26 de julho de 2009

Homenagem e Posse



Jornal O Estado do Maranhão

No próximo dia 2 de outubro, Joaquim Haickel, recentemente eleito para a Academia Maranhense de Letras, Cadeira 37, anteriormente ocupada por Nascimento Morais Filho, será recebido na solenidade de posse pelo acadêmico José Louzeiro, ocupante da Cadeira 25. Ambos, o empossando e o que o recebe, são homens com profundas ligações com o cinema. O primeiro, ao mesmo tempo em que escrevia poesia e contos e liderava movimentos culturais, produziu e dirigiu diversos filmes, como, por exemplo, The best friend, O amigão, com o qual conquistou o prêmio de melhor filme e de melhor filme de cineasta maranhense, no festival Guarnicê de Cinema e Vídeo, realizado pela Ufma em 1984. Em 2008, baseado em um conto que escrevera nos anos 80, roteirizou, produziu e dirigiu Pelo ouvido, filme selecionado para quase uma centena de festivais de cinema no Brasil e no exterior e atualmente faz o curta-metragem Padre Nosso.
Louzeiro, por sua vez, escreveu os roteiros de Os amores da pantera, dirigido por Jece Valadão; Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, baseado em romance homônimo dele, filme dirigido por Hector Babenco; Pixote, a lei do mais fraco, também baseado em livro dele, A infância dos mortos; O caso Cláudia, com o maranhense Miguel Borges e Valério Meinel; O homem da capa preta, com Sérgio Rezende e Tairone Feitosa; e diversos outros roteiros.
O que eu quero dizer é isto. Joaquim Haickel e José Louzeiro, por suas afinidades cinematográficas e pela amizade entre os dois, estão em tal sintonia que a recepção de um pelo outro na Academia parece não apenas adequada, mas, sobretudo, natural, inevitável, inescapável. É como se o encontro deles a 2 de outubro estivesse escrito desde sempre. E quem ousará desafiar o que há incontáveis séculos está nos livros?
Foi esta a razão de eu ter aceito sem vacilação a ideia de transferir a homenagem que a Academia prestaria a Louzeiro no dia de seu aniversário, 19 de setembro, para o dia 3 de outubro, logo depois da posse de Joaquim. Acontece que problemas de saúde de Louzeiro o impedem tanto de viajar frequentemente, como seria o caso de vir aqui em setembro e de novo em outubro, quanto de ficar ausente por longos períodos de sua residência no Rio de Janeiro, como aconteceria se ficasse entre nós de 17 de setembro, quando chegaria a São Luís, até 3 ou 4 de outubro. De qualquer maneira, haverá a posse, haverá uma palestra de Louzeiro e haverá uma homenagem a ele, durante um almoço que a Academia lhe oferecerá, eventos da Academia que comporão importante parcela de nossa programação este ano. Logo a seguir, no dia 9 do mesmo mês, teremos a posse de Ney Bello Filho na Cadeira 40, antes ocupada por Antônio Almeida.
Louzeiro é escritor de projeção nacional e, por sua vasta obra (romance, novela, conto, literatura infantil, roteiro de cinema, jornalismo), é reconhecido como um dos grandes escritores brasileiros de sua geração. É o criador no Brasil do romance-reportagem e já escreveu mais de 40 livros. Entre os mais conhecidos estão: Infância dos mortos; Lúcio Flávio, o passageiro da agonia; Aracelli, meu amor; Em carne viva, sobre o drama de Zuzu Angel e de seu filho Stuart Angel, morto sob tortura no período ditatorial pós-1964. Entre os infanto-juvenis: A gang do beijo; Praça das dores, uma lembrança dos meninos assassinados na Candelária, em 1993; A hora do morcego (Ritinha Temporal); e Gugu mania. Entre as biografias: Cantando para não enlouquecer, sobre a cantora Elza Soares; André Rebouças; O anjo da fidelidade, sobre Gregório Fortunato, o guarda-costas de Getúlio Vargas; Ana Neri, a brasileira que venceu a guerra. Coordena atualmente uma coleção de romances policias para a Editora Nova Fronteira, com 3 livros lançados: No fio da noite, de Ana Teresa Jardim, Juízo final, de Nani e A fina flor da sedução, dele mesmo.
O convite de Joaquim para sua recepção por Louzeiro e a homenagem da Academia a esse extraordinário homem de letras representam o justo reconhecimento da contribuição dele, muito pessoal e original, à cultura brasileira.

12 de julho de 2009

A Culpa de Sarney


Jornal O Estado do Maranhão

De que os adversários acusam José Sarney? Eu direi de que o acusam. Aqui no Estado, de ter inventado a pobreza. Um belo dia, aborrecido com o Eldorado maranhense, cansado de topar em cada esquina e a toda hora com milionários e bilionários, exibidos cidadãos orgulhosos de suas riquezas, Sarney decidiu inventar a pobreza maranhense. Povoe-se de pobres estas terras, decretou, sentença cujo eco até hoje reverbera.
Outros decretarão o esquecimento do marquês de Pombal. Como antigamente se sabia – pelo menos até o tempo em que se estudava a formação econômica do Estado –, esse poderoso ministro de d. José implantou aqui, como forma de garantir a Portugal a posse da região até então abandonada, um modelo econômico mercantilista que de fato atendeu os objetivos da Coroa Portuguesa no curto prazo, pois conseguiu incorporar o território ao domínio português. A economia gestada naquela época, último quartel do século XVIII, tinha como características: 1) o comando "de fora" e "para fora", pois nos especializamos em produtos tropicais de exportação dependentes de mercados no Mediterrâneo, no Mar do Norte e no Mar Báltico, sob o monopólio mercantil da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão; 2) um acanhado mercado interno, como resultado do escravismo; 3) alta concentração da renda pessoal da população livre, com poucas famílias detendo a propriedade dos fatores de produção, em especial da terra e da mão-de-obra escrava.
Os resultados iniciais, traduzidos num espetacular surto de riqueza durante boa parte do século XIX, se esgotaram a médio prazo. Em paralelo, suas características estruturais produziram efeitos negativos duradouros. Finda a demanda externa pelos produtos da plantation do Maranhão, passada a conjuntura externa favorável, tudo foi por água abaixo, levando consigo a riqueza de pés de barro. Ficaram a desigualdade e a injustiça social, como se pode ver das peculiaridades do modelo herdadas por sucessivas gerações de maranhenses e presentes até hoje em nossa sociedade. Dele provém nossa pobreza e não de Sarney, que muito fez e faz a fim de nos livrar dessas amarras.
Fora do Estado, no sul do país, de que acusam José Sarney? Vejam o paralelo irônico. Acusam-no também de ser inventor. Desta feita, da cultura política brasileira. O patrimonialismo, a cultura do favor, a confusão entre o público e o privado, o compadrio, o jeitinho brasileiro, talvez o maior de nossos defeitos, o nepotismo, conosco desde a Carta de Caminha, o poder desmesurado da burocracia, todos os vieses negativos de nossa formação política e sócio-cultural, tudo isso de repente foi inventado por Sarney. Quem no Senado pode atirar a primeira pedra? Curioso é Sarney não ter sofrido nenhuma acusação nas duas passagens anteriores dele na presidência do Senado. Antes não era culpado de nada. De tudo é agora!
Dizer isso não implica oposição às mudanças necessárias a nosso aperfeiçoamento institucional. Ao contrário. Elas são imperiosas, mas terão de ser de todos ou fracassarão. Muita coisa tem de ser mudada. Quase tudo em verdade. As distorções no Senado e em quase todas as instituições públicas brasileiras estão enraizadas em nossa cultura. A questão, como disse com rara felicidade o professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – Iuperj, Fabiano Santos, "passa a ser como enquadrá-las e como evitar o perigoso efeito da despolitização que uma sistemática onda de 'escândalos' pode causar. [...] Em nome da ética há uma politização excessiva de um processo que é em boa medida administrativo [...]". Aí está. O processo é administrativo, todavia está politizado contra Sarney.
As paixões políticas momentâneas, inclusive as ligadas à sucessão presidencial de 2010, têm tomado a dianteira em algo de caráter administrativo e que, afinal de contas, poderá resultar em mudanças positivas, há muito esperadas, para o Poder Legislativo e a sociedade. Esta será a beneficiária final da modernização que conseguirmos imprimir às instituições nacionais.

Machado de Assis no Amazon