história deste país, se viu tanta arrogância em condenados, levando-os a se acharem no direito de julgar o STF. O raciocínio é este: se a causa é “boa” – a causa de se perpetuar no poder –, então todos os meios valem inclusive e principalmente os ilegais.
          A bancada da Papuda, penitenciária do Distrito Federal onde estão os mensaleiros, tem permissão de receber visitas de seus familiares e companheiros, no bom sentido, claro, quando bem entenderem, ao contrário dos parentes dos outros presos, que têm dia, uma vez por semana, e hora de recebê-los e são partes do mesmo povo em nome do qual os presidiários agiam em benefício próprio e do partido. É muita sensibilidade. Mas, finalmente o PT descobriu, surpreso, nas penitenciárias lugares, assim, um pouco desconfortáveis

10 de novembro de 2013

Porta de Escola


Jornal O Estado do Maranhão
          
          Há um problema sério de saúde pública, com características de epidemia. Por onde se anda, encontram-se exemplos fartos dessa realidade. Basta olhar em redor por alguns minutos e você, caro leitor, poderá ver que a coisa é séria, muito séria e requer ação e solução imediatas das autoridades da saúde, as municipais bem como as estaduais e federais. Só um esforço conjunto poderá evitar o descontrole da situação e livrar a população do agravamento de seus achaques. É um acontecimento inusitado, silencioso, mas evidente aos olhos de todos dispostos a ver. Sinto-me na obrigação de fazer este alerta porque, afinal, todos nós estamos em perigo e não sei se, contraída a enfermidade, haveria esperança de cura. Até a medicina praticada em São Paulo não poderá ajudar-nos, apesar da boa vontade dos médicos de lá.
           Se, incrédulo leitor, você achar exageradas minhas palavras posso lhe dar a custo zero uma sugestão simples de ser seguida. Vá à porta de uma escola do ensino fundamental. Qualquer uma, feche os olhos e faça uma escolha aleatória, ou peça a alguém escolher por você. Melhor, ainda, aproveite a hora de apanhar seu filho na dele. Chegue um pouco mais cedo, procure um lugar abrigado do forte sol deste época do ano e observe com atenção. Haverá com certeza duas ou mais vagas para o estacionamento de veículos pertencentes aos pais idosos ou com dificuldade de movimentos. Elas serão os elementos fundamentais para a identificação do problema. Se você, como eu, não têm boa memória, leve alguma coisa em que possa anotar a contagem a ser feita.
          Você notará em pouco tempo um fenômeno interessante: aquelas vagas nunca ficam desocupadas. É um entra e sai danado. No começo, os pais, dando exemplos aos filhos, nelas estacionam, mas não saltam do carro. Ficam ali olhando pelos cantos dos olhos, para um lado e o outro, como se estivessem com medo de assaltos. Nos tempos atuais, temor perfeitamente justificado, notadamente vindo de alguém com dificuldade de fugir rapidamente. Passando o tempo, mais confiantes, descem sem dificuldade aparente de andar, com modos juvenil, entram na escola, batem um papinho com os pais dos amiguinhos de seus queridos miúdos e voltam em, vamos dizer, rápidos dez a quinze minutos e, pronto, vão embora e dão a vaga a outros.
          Digo “sem dificuldade aparente” imaginando o esforço oculto daqueles andares. Mas a verdade é esta: por dentro, oculto o sacrifício por força de vontade insuperável, o sujeito está a ponto de pedir socorro, dizer que não aguenta mais pisar como se não tivesse nada, tendo tudo: dor nas juntas, na coluna e todas as outras imagináveis. No entanto, ao se olhar aquelas figuras lépidas e leves estacionadas em lugar aparentemente errado corre-se o risco de fazer um julgamento injusto. Quem for ansioso em fazer julgamentos definitivos sem conceder o direito a embargos infringentes e não analisar todas as circunstâncias, cometerá grande injustiça ao pensar naquelas pessoas como desrespeitadoras das regras do trânsito e da boa convivência. Eles podem miar como gato, ter rabo de gato, correr e pular como gato, mas não são gatos. Ou gatas. Ou seja, embora pareçam em perfeita forma física, são, sim, idosos que não gostam de dar o braço a torcer, disfarçados de jovens. Não vá passar uma sentença injusta, caro leitor, apenas pela aparência.
          Em pouco tempo (anotou, leitor, quantos idosos já estacionaram nas vagas?) você irá perceber o fato evidente: o negócio é de preocupar. Afinal, em todas as escolas, em todos os horários, todos os dias, a toda hora é uma multidão com aquela aparência estacionando seus veículos naqueles espaços especiais. Tanta gente com dificuldade de locomoção que só pode ser uma epidemia. De onde se pode concluir que os serviços de saúde por aqui não estão cuidando devidamente dos cidadãos. Se estivessem, mesmo os mais velhos, atléticos como seriam, nem sequer precisariam daquelas vagas e não as usariam. Ou a conclusão pode ser inversa: eles são tratados com tanta eficiência que parecem jovens demais, quando em verdade são bastante idosos.

7 de novembro de 2013

O Socialismo do Século XXI: Maduro decreta "Dia da Lealdade e Amor a Chávez"

Há um maluco na Venezuela, construindo o socialismo do século XXI, mas ninguém consegue convencê-los de suas maluquices. Aliás, maluco não é ele, é o socialismo de qualquer século. Parece coisa dos socialistas da Coreia do Norte.

31 de outubro de 2013

O que Lula acha de verdade do Bolsa Família

30/10/2013
às 19:54

Lula, o Bolsa Família, os detalhes de uma farsa e uma falha escandalosa da imprensa

Já expus a questão aqui algumas vezes. Mas que se volte ao ponto, ué, se isso se mostra necessário. O governo Dilma promoveu nesta quarta uma cerimônia de comemoração dos 10 anos do “Bolsa Família”. Em si, já se trata de uma fraude. As práticas reunidas sob a rubrica “Bolsa Família” estavam em curso no governo FHC. O que o petismo fez foi reuni-las, o que, no caso, foi uma boa medida. Mas não criou nada. O convidado de honra do evento foi Lula. Falou, como de hábito, pelos cotovelos. Disse que são preconceituosos os que afirmam que os pobres recorrem ao Bolsa Família porque não querem trabalhar. Mas esperem aí: quem acha? Quase ninguém, que se saiba!
Afirmou o ex-presidente:
“O que essa crítica denota é uma visão extremamente preconceituosa no nosso país. Significa dizer que a pessoa é pobre por indolência, e não porque nunca teve uma chance real em nossa sociedade. É tentar transmitir para o pobre a responsabilidade pelo abismo social criado pelos que sempre estiveram no poder em nosso país”.
Que coisa! Já demonstrei aqui dezenas de vezes que o primeiro a dizer que os programas de bolsas deixavam os pobres vagabundos foi Lula. E o fez de maneira explícita, arreganhada. No vídeo abaixo, ele aparece em dois momentos: exaltando o Bolsa Família, já presidente da República, e no ano 2000, quando chamava os programas de assistência direta (como o Bolsa Família) de esmola. Vejam.
Pobre vagabundo
Mas foi bem mais explícito. Nos primeiros meses como presidente, Lula era contra os programas de bolsa que herdou de FHC. Ele queria era assistencialismo na veia mesmo, distribuir comida, com o seu programa “Fome Zero”, uma ideia publicitária de Duda Mendonça, que ele transformou em diretriz de governo. Deu errado. O Fome Zero nunca chegou a existir.
demonstrei isso aqui. No dia 9 de abril de 2003, com o Fome Zero empacado, Lula fez um discurso no semiárido nordestino, na presença de Ciro Gomes, em que disse com todas as letras que acreditava que os programas que geraram o Bolsa Família levavam os assistidos à vagabundagem. Querem ler? Pois não!
Eu, um dia desses, Ciro [Gomes, ministro da Integração Nacional], estava em Cabedelo, na Paraíba, e tinha um encontro com os trabalhadores rurais, Manoel Serra [presidente da Contag - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], e um deles falava assim para mim: “Lula, sabe o que está acontecendo aqui, na nossa região? O povo está acostumado a receber muita coisa de favor. Antigamente, quando chovia, o povo logo corria para plantar o seu feijão, o seu milho, a sua macaxeira, porque ele sabia que ia colher, alguns meses depois. E, agora, tem gente que já não quer mais isso porque fica esperando o ‘vale-isso’, o ‘vale-aquilo’, as coisas que o Governo criou para dar para as pessoas.” Acho que isso não contribui com as reformas estruturais que o Brasil precisa ter para que as pessoas possam viver condignamente, às custas do seu trabalho. Eu sempre disse que não há nada mais digno para um homem e para uma mulher do que levantar de manhã, trabalhar e, no final do mês ou no final da colheita, poder comer às custas do seu trabalho, às custas daquilo que produziu, às custas daquilo que plantou. Isso é o que dá dignidade. Isso é o que faz as pessoas andarem de cabeça erguida. Isso é o que faz as pessoas aprenderem a escolher melhor quem é seu candidato a vereador, a prefeito, a deputado, a senador, a governador, a presidente da República. Isso é o que motiva as pessoas a quererem aprender um pouco mais.
Notaram a verdade de suas palavras? A convicção profunda? Então…
No dia 27 de fevereiro de 2003, Lula já tinha mudado o nome do programa Bolsa Renda, que dava R$ 60 ao assistido, para “Cartão Alimentação”. Vocês devem se lembrar da confusão que o assunto gerou: o cartão serviria só para comprar alimentos?; seria permitido ou não comprar cachaça com ele?; o beneficiado teria de retirar tudo em espécie ou poderia pegar o dinheiro e fazer o que bem entendesse?
A questão se arrastou por meses. O tal programa Fome Zero, coitado!, não saía do papel. Capa de uma edição da revista Primeira Leitura da época: “O Fome Zero não existe”. A imprensa petista chiou pra chuchu.
No dia 20 de outubro, aquele mesmo Lula que acreditava que os programas de renda do governo FHC geravam vagabundos, que não queriam mais plantar macaxeira, fez o quê? Editou uma Medida Provisória e criou o Bolsa Família? E o que era o Bolsa Família? A reunião de todos os programas que ele atacara em um só. Assaltava o cofre dos programas alheios, afirmando ter descoberto a pólvora. O texto da MP não deixa a menor dúvida: (…) programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação – “Bolsa Escola”, instituído pela Lei n.° 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA, criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde – “Bolsa Alimentação”, instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.
Compreenderam? Bastaram sete meses para que o programa que impedia o trabalhador de fazer a sua rocinha virasse a salvação da lavoura de Lula. E os assistidos passariam a receber dinheiro vivo. Contrapartidas: que as crianças frequentassem a escola, como já exigia o Bolsa Escola, e que fossem vacinadas, como já exigia o Bolsa Alimentação, que cobrava também que as gestantes fizessem o pré-natal! Esse programa era do Ministério da Saúde e foi implementado por Serra.
E qual passou a ser, então, o discurso de Lula?
Ora, ele passou a atacar aqueles que diziam que programas de renda acomodavam os plantadores de macaxeira, tornando-os vagabundos, como se aquele não fosse rigorosamente o seu próprio discurso, conforme se vê no vídeo.
A imprensa Notem: o que vai acima não é uma invenção minha. Lula efetivamente achava que políticas assistenciais viciavam os pobres e corrompiam suas respectivas consciências. Lula efetivamente achava que os programas que resultaram no Bolsa Família desestimulavam a plantação de macaxeira… Se alguém achava que um assistido pelo benefício se tornava vagabundo, esse alguém era… Lula!
Não obstante, ele é convidado para o aniversário do programa, faz proselitismo da pior espécie e é poupado de seu próprio passado e de suas próprias palavras.
Por Reinaldo Azevedo

28 de outubro de 2013

Por que o retorno ao mundo natural tem tanto apelo – mas não leva a lugar nenhum, por Eurípedes Alcântara

Ensaio desta semana Em Veja.com

Por que será que agora, no auge da civilização tecnológica, se valoriza tanto a ideia de abandonar tudo e voltar ao mundo natural? Antes de tentarmos o mergulho no atraso, é bom lembrar que não tem volta

Eurípedes Alcântara
BOM PRA QUEM, CARA PÁLIDA? Na raiz de todo ativismo violento está a noção utópica e errônea de que Thomas Hobbes pensou errado e, portanto, a vida selvagem é idílica, prazerosa e fraternal

BOM PRA QUEM, CARA PÁLIDA? Na raiz de todo ativismo violento está a noção utópica e errônea de que Thomas Hobbes pensou errado e, portanto, a vida selvagem é idílica, prazerosa e fraternal  (Deagostini/Getty Images)
"Sou homem. Nada do que é humano me é estranho", já dizia o romano Terêncio, dramaturgo de apenas relativo sucesso do segundo século antes de Cristo. Mas temos de concordar com ele. Eta espécie complicada esta nossa. Depois de ralar durante milênios para construir uma civilização tecnológica com aviões, carros, internet, vacinas, antibióticos e anestesia, o bacana agora é lutar pela volta ao mundo natural. Depois de experimentar toda a sordidez da servidão humana aos mais sanguinários tiranos e de sofrer no lombo os mais odiosos arranjos coletivistas totalitários, ainda temos entre nós quem se encante com aiatolás-presidentes, mulás-chefes de po­lícia e caudilhos latino-americanos cobertos de adereços indígenas, medalhas no peito ou pancake no rosto. Depois de rios de sangue derramados para arrancar dos poderosos o compromisso inarredável com os direitos humanos, a justiça igualitária, o rodízio pacífico de poder, a organização econômica baseada no respeito à propriedade, aceitamos que mascarados aterrorizem as grandes cidades quebrando e queimando indiscriminadamente apenas porque estão incomodados com o estilo de vida da maioria. Depois do sacrifício dos mártires que deram a vida para impor o uso apenas legítimo da força pelos governantes, impedindo que o Estado use brucutus para impor a vontade dos ricos sobre os pobres, dos fortes sobre os fracos, ficamos contra os policiais que tentam impedir o triunfo do reino de terror nas ruas. Depois de tudo isso, esquecemos que o que nos trouxe ao atual estágio civilizatório foi o trabalho obstinado e austero de mentes brilhantes em ambientes monásticos e idolatramos os barulhentos ativistas.
Nelson Antoine/AP

A ÚNICA CHANCE de salvar os cães é nos salvar, ou seja, acelerar os avanços científicos e tecnológicos, e não colocar obstáculos intransponíveis a eles
​Esse é o dilema oculto do ativista, a pessoa que se cansou de esperar que as coisas ocorram naturalmente da maneira como ela imagina, e vai à luta para tentar embicar o mundo para o rumo que ela acha certo e com o uso das armas que ela própria acha conveniente usar. Os ativistas que libertam cães em São Paulo, que quebram vitrines em Londres e Paris, que se propõem a ocupar Wall Street, em Nova York, têm em comum a ideia de que a lei e a ordem existem apenas para garantir o modo de vida das pessoas das quais eles discordam - ou, frequentemente, que eles odeiam. Outro ponto comum, em geral inconsciente, para a maioria deles, é a negação do que em sociologia se chama "contrato social", que nada mais é do que a aceitação da tese de que sua liberdade termina onde começa a do outro. Os filósofos da baderna sustentam que isso que denominamos civilização não passa de uma grande e castrante prisão, à qual somos moldados desde o nascimento, primeiro pelo amor materno e paterno, depois pela educação formal, mais tarde pela democracia representativa, pelo consumo, pela arte degenerada e pelos remédios antidepressivos.
Para quem pensa assim, nós todos vivemos uma vida vicária, uma vida substituta, uma vida no lugar da verdadeira vida que está... que está... que está onde? Ora, na natureza, no mundo selvagem, nas selvas, florestas e savanas, na cova dos leões onde seremos recebidos com lambidas fraternas como aquelas que as feras ofereceram ao profeta Daniel. O que muito se discute atualmente é se a ideia de que o homem solto na natureza, fora do alcance das leis, das instituições, completamente alheio às convenções sociais, estaria mesmo condenado à perversão moral e ao sofrimento físico, vítima da "guerra de todos contra todos", como o inglês Thomas Hobbes disse ser a vida humana "em estado natural". É disso que se trata. A vontade de ser seu próprio juiz, único e absoluto, do que é certo ou errado é o traço filosófico que une os ativistas que desprezam as leis, que lutam contra moinhos de vento ditatoriais em pleno regime democrático, contra as injustiças sociais em um Brasil onde há pleno emprego, contra a violência policial quando são eles que mais agridem e vandalizam. Thomas Hobbes escreveu que, fora dos arranjos sociais em que as pessoas obedecem a regras em troca do direito à convivência em sociedade, a vida do homem é "solitária, pobre, sórdida, brutal e curta". Hoje, o bacana é apostar que Hobbes pensou errado e que a verdadeira conquista é escapar dos contratos sociais. O preço a pagar para testar aquela hipótese é muito alto. Como é impagável também o preço de um mundo sem ativismo, sem idealismo, sem sonhos.
Biblioteca Nacional

A REVOLTA DA VACINA - No Rio Janeiro, em 1904, o medo da vacinação obrigatória contra a varíola gerou protestos violentos, como este na Praça da República
​O engajamento solidário em causas consideradas justas é uma das grandes conquistas da modernidade. Divisor de águas é o caso do jovem capitão Alfred Dreyfus, judeu falsamente acusado de espionagem e condenado no fim do século XIX em uma França antissemita. A injustiça contra ele foi tão flagrante que se mobilizaram em sua defesa cientistas, artistas, escritores e estudantes . "Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. Minhas noites seriam atormentadas pelo espectro do inocente que paga, na mais horrível das torturas, por um crime que ele não cometeu", dizia a famosa carta aberta ao presidente da República escrita por Émile Zola em um jornal sob o título: "Eu Acuso...!". Por serem homens de letras e de ciências, os defensores de Dreyfus eram chamados de modo depreciativo de "intelectuais". Logo o termo ganhou a conotação positiva de "sábio engajado". Claro que havia idealismo, sacrifício e nobreza de espírito antes do caso Dreyfus, mas nunca antes tantas pessoas haviam se mobilizado por uma causa sem que tivessem interesse direto nela - seja partidário, religioso, nacionalista, patriótico ou étnico. Elas se mobilizaram contra uma injustiça flagrante. Contra isso sempre valerá a pena lutar.

27 de outubro de 2013

Quem paga o pato?

Jornal O Estado do Maranhão

          Está em discussão no Congresso Nacional o chamado Marco Civil da Internet. Uma das ideias que ameaçam prosperar está consubstanciada em proposta do governo de obrigar as empresas de Internet a estabelecer no Brasil, seja de onde forem, seus data centers, centros de dados. A ser assim – espero não prevalecer a intenção –, Facebook, Google, Apple e outras grandes provedoras de serviços na grande rede teriam a obrigação de arquivar em nosso território os dados de suas operações brasileiras a custos muito altos se comparados com aqueles dos lugares onde elas hospedam presentemente as informações necessárias ao atendimento dos seus usuários. Não há dificuldades, do ponto de vista técnico, em assim proceder. Mas, de outra perspectiva, a econômica, é uma irracionalidade.
          Os custos da mão de obra no Brasil são altos, não pelo valor do salário recebido pelo trabalhador, mas pela elevada carga de tributos incidente sobre a folha de pagamento das empresas. Aliás, a remuneração é em grande parte dependente da produtividade, sendo menor a dos trabalhadores brasileiros, mesmo em atividades de ponta, do que aquela dos da maioria de países mais avançados tecnologicamente. Os custos da mão de obra, portanto, encareceriam os custos totais aqui, em muitos casos, levando aquelas corporações a cobrar por serviços antes fornecidos de graça ou a aumentar o preço pelos quais elas já cobram hoje. Perderíamos nós, é óbvio.
          Mas a dificuldade não é tão só econômica. Se o intento é evitar a espionagem, então a medida será inócua. Os Estados Unidos, motivo da proposição, encontram-se na vanguarda do desenvolvimento tecnológico mundial. Veja-se como bilhões de dólares são transferidos diariamente de um país a outro com simples toques em algumas teclas ou cliques num mouse. A segurança dessas operações de nenhum modo depende do local de armazenamento das informações relativas a elas, mas unicamente da tecnologia utilizada. Esta, como empregada pelo sistema financeiro nessas transferências foi desenvolvida nos Estados Unidos, que estão em posição de transferi-la apenas parcialmente a terceiros, conservando com eles mesmos aquilo que percebem como de interesse estratégico. Guardar digitalmente dados de brasileiros dentro de nossas fronteiras tem a mesma segurança, ou insegurança, de fazê-lo em qualquer outro país. Estocados em formato digital, eles estão sujeitos a quebra, sejam e-mails, conversas telefônicas ou torpedos, mesmo criptografados. Ou alguém acredita no nosso domínio de tecnologia própria capaz de evitar em percentagem decente espionagem internacional? Os telefonemas de Dilma nunca estarão a salvo dos americanos.
          As ideias propostas para a Internet, com vieses estatizante e antimercado, típicas do governo do PT, contaminadas pelo desejo de tudo controlar – a imprensa, o Congresso (com o Mensalão), o Judiciário (com o aparelhamento do STF), a Internet e tudo o mais –, têm afugentado e continuarão a afugentar capitais externos de risco potencialmente disponíveis à nossa economia. Lembremos o caso recentíssimo leilão de área de exploração do petróleo do pré-sal, do qual as grandes petroleiras do setor em escala global, detentoras de tecnologia avançada, ficaram de fora, por não concordarem com imposições descabidas ao setor privado pelo governo, entre elas a da semiestatal Petrobrás como a operadora única da exploração e participante com pelo 30% dos investimentos. A empresa não tem recursos para tanto. Na tentativa de gerá-los, ninguém deve se surpreender com mais um golpe no bolso do cidadão, via aumento da gasolina. Esses episódios acontecem no momento em que as perspectivas de exploração do petróleo de xisto são boas, pois as reservas são também imensas, mas sua exploração tem custos baixos em comparação com o petróleo de outras fontes, em especial do pré-sal.
         Na Internet ou no petróleo, a tentativa ilegítima de controlar está sempre presente no governo. O diabo é que o Tesouro Nacional sempre paga o pato. Significa dizer nós, de novo, com oaumento da já imensa carga tributária.

24 de outubro de 2013

‘Os ex-censurados que agora querem censurar’, de José Nêumanne



23/10/2013
às 16:16 \ Feira Livre

Publicado no Estadão desta quarta-feira
JOSÉ NÊUMANNE

“As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam.” O verso de Sérgio Natureza, musicado por Tunai, fez sucesso na voz de Elis Regina, reconhecida como a maior cantora brasileira de todos os tempos, mas, ainda assim, controvertida. Agora a frase virou uma profecia confirmada. A personalidade da estrela era tão forte e polêmica que quando se casou com Ronaldo Bôscoli o irreverente Carlos Imperial ironizou: “Bem feito pros dois”. Desse casamento nasceu João Marcello, que adotou uma posição definida e lúcida contra a censura prévia que ídolos da Música Popular Brasileira (MPB) querem impor ao submeterem as próprias biografias ao crivo deles. Como os irmãos Maria Rita e Pedro, João Marcello jamais criou obstáculos à publicação de biografias da mãe por saber que fazê-lo seria trair sua melhor herança: o amor à liberdade.
Já Chico Buarque de Holanda é uma unanimidade nacional, como definiu Millôr Fernandes. Mas o símbolo da luta contra a censura na ditadura militar aderiu ao movimento Procure Saber, que luta para manter o dispositivo adicionado ao Código Civil em 2002 que submete biografias à prévia autorização de biografados ou herdeiros. Em artigo no Globo, ele acusou o autor da biografia de Roberto Carlos, proibida a pedido deste, Paulo César de Araújo, de ter usado depoimento que ele não teria dado sobre o biografado. Depois da divulgação da conversa dos dois na internet, desculpou-se, mas voltou a mentir, ao inventar que o Última Hora paulista prestara serviços a “esquadrões da morte”. Tal mancha na história do jornal é tão fictícia quanto o Pedro Pedreiro da canção do acusador. Nos anos 70, o diário teve entre seus colunistas o mais censurado dramaturgo do Brasil à época, Plínio Marcos, e chegou a ser dirigido por seu fundador, Samuel Wainer. E o filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil, como lembrou a irmã Ana, ainda cuspiu na memória do pai.
Provado que as aparências enganam, convém acrescentar que ninguém deve julgar por elas. Por exemplo, o movimento liderado por Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso, não deveria chamar-se Procure Saber, mas, sim, Não queira nem saber. E ao contrário do que asseguram seus protagonistas – Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Marília Pêra e outros – não luta por uma garantia legal, já assegurada em nosso Estado Democrático de Direito a qualquer cidadão: o direito à privacidade. Mas por um privilégio a ser gozado apenas pelas celebridades: o direito de furar a longa fila de quem recorre à nossa Justiça, que não é cega, mas de uma morosidade que beira a paralisia.
A manutenção do artigo que submete a publicação de biografias à autorização de biografados ou seus herdeiros viola o princípio democrático basilar do direito à liberdade de informação, expressão e opinião. E sua extinção não interferirá na legislação que já protege a reputação dos cidadãos e estabelece penas e multas a quem divulgue mentiras, calúnias, injúrias ou difamações contra alguém. A supressão do artigo que destoa das instituições democráticas vigentes, pois, não porá em risco a reputação de ninguém. Apenas negará aos famosos o privilégio de proibirem a publicação de livros sobre sua vida que registrem alguma informação que não queiram que seja divulgada.
O patrono dos “neocensores”, Roberto Carlos, quer manter em segredo o acidente ferroviário que lhe decepou a perna, bastante conhecido, como antes proibiu regravações de Quero que Vá Tudo pro Inferno. Mas nem o espírito de censor, adicionado às manias de seu transtorno obsessivo compulsivo (TOC), como o de não cumprimentar quem vista roupa marrom, explica o fato de ele ter vetado a publicação de tese sobre a moda na Jovem Guarda, que considera parte de seu patrimônio pessoal.
A fortuna de Roberto e Erasmo Carlos foi construída mercê da fama obtida pela imensa receptividade do público pagante a sua obra musical. Nada mais justo! Só que celebridade exige a contrapartida da curiosidade da plateia, assim como a vida pública dos dirigentes da República cerceia algumas comodidades de que os cidadãos anônimos gozam. A vida dessa elite faz parte da história da sociedade. O melhor que alguém que não queira submeter-se a esse incômodo pode fazer é recolher-se ao anonimato, trancando-se a sete chaves. Isso não quer dizer que algum biógrafo irresponsável possa mentir sobre qualquer episódio da vida de uma pessoa só porque ela é muito conhecida.
É natural, mas não é correto, que quem desperta interesse tente resguardar-se, como alguns venerados artistas reivindicam, ou exigir licença para delinquir, com a qual sonham alguns maus políticos. A condenação dos mensaleiros pelo Supremo Tribunal Federal (STF) puniu a corrupção e deixou claro para esses mandatários que eles têm, como um cidadão comum, a obrigação de cumprir as leis que debatem e aprovam. O mesmo princípio da igualdade de todos perante a lei é ferido pelo pleito do grupo de famosos que querem censurar previamente suas biografias.
Os votos de seis ministros do STF aceitando embargos infringentes de alguns réus do mensalão põem em debate outro obstáculo à isonomia: o limitado acesso à Justiça, em geral, e ao Supremo, em particular. Os ex-censurados que viraram censores prévios pretendem o mesmo que José Genoino e José Dirceu reivindicam: a garantia de um privilégio hediondo como prêmio a suas biografias de respeito. Não foi à toa que Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de alguns mensaleiros, publicou artigo em defesa dos ídolos da MPB. Mas estes deveriam era seguir o sensato exemplo de João Marcello Bôscoli: ao se pretenderem censores prévios da publicação de suas biografias, terminam manchando-as de forma indelével.

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