5 de agosto de 2007

Um livro de Sálvio Dino

Jornal O Estado do Maranhão
Nas notas para o que seria uma segunda edição do Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão, de César Marques, Antônio Lopes se refere muitas vezes a O sertão: subsídios para a história e a geografia do Brasil, como sendo de Parsondas de Carvalho, alusão que surpreenderá os leitores familiarizados com esse livro, pois é a irmã dele, Carlota Carvalho, nas duas edições, a primeira, de 1924, e a segunda, de 2000, quem nela é apresentada como autora. Lopes cometeu simples engano ou teria outras razões para atribuir a autoria ao irmão de Carlota? A resposta a essas perguntas é uma das tarefas a que se propõe Sálvio Dino, da Academia Maranhense de Letras, no seu Parsondas de Carvalho: um novo olhar sobre O sertão, com prefácio de Milson Coutinho, também da AML, obra dada a público no dia 28 de julho, em Montes Altos, onde Parsondas foi enterrado há 81 anos.
O objetivo central de Sálvio, no entanto, não é esclarecer dúvidas de décadas sobre quem de fato escreveu O sertão , que tem valor informativo e analítico e serve como representativo (outro é A Balaiada, de Astolfo Serra) da forte influência entre nós do pensamento positivista dominante no decorrer das primeiras décadas da República e que tem em Euclides da Cunha o representante mais conhecido no campo literário, com Os Sertões, cujos ecos se percebem até na semelhança dos títulos.
Sálvio pretende, antes, tornar de carne e osso seu biografado, retirando-o, por assim dizer, por breves momentos, do campo da mitologia sertaneja, em que ele aparece com dimensões quase sobre-humanas, homem de ação, trabalhador e corajoso, mas de cultura cosmopolita, espirituoso militante das letras reconhecido “lá fora”, enfim, retirando-o do imaginário popular a fim de projetá-lo, com o realismo possível de ser fornecido pela pesquisa histórica, à condição de ser humano com defeitos e virtudes.
Tendo essa intenção do autor em mente, podemos bem avaliar as informações, resultantes de exaustivas pesquisas em fontes documentais e orais, sobre a vida de Parsondas: o nascimento em Riachão, a infância e juventude, a morte, passando pela viagem a cavalo ao Rio de Janeiro, com o fim de denunciar os desmandos do governo do estado, e o processo a que teve de responder por suposto desacato a autoridades, que de qualquer modo eram reconhecidamente arbitrárias e corruptas.
Valiosa contribuição ao entendimento de nossa história nos dá, ainda, Sálvio, ao anexar a seu trabalho a “Guerra do Leda”, título com que passaram a ser conhecidos os artigos publicados por Parsondas, em A Pacotilha, de São Luís, entre janeiro de 1902 e fevereiro de 1903, conjunto a que ele então chamou “O Grajaú: últimos acontecimentos do Estado do Maranhão no século XIX”, vivo retrato da violência política do início do século XX no sertão maranhense, e que mostra os sofrimentos inimagináveis padecidos pelo povo e lideranças oposicionistas durante o governo de Benedito Leite.
Mas, quem afinal escreveu O Sertão? Parece-me correta a atribuição da autoria a Parsondas, sendo o cotejo estilístico de outros escritos dele com este evidência bastante convincente. Mostra-nos Sálvio também a presença no texto de enganos quanto ao gênero de quem o escreveu, reveladores, em diversos trechos, de um autor masculino, não feminino, e observa a impossibilidade, digamos cultural, de Carlota o ter escrito. A motivação do verdadeiro autor, ao dar o crédito da obra à irmã, estaria em relação incestuosa entre eles, de mais difícil comprovação, embora haja relatos disso na tradição oral da região.
Sálvio Dino, num estilo saboroso de legítimo sertanejo, escritor amadurecido, seguro de seu ofício, como já demonstrou outras vezes, acaba de adicionar contribuição relevante aos estudos sul-maranhenses.

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