7 de outubro de 2001

Reformas

Jornal O Estado do Maranhão
Do total de 420 deputados federais brasileiros, 156, equivalentes a 30% da Câmara dos Deputados, mudaram de partido durante a atual legislatura iniciada em 1999. No Senado, “apenas” 16% seguiram esse edificante exemplo. Partidos cresceram ou diminuíram, subiram ou desceram, engordaram ou emagreceram, sem dar a mínima satisfação aos eleitores ou à opinião pública e sem mudar a orientação ideológica ou os programas partidários para justificar essa movimentação toda.
Houve um deputado que trocou sete vezes de partido. O ilustre representante do povo demorou longos 4 meses e 21 dias, em média, em cada um por onde passeou. Ele revelou o estranho desejo de mudar novamente, se alguém bater seu recorde, para recuperar o título de campeão.
Outro, mais comedido em seu ímpeto mudancista, tendo pulado de galho modestas seis vezes, alegou que variou tanto porque, como bom democrata, não suportava por muito tempo os colegas travestidos de manda-chuvas. Revoltava-se por não ser dele, homem de elevados e sólidos princípios e de tanto merecimento, o posto de chefe. O próprio relator de uma reforma eleitoral em tramitação no Congresso acaba de trocar de partido. Será uma indicação de como será seu relatório sobre a matéria?
O caso é de infidelidade. Contudo, a bem da justiça, não se pode deixar de mencionar uma virtude dos deputados ecléticos. Eles não escondem seus (de)feitos. Pelo menos no caso do troca-troca. Tanto que, orgulhosamente, anunciam aos quatro ventos, com cobertura da imprensa, a troca de time, quero dizer, de partido. Curioso é outros fazerem o oposto. Reúnem a imprensa, da mesma forma, não para anunciar, depois de muito suspense, o abandono do barco partidário, como haviam prometido, mas a decisão de não mais deixá-lo.
Acredito que a principal razão para essa anarquia está na legislação. Ela não só permite como até incentiva esse comportamento dos parlamentares. Mas, o Brasil necessita exatamente do inverso, um conjunto de normas para ajudar na consolidação nosso sistema político-partidário, de tal forma que se possa ter a estabilidade indispensável à solução de nossos problemas econômicos e sociais.
Uma reforma profunda nessa área é a mais importante a ser feita no país a curto prazo. Sem ela o Brasil continuará a pagar um preço muito alto pela demora e, muitas vezes, inviabilização de medidas que precisam ser adotadas com urgência em diversas áreas, mas não o são. Isso ocorre nos campos tributário e fiscal, apenas para ficar num exemplo de uma tentativa que se arrasta há anos, enquanto a competitividade de nossa economia continua a diminuir em comparação com a de outras.
A verdade é que nenhum governo, pelo menos desde a redemocratização de 1946, com exceção dos governos militares, conseguiu estabelecer maiorias duradouras e estáveis no Congresso Nacional que permitisse a implementação de diretrizes governamentais coerentes e duradouras.
Cada votação de medidas importantes para o país transforma-se numa batalha pela captura de votos de parlamentares sem compromisso com os programas de seus partidos e sem nenhuma disciplina ou fidelidade partidárias. O resultado tem sido um forte incentivo à política do “é dando que se recebe”, não no sentido cristão da expressão, mas no de troca de favores de forma pouco ética, o chamado fisiologismo.
 Após a estabilidade monetária duramente conquistada a partir de 1994, resta-nos, já com atraso, fazer as outras reformas necessárias ao país. A demora em fazê-las é evidência da necessidade de adaptação de nossos arranjos institucionais para tornar possível a implantação delas.
A fidelidade partidária, junto com eleições distritais, em um sistema parlamentarista, merece ser trazida novamente à discussão. O presidencialismo já foi testado durante mais de cem anos e mostrou não dispor dos mecanismos eficientes de amortização de crises, característicos do parlamentarismo. Esse é o caminho para a solução permanente das freqüentes crises vividas pelo Brasil.

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