5 de setembro de 2004

Discursos

Jornal O Estado do Maranhão 
Muitas vezes Machado de Assis externou sua opinião sobre a influência maligna, segundo ele, da política sobre a atividade literária. Numa crônica de 31 de janeiro de 1870, ele fez uma análise de Entre o céu e a Terra, de Flávio Reimar, que não era outro senão o nosso Gentil Braga. O livro fora enviado pelo autor, com uma recomendação de um grande amigo de Machado, Joaquim Serra. Por sinal, quando este morreu em 1888, o escritor carioca escreveu uma das suas mais belas crônicas, das muitas que publicou, durante, praticamente, toda sua vida, em jornais do Rio de Janeiro, de onde nunca saiu, indo no máximo a Petrópolis.
Isto inspirou Luciano Trigo a escrever um ensaio chamado O viajante imóvel: Machado de Assis e o Rio de Janeiro de seu tempo, uma espécie de guia da cidade, do século XIX, com base nos romances, contos e crônicas de Machado. Este, apesar desse, digamos, provincianismo, foi o mais universal de nossos escritores. Viajava com a leitura de seus autores prediletos, Homero, Luciano de Samósata, Platão, Plutarco, Horácio, Tito Lívio, Petrônio, Shakespeare, Cervantes, Calderón, Erasmo, Stern, Pascal, João de Barros, Gil Vicente, Eça de Queiroz, Alexandre Herculano, sem contar os brasileiros.
Pois bem, ao fazer comentários sobre o livro de Gentil, disse ter este abandonado a poesia para entrar na vida pública, no Parlamento Geral, hoje Congresso Nacional, e na Assembléia Provincial. Mas, tinha esperança: “Não morreu este poeta, e escapou ao orçamento e ao esquecimento”.
  Em outra ocasião, em 2 de fevereiro de 1873, afirmou que a política militante desperdiça o tempo e destrói a criatividade: “Não lhe devorou ainda a imaginação, e bem o prova com este seu livro dos Quadros”. Reparem bem no ainda, como se não estivesse certo de, no futuro, a política não roubar a imaginação do autor, neste caso Joaquim Serra. Ele faz muitos elogios ao livro do amigo. Tantos que, lá no penúltimo parágrafo, se sente na obrigação de perguntar, num autopoliciamento caracteristicamente machadiano, se não diriam que não achava defeitos na obra. Vejam a resposta: “Acho; quisera que desaparecesse um ou outro descuido de forma, o que não é exigir o exclusivismo dela”. Ora, ele mesmo não se livrou de um ou outro descuido de forma, como ninguém se livra sempre. Para além dos méritos de Joaquim Serra, sente-se a amizade entre os dois.
As referências aos dois escritores do Maranhão não é um fato isolado. Ele tinha genuína admiração pelos intelectuais da brilhante geração do Grupo Maranhense, como Odorico Mendes, João Lisboa, o próprio Gentil, Sotero dos Reis. Fazia freqüentes referências a eles em sua crônicas, tendo incluído vários deles no seu clássico estudo Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade.
Sua ligação com nossa terra e seus homens de letras era forte. Prova é a presença em sua casa, no momento de sua morte em 1908, dos maranhenses Coelho Neto, Graça Aranha e Raimundo Corrêa. A Gonçalves Dias ele dedicava uma admiração especial. Disse em outra crônica: “Morreu no mar, – túmulo imenso para seu imenso talento”. Descreveu com evidente emoção a visão que teve do poeta na redação do Diário do Rio: “Entrou um homem pequenino, magro, ligeiro. Não foi preciso que me dissessem o nome; adivinhei quem era. Gonçalves Dias! Fiquei a olhar, pasmo, com todas minhas sensações e entusiasmos da adolescência. Ouvia cantar em mim a famosa ‘Canção do Exílio’”.
Mas, não sei se a política de algum modo atrapalha a literatura. A julgar por José Sarney, escritor e político, do Maranhão como Gentil Braga e Joaquim Serra, citados por Machado de Assis, não atrapalha. Mas, política e literatura são formas de discurso, um do poder, outro sobre o poder. Têm isso em comum.

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