23 de setembro de 2001

Tragédias

Jornal O Estado do Maranhão
Não há justificativa de espécie alguma para os atentados ao povo norte-americano, com a perda de milhares de vidas de pessoas inocentes na destruição do World Trade Center e de parte do edifício do Pentágono. Perder apenas uma vida já seria suficientemente doloroso para qualquer povo.
Os americanos conheceram, de repente, o sentimento de viver sob a ameaça do terror que aflige outros povos. Como o do Iraque. Lá, crianças morrem diariamente, como resultado do bloqueio econômico americano ao país, sem contar as outras mortes resultantes das bombas dos Estados Unidos na Guerra do Golfo. Ela foi feita para defender a ditadura do Kwait, tão odiosa quanto a iraquiana. A única diferença é que uma é a favor dos Estados Unidos, a outra contra.
O povo iraniano viu os Estados Unidos treinarem e armarem esse mesmo Iraque, da mesma ditadura de Sadan, para a invasão do Iran. Armado e treinado por eles foi também Osama bin Laden quando combatia as tropas russas que foram obrigadas a sair correndo do Afeganistão. O uso da força bruta havia se revelado inútil. De anjo justiceiro ele passou a ser o diabo na Terra.
Um outro exemplo de vida sob o terror é o dos palestinos. Eles não vêem os Estados Unidos como um mediador neutro nos conflitos do Oriente Médio. O papel dos americanos, pela sua força, é fundamental para a paz naquela área. No entanto, há décadas, raras vezes têm se empenhado imparcialmente para solucionar os problemas da região.
Esses povos e outros têm sido estereotipados, há muito tempo, pela mídia americana, como bárbaros, ao mesmo tempo em que a política externa dos Estados Unidos ignora a cultura deles. Não é o caso de defender um relativismo cultural que justifique atitudes contrárias a valores universais de respeito à vida, sob o argumento de que “é assim na cultura deles”. Trata-se apenas de, num sistema imperial globalizado, sob o comando dos Estados Unidos, oferecer a todas as “províncias” do império um mínimo de boa fé na análise de suas queixas referentes às desigualdade na distribuição da riqueza mundial e às injustiças do sistema capitalista globalizado. Não estão isentos de culpa, porém, os governos corruptos dos países pobres, apoiados pelos próprios Estados Unidos se favoráveis a seus interesses.
A posição americana tem sido de arrogância e menosprezo pelos pontos de vista alheios, com o respaldo de suas armas de destruição em massa. Essa atitude gera ódios e ressentimentos que vêm se acumulando não apenas no mundo islâmico, que ajudou a civilizar a Europa durante séculos, mas no resto do mundo.
E o comércio internacional? São bem conhecidas as barreiras não tarifárias que os Estados Unidos criam à entrada em seu mercado de produtos do Brasil e dos países emergentes. O livre comércio é bom, contanto que o mercado de lá não seja aberto à concorrência “inimiga”. O presidente Bush foi claro recentemente ao dizer que só lhe interessa a defesa dos interesses econômicos de seu país. Os outros que se danem.
O que dizer da indiferença dos Estados Unidos com relação ao ambiente? Eles emitem 25% dos gases estufas gerados no planeta, mas recusam-se a ratificar o Protocolo de Kyoto que poria limites às emissões. E da retirada da conferência contra o racismo? E da rejeição do tratado de eliminação de armas bacteriológicas que eles tanto condenam nas mãos dos outros? E da quebra unilateral do acordo com a Rússia sobre armas nucleares? É o isolacionismo insensato e egoísta.
Lamentamos sinceramente a tragédia americana. Mas, não se podem esquecer as outras pelo mundo afora. As vítimas da violência, de qualquer nacionalidade – americana, iraquiana, afegã, irlandesa ou líbia –, são igualmente merecedoras de nossa compaixão. Cada vida tem um valor incomensurável, igual ao de qualquer outra. O uso de mais violência, o espírito belicoso e a histeria coletiva são o caminho mais rápido para outros morticínios. Somente soluções políticas, negociadas entre todos e para todos, evitarão novas tragédias.

Machado de Assis no Amazon