7 de outubro de 2007

Um irmão

Jornal O Estado do Maranhão

O prédio fica na rua do Sol na esquina com a de Santaninha, onde hoje funciona um estaciona-mento para automóveis. Lá, sede do Banco de Desenvolvimento do Maranhão, nós, técnicos e funcionários, recebemos em 1970 ou 1969, não estou bem certo, a notícia da contratação de Bandeira Tribuzi para o órgão, não propriamente um banco, apesar do nome, mas uma agência de desenvolvimento semelhante a muitas criadas nos Estados a partir do final dos anos 60, que marcaram o início da euforia de acelerado crescimento econômico da presidência militar do general Medici.

Éramos muito jovens e víamos os governos como capazes de, por simples “vontade política”, num voluntarismo que a nós parece tolo hoje, transformar sem demora e mesmo revolucionar arranjos sócio-econômicos injustos de nossa sociedade e superar assim interesses políticos poderosos estabele-cidos há séculos no Estado. Em suma, achávamos fácil quebrar velhas estruturas e criar um novo mundo.
A essência desse idealismo juvenil permaneceu em nós. Não nos tornamos cínicos, por medo de sermos etiquetados como ingênuos, nem passamos a achar que nada muda e apenas a lógica do capital conta, embora ela conte muito. Antes, aprendemos não depender a luta por mudanças apenas do querer e percebemos ter a realidade do poder a capacidade de impor uma lógica conflitante com a justiça social em muitas circunstâncias da vida social.
Houve grande e genuína agitação no Banco: Tribuzi vai chegar! Para meus 22 anos de então, sendo eu ainda aluno da antiga Faculdade de Economia, a convivência com aquele homem reverenciado como um dos grandes nomes da poesia e da cultura maranhense, com uma história de perseguido político preso e demitido de seu emprego pelos militares, por causa de suas idéias libertá-rias e agudo senso de justiça social, sua família submetida a dificuldades em razão de sua recusa em renegar princípios, tudo isso era de admirar e inibir ao mesmo tempo. Mas, o que eu tinha em mente era tão-só a imagem do homem, não o próprio homem. Com este vim a estabelecer grande amizade que se prolonga até hoje nas periódicas conversas que tenho com Maria, sua viúva.
Essa proximidade com o ser humano Tribuzi, com a pessoa comum no sentido de ser como um de nós no dia-a-dia, com dores e alegrias, sentimentos e paixões, como pelo futebol, em especial pelo Moto Clube, zangado-se quando, ao fazermos o bolão da Loteria Esportiva, na época grande novidade, prevíamos a derrota desse time, a proximidade, eu dizia, criou as condições para a influência intelectual que ele viria a ter sobre a maioria de nós.
Em nossas conversas nos intervalos da elaboração de projetos, programas e planos, inclusive de planos estaduais de desenvolvimento de dois governos, fomos – pelo menos esse foi o meu caso – aos poucos moderando o ímpeto das críticas a tudo e a todos. Devagar ele foi nos mostrando os limites do voluntarismo e abrindo-nos os olhos para a necessidade de termos os pés firmes no chão sem abrir mão de valores morais.
Quando, em 1977, desejando fazer mestrado e doutorado em economia nos Estados Unidos, me candidatei a socorro financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, que tinha como dirigente da área de concessão de bolsas o hoje deputado federal Gastão Vieira, foi Tribuzi quem me orientou na elaboração de documento justificativo do pedido. Eu, por sugestão dele, pretendia estudar as implicações sócio-econômicas da implantação de uma grande siderúrgica em São Luís, projeto de que se falava já naquela época, há trinta anos. Trinta anos, e bem antes já se discutia com esperança e emoção o assunto!
Guardo com muito carinho um exemplar do seu último livro, Breve memorial do longo tempo, com a seguinte dedicatória: “A Lino, que é irmão”.

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