18 de março de 2007

De ratos e ratos

Jornal O Estado do Maranhão

Os ratos são capazes de avaliar os conhecimentos que possuem. Quando postos diante da opção de escolher, com suas pequenas e graciosas patas, entre duas alavancas, uma correspondente a um som longo e a outra, a curto, eles são capazes de acionar a correta, quando ouvem um sinal sonoro de um tipo ou do outro, pelo que são recompensados, vamos imaginar, com um bom pedaço de queijo suíço, daqueles vistos nos antigos desenhos animados de Tom & Jerry. Na hipótese de erro, não recebem nada, nem mesmo um muito obrigado. Quando não têm certeza sobre a extensão do som, eles se abstêm de se manifestar, se lhes é dada esta opção. – Curto ou longo? – devem se perguntar os bichinhos em dúvida angustiante. Quando, porém, não podem se abster e são obrigados a “dizer” alguma coisa, o rendimento em termos de percentagem de acertos das respostas logo cai, mostrando que eles não estão exclusivamente condicionados pela recompensa, tratando-se, em vez disso, de verdadeira ignorância. É como se eles “dissessem”, na primeira situação: “Não estou certo e por isso não vou responder”. Na outra: “Não estou certo, mas como sou obrigado a responder, minha escolha será aleatória”. É claro que as chances de acerto são maiores no primeiro caso do que no segundo. As informações são de um estudo com os roedores, feito por psicólogos norte-americanos. Eles queriam testar a metacognição, capacidade das pessoas de fazer avaliações sobre o próprio conhecimento. Os cientistas dizem que tal habilidade é um componente essencial da consciência humana. Os bichinhos seriam então conscientes? Nenhum pesquisador se arrisca a uma resposta precisa, em vista da ausência de linguagem verbal em animais, e fazem outra pergunta: É necessário ter essa linguagem para ter consciência?. O estudo, dizem eles, trata apenas de um dos aspectos da matéria, que tem inumeráveis desdobramentos, impossíveis de serem abordados aqui. O que eu quero dizer é isto. Não é necessário esforço como o aplicado nessa investigação a fim de tirar conclusões sobre a esperteza dos animais. Seria mais fácil e barato utilizar ratos brasileiros, sem a necessidade de mantê-los em laboratório. Eles podem ser observados em toda parte:, no Legislativo, onde se disfarçam de sanguessugas, e nos outros Poderes; nas igrejas, fantasiados de enviados divinos a recolher divinais receitas; nas empresas privadas de todos os tamanhos, prontos a passar a perna, quero dizer, a pata nos consumidores; no futebol dentro e fora dos estádios; na vida cultural e em tudo. Eles conhecem muito bem a própria sabedoria, e tanto que se tomam por sabidões, mas acabam sendo sabidinhos. Se puderem escolher entre meter as patas, imensas por sinal, no dinheiro alheio ou agir como bons moços, sempre irão preferir uma boa patada. As ratarias federal, estadual e municipal, apanhadas com a boca, ou focinho, na botija e, habilidosas como são na avaliação de seus conhecimentos sobre as melhores técnicas de encobrir fraudes, não perdem a oportunidade de exibi-los, sem vergonha e sem dar ratadas. Os dois tipos de roedores, o de laboratório e o bípede, têm em comum essa capacidade de avaliar a própria erudição. Mas, enquanto os primeiros, animais honestos, se calam diante de perguntas de cujas respostas não têm certeza, os outros têm delas um estoque na ponta da língua:. “O senhor roubou o dinheiro”, lhe perguntam. “Não”, responde. “O senhor vai abrir seu sigilo bancário.?”. “Vou”. “Quando?” “Na próxima semana, depois de consultar meus advogados. Isso tudo é armação. Exijo uma rigorosa investigação”. Mas, afinal, quais ratos teriam mais utilidade para a ciência, os americanos, estressados pelo aprisionamento em institutos de pesquisa, ou os brasileiros, criados em liberdade por todo o Brasil?

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