29 de janeiro de 2017

Sossego, enfim

Jornal O Estado do Maranhão

          Os moradores do bairro residencial do Cohatrac já não aguentam a poluição sonora e a ameaça a sua segurança e a de seu patrimônio, pois, a cada fim de semana, mais de 10.000 pessoas de todos os cantos de São Luís ali se concentram, em encontros pré-carnavalescos, atraídas por empresários que se apropriam de espaços públicos e os cercam com o fim de cobrar ingressos, ter uma boa receita e perturbar a vida dos residentes. É situação que inferniza milhares deles e atinge bebês, idosos, crianças e enfermos, como consequência dos problemas característicos de eventos desse tipo e porte. Felizmente, porém, o Ministério Público do Maranhão, pelos promotores Cláudio Guimarães e Cláudio Cabral, está atento aos acontecimentos.
          Se os eventos são privados, e o são, porque ingressos são cobrados, então sua infraestrutura, inclusive de segurança, deve ser fornecida pelos realizadores, não pelo poder público. O efetivo policial disponível pela PM, em relação à quantidade de festas pela cidade, seria, de todo modo, insuficiente, no caso de intervenções simultâneas de urgência se revelarem necessárias. Em seguida, imaginem a sujeira produzida, a presença de marginais prontos para assaltar pessoas e residências, bêbados, maconheiros e cheiradores vindos da cidade toda; calçadas destruídas, portas de garagens obstruídas e, por último, mas não menos importante, a poluição sonora, com emissão de ruído muito acima dos limites legais.
          Esses eventos são ótimos, se a pessoa não mora no bairro, e péssimos se ela mora lá. Se não há nada de mais em tal baderna, como dizem alguns forasteiros – assim os classifico, pois são “foliões” de locais a vários quilômetros de distância do Cohatrac –, que eles, então, peçam aos realizadores dos eventos que levem o “nada de mais” para a porta de suas próprias casas.
          Os promotores fizeram reunião com a associação dos moradores do bairro e representantes dos governos estadual e municipal. Eventos pré-carnavalescos estarão submetidos à seguintes regulamentação: 1) os de natureza privada com grande concentração de público e cobranças de ingressos, não deverão ser rea1izados em área pública; 2) os de natureza privada com grande concentração de público e sem cobranças de ingressos, deverão realizados em área pública pré-selecionada por critérios de segurança e conveniência, mais precisamente no Aterro do Bacanga, das l6h. às 22h.; 3) os de natureza privada sem grande concentração de público e sem cobrança de ingresso poderão ser realizados em área pública, das 16h. às 22h; 4) os que serão realizados em áreas privadas e cujo contrato social do não preveja realização de eventos com concentração de público e cobrança de entrada, como bares, restaurantes, etc., irão das 16h. às 22h.; 5) os que serão realizados em áreas privadas e cujo contrato social preveja a realização de eventos com concentração de público e cobrança de entrada, como, clubes, casas de eventos, etc. deverão seguir as normas do Código de Postura do Município de São Luís.
          Os eventos dos itens 2 a 5 deverão ser devidamente licenciados.
           Essas medidas eram esperadas havia longo tempo pelos habitantes de São Luís, que poderão ter mais sossego daqui por diante
          Parabéns ao MP, promotores Cláudio Guimarães e Cláudio Cabral e aos moradores do Cohatrac.

15 de janeiro de 2017

Criminosos inocentes

Jornal O Estado do Maranhão

          Se alguma vez a regra foi quebrada, fossem quais fossem as circunstâncias, ou os apelos das crianças, ou as insinuações de grave doença, não consigo lembrar. Nada faria minha mãe liberar-nos, a mim e meus irmãos, dos deveres escolares, senão depois de nos sentarmos na mesa da copa da casa do Monte Castelo – este, então, bairro para onde a classe média de São Luís estava se mudando, no antigo Caminho Grande dos tempos coloniais, vinda do centro da cidade, e não o bairro de hoje, açoitado por problemas de toda grande cidade brasileira – e, eu dizia, senão depois de nos sentarmos disciplinadamente, mas não sob ameaças que, a mim, pelo menos, somente bloquearia o raciocínio, e cumprirmos o dever diário.
          Aí vinham os afluentes do Amazonas, das duas margens do rio, tema, do meu ponto de vista de então, e mesmo do de agora, aterrorizante para uma pessoa como eu, sem a chamada “memória privilegiada” e tendente a encarar a tarefa como quase um castigo; isso quando, no dia seguinte, eu tinha de enfrentar a aula de Geografia, obrigação mais preocupante, até, do que a possibilidade de jogarem uma bomba atômica no Brasil, em meio a uma guerra entre os Estados Unidos e a hoje morta União Soviética; mais adiante, o grito da Independência, às margens do Ipiranga, com D. Pedro I, espada apontando o alto e um belo futuro, em pose de libertador, como víamos nas ilustrações dos nossos livros de História; as letras do hinos, a serem aprendidas do começo ao fim, como o do Brasil, o da Independência e o do Maranhão (sim se aprendia o hino do Maranhão nas escolas). Só muito mais tarde cheguei a compreendê-las inteiramente.
           Ao fim das tarefas, aí sim, podíamos começar as brincadeiras. O jogo de bola de meia, de seringa, de borracha ou de couro, ao sol ou sob chuva, no quintal cimentado da casa, me deixava marcas quase permanentes no dedão do pé, tal a constância no lixar o cimento com sua parte de cima, na tentativa de chutar bolas não tão grandes assim, ao contrário da de couro, muito maior comparada às outras; o jogo de botão, de xuxo e de bolinha de gude; o empinar do papagaio, gingando lá no alto, tal qual um passista de escola de samba; a escalada da pitombeira nos fundos do quintal e da mangueira do quintal de terra da vizinha.
          Essa combinação de disciplina com liberdade nos fez compreender, acredito, a importância do cumprimento das obrigações assumidas ao longo de nossas vidas, a necessidade de perseverança no estudo e igualmente no trabalho, como em tudo mais, o valor da autoconfiança na superação das dificuldades, dado pelo conhecimento, a ética do respeito aos professores, como orientadores e parceiros dos pais na tarefa de educar as novas gerações.
          Hoje esses valores estão sob ataque em todos os níveis da educação. A doutrinação ideológica tem degradado a qualidade do aprendizado e levado à ética da irresponsabilidade, pela qual delinquentes de todos os tipos cometem crimes, mas não são responsáveis pelos próprios atos. Um tal de sistema capitalista opressor e patriarcal bem como uma perversa elite branca e mais um discurso elitista, reacionário, neoliberal e fascista são os responsáveis por todos os males do Brasil e do mundo. Os criminosos são os únicos inocentes.

1 de janeiro de 2017

Novos rumos?

Jornal O Estado do Maranhão

          Ano Novo, problemas velhos, mas soluções novas. Esperem aí, essas – alguém dirá –, a exemplo da PEC de contenção de gastos públicos, não são novas – e fá-lo-á bem em dizer, com licença mesoclítica do presidente Temer –, pois passam por novidade, esqueci de dizer, apenas quando analisadas na perspectiva dos últimos 14 anos, em vista da onipresença de teorias econômicas de vodu, ou que lembravam sacadas geniais originadas em deuses da floresta, prevalecentes na condução de nossas políticas econômicas, levando-nos ao buraco em que nos encontramos. Estas políticas sempre produziram, pelo mundo afora, com esse mesmo veneno vodúlico, envenenamento de várias economias, igual ao de agora.
          A PEC parece nova apenas porque há tanto tempo o bom senso deixou de ser utilizado pelos nossos dirigentes, que ela parece recém-nascida. No entanto, qualquer um com entendimento mínimo de princípios elementares de economia vê logo serem elas as únicas a funcionarem por toda parte, com mais ou menos eficiência, dependendo dos arranjos institucionais, inclusive na política, capazes, ou não, de limitarem a aplicação delas.
          E o Maranhão, como irá crescer? Bom, primeiro é preciso conhecer a maneira do governo estadual ver nossa economia. Se fosse possível ter essa informação, um cenário econômico para o Ano Novo seria de mais fácil elaboração. Agora, tente conhecer o pensamento de um secretário de Estado, ou do próprio governador, sobre o assunto. Nenhum lhe dirá nada, pelo corriqueiro motivo de não haver visão alguma nas chamadas altas esferas governamentais. Uma visão de qualquer tipo, todavia explícita, é indispensável, tanto como orientação ao próprio governo, quanto como base de avaliações pela sociedade das ideias do PC do B sobre economia. A não ser assim, se não houver um rumo conhecido a unificar a execução de programas governamentais, qualquer discurso de mudança, será vazio, como tem sido.
          Com o fim de estabelecer tal rumo, devemos visualizar a economia de cada Estado, em sua relação com os demais, como se fosse a de um país pequeno, sem controle, em seu próprio território, sobre taxa de juros, taxa de câmbio e salários, os chamados preços básicos da economia, por afetarem a oferta e a demanda de todos os produtos. Em circunstância assim, as ferramentas de política econômica reduzem-se a perto de zero na esfera estadual, nesta restando poucas alternativas, sendo a elevação da produtividade dos fatores de produção (terra, capital, trabalho e recursos naturais) a única maneira de concorrer no mercado “externo” formado pelos outros Estados em conjunto. Então, como elevá-la? Há diversas maneiras, como programas de melhoria de qualidade do sistema educacional, investimentos consistentes em ciência, tecnologias, novos processos produtivos, infraestrutura de transportes, etc., tendentes a elevar a produtividade e, portanto, o poder de enfrentar concorrentes fora do Maranhão e, igualmente, aqui dentro, já que não podemos impor barreiras alfandegárias. Mas nada disso se vê. Tiros são dados em todas as direções, e não se atinge um reles rato rápido em roer o resto do rango de nossa economia. Resumidamente, se não elevarmos nossa produtividade, não sairemos do lugar.

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