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Mostrando postagens de setembro, 2004

Herança maldita

Jornal O Estado do Maranhão Leio nas páginas amarelas da revista Veja entrevista do antropólogo Roberto DaMatta, professor recém-aposentado da Universidade de Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos. Eu estudei economia nessa instituição, na área de organização industrial. Mais especificamente, como parte de um projeto financiado pelo Ministério do Trabalho dos Estados Unidos, analisei as implicações para a criação de emprego das tecnologias utilizadas no Brasil pelas empresas multinacionais, comparadas com as nacionais, agrupadas por setores econômicos segundo critérios do IBGE. Quanto maior uma empresa, mais tecnologias intensivas em capital, que geram pouco emprego em comparação com as intensivas em mão-de-obra, serão utilizadas, independentemente da nacionalidade da empresa. As multinacionais, conforme meu estudo mostra, são maiores em comparação com as brasileiras do mesmo setor e usam tecnologias mais intensivas em capital. Justificam-se, portanto, políticas governamentais, de u

Almas Generosas

Jornal O Estado do Maranhão Nas últimas semanas, como estivesse de mudança para nova residência, abandonando o outrora charmoso bairro do Olho d’Água, tive de examinar velhos papéis, antes no fundo de velhas gavetas, o melhor lugar onde não achá-los quando deles se precisa e, no entanto, o primeiro em que os guardamos. Minha intenção era selecionar, aproveitando a inevitabilidade do manuseio, durante a confusão mudancista, os poucos que ainda possivelmente servissem para alguma coisa e jogar fora a maior parte, na suposição de serem agora desnecessários às necessidades práticas da vida. Coisas como antigos recibos, notas fiscais, declarações de imposto de renda da era pré-informática, feitas à mão na vigência de moedas já mortas e enterradas, antediluvianos manuais de obsoletos aparelhos eletrônicos despachados para os museus há séculos. Vã intenção, pois sempre que estou a ponto de tornar real uma separação como essa, verdadeira perda de pequenos pedaços de minha própria história, po

Letras e números

Jornal O Estado do Maranhão As eleições deste ano trouxeram à discussão o analfabetismo dos candidatos a vereador e prefeito, bem como outras curiosidades que, entra ano sai ano, divertem o eleitor, a exemplo dos nomes e apelidos folclóricos e das propostas, mais folclóricas ainda, de melhoramento de suas cidades. Eles não prometem tão-só o paraíso na Terra, desejo de todos, pois entre esperar a felicidade no além ou tê-la nesta vale de lágrimas terreno, não há quem não prefira a segunda opção, de gozo imediato. Tenho a impressão de serem muitos deles uns grandes gozadores com a boa fé dos eleitores. Eles chegam perto de garantir, com a inflação de postulantes auto-intitulados evangélicos, a salvação eterna em troca de voto que, afinal, devem pensar, só custa o trabalho de ir a um local de votação e apertar alguns botões de máquinas eletrônicas. Parece não haver dúvida sobre a proibição, pela Constituição de 88, em seu artigo 14, parágrafo 4º . , da eleição de pessoas incapazes de ler

Discursos

Jornal O Estado do Maranhão Muitas vezes Machado de Assis externou sua opinião sobre a influência maligna, segundo ele, da política sobre a atividade literária. Numa crônica de 31 de janeiro de 1870, ele fez uma análise de Entre o céu e a Terra , de Flávio Reimar, que não era outro senão o nosso Gentil Braga. O livro fora enviado pelo autor, com uma recomendação de um grande amigo de Machado, Joaquim Serra. Por sinal, quando este morreu em 1888, o escritor carioca escreveu uma das suas mais belas crônicas, das muitas que publicou, durante, praticamente, toda sua vida, em jornais do Rio de Janeiro, de onde nunca saiu, indo no máximo a Petrópolis. Isto inspirou Luciano Trigo a escrever um ensaio chamado O viajante imóvel: Machado de Assis e o Rio de Janeiro de seu tempo , uma espécie de guia da cidade, do século XIX, com base nos romances, contos e crônicas de Machado. Este, apesar desse, digamos, provincianismo, foi o mais universal de nossos escritores. Viajava com a leitura de seus a