22 de setembro de 2013

Excelso Magistrado


          Os dirigentes da Venezuela têm, como todo mundo sabe, uma relação especial com os Estados Unidos. Tudo de errado no país acontece por culpa dos americanos. Passou um furacão, matando dezenas de pessoas? Foram os ianques que ligaram um grande ventilador em Key West, no extremo sul da Flórida, produzindo o desastre. A caminho até Caracas e outras localidades, o fenômeno passou perto do último paraíso terreno dos trabalhadores, Cuba, que só escapou do vento assassino por ser “progressista”.
          A economia anda bem ruinzinha, com a inflação a devorar o salário dos trabalhadores. Produtos básicos, indispensáveis à sobrevivência, principalmente dos pobres, não são encontrados. Sabotagem dos gringos, que não querem ver os latino-americanos em luta por sua libertação das garras ianques. Tudo, enfim, de ruim naquelas terras foi invenção de Tio Sam.
          Nicolás Maduro, o atual presidente, foi abduzido, mas voltou e daí em diante deu de falar umas esquisitices. A primeira foi que ele tinha encontrado Chávez, então falecido havia alguns meses, numa montanha, em forma de passarinho. O delicado animalzinho pousou num peitoril da janela do presidente, deu suaves trinados, olhou-o enternecidamente e foi embora não sem antes dar algumas voltinhas em torno do cocuruto dele. Este imediatamente colocou a mensagem no idioma de Cervantes. Tratava-se de exortações patrióticas ao povo e o governo, incentivando-os a não esmorecerem na luta contra o imperialismo.
          Se o leitor achar que o presidente está, assim, um pouco perturbado, deve ficar atento. Um homem abduzido logo depois do trauma por que ele passou com a morte de seu chefe, é capaz de qualquer coisa. Ele acaba de atribuir a culpa pelo altíssimo índice de crimes violentos no país ao Homem Aranha. Não é brincadeira, ele falou a sério. Isso mesmo, o Homem Aranha. Os jovens de lá vão assistir os filmes do herói aracnídeo, veem todas aquelas cenas de violência e já saem do cinema dando tiros no porteiro, coitado. Chegam em casa, matam toda a família e voltam mascando chicletes para o cinema, quem sabe a fim de ver o Super Homem em ação.
          Para o leitor poder avaliar como é séria a situação, os crimes violentos na Venezuela ocorrem na proporção de mais de 100 mortes por cem mil habitantes. Por comparação, no Estado brasileiro mais violento, Alagoas, a relação é de, aproximadamente, 70 por cem mil. São Paulo, o menos violento, tem 12, eu disse 12, mortes por cem mil habitantes. O crescimento explosivo desse tipo de crime começou quando o sargento Chávez chegou ao poder e continuou a crescer rapidamente até hoje. Por culpa, naturalmente, dos Estados Unidos, que andam pondo armas nas mãos da juventude dali e, de vez em quando, pirulitos e picolés.
          Mas, as esquisitices do presidente são próprias do regime bolivariano. Lembram-se de quando começou a luta pela sucessão do então bastante doente Chávez? A Suprema Corte de lá, atendendo desejo do enfermo, decidiu que o sucessor seria Maduro e não o presidente da Assembleia Nacional, ferindo dispositivo colocado na Constituição pelos próprios bolivarianos. É que os membros da corte foram todos escolhidos pelo regime, a dedo, com a missão explícita de chancelarem os desejos do Executivo. E assim fizeram nesse caso e em todos os outros.
          No Brasil, não corremos felizmente risco desse tipo, como se viu agora na apreciação da admissibilidade dos tais embargos infringentes pelo Supremo Tribunal Federal. Os dois ministros indicados recentemente pelo PT, via Executivo, e mais outros quatro, três deles apontados pelo partido, inclusive o que foi advogado do chefe da quadrilha, José Dirceu, analisaram com isenção total o assunto e concluíram, com o voto final e decisivo de Celso, um excelso magistrado, que aos mensaleiros, pobres indefesos, nova oportunidade deveria ser dada de provarem a inocência. Com algumas aposentadorias de ministros chegando, novos companheiros serão indicados, contribuindo com a completa independência da Corte frente aos desejos do partido no poder.
          Ainda bem que estamos no Brasil e não na Venezuela!

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