17 de dezembro de 2000

Defeito nas linhas

Jornal O Estado do Maranhão
Sou favorável à privatização de empresas estatais. Elas sempre foram feudos ineficientes de tecnocracias muito eficientes na defesa de seus interesses, mas pouco dedicadas aos de seus usuários. O patrimônio delas era, de fato, do povo, conforme as palavras de ordem de sindicalistas nas passeatas contra as privatizações. Pena que foi apropriado, com boa parte dos lucros, pela burocracia dirigente.
Mas não foi para humilhar os usuários que se fizeram as privatizações. É isso, infelizmente, o que está ocorrendo. A Telemar, a Amazônia Celular e a Embratel aumentaram a oferta de linhas telefônicas? Estão acabando com as filas de espera? Diminuíram os preços? Estão oferecendo mais serviços? Ótimo, palmas para elas. Era isso mesmo que se esperava. Se não houvesse sequer essas melhoras, melhor seria deixar tudo como dantes. E o usuário, como está sendo tratado? O que se ouve diariamente dos amigos, se lê nos jornais e nas revistas, se vê na televisão, se conhece por experiência própria não projeta uma boa imagem dessas empresas.
Pouca gente está satisfeita com o tratamento que vem recebendo. Se alguém telefonar para obter informações, será atendido por uma gravação pedindo para esperar um pouco. Esse pouco, vê-se logo, é muito. Imaginem ficar na linha de 5 a 10 minutos, talvez mais, ouvindo uma musiquinha chata dezenas de vezes, aguardando uma pessoa que não se sabe nem onde está. Em Fortaleza, em Belém? Em São Luís, com certeza, não. O sotaque não engana.
Tente depois explicar que você não fez as ligações que lhe estão sendo cobradas. Afinal, você não tem parente em Cruzeiro do Sul — lá no Acre —, no Afeganistão ou na Chechênia. Em poucos segundos ficará evidente a introdução de um novo conceito no Direito: o ônus da prova cabe ao acusado, o usuário. A presunção de inocência não vale, foi revogada por obsoleta. Tenha, pois, o pobre coitado, o trabalho de fazer um requerimento para defender-se. Terá que provar que não é um espertalhão tentando enganar as indefesas telefônicas, ou pagar para não ter seu nome em algum cadastro de maus pagadores.
Outro problema. Se lhe roubarem o celular, você ainda terá que continuar com o pagamento da taxa mínima mensal. Não basta, como aconteceu comigo, ir à polícia, registrar a ocorrência e levar a certidão à loja da Amazônia. No mês seguinte, você recebe a cobrança por um serviço que não usa mais. O que fazer? Lógico, ligar para a companhia e pedir o cancelamento de sua linha. A moça que o atende (em Belém?) verifica seus dados no computador e confirma o registro anterior do roubo. Ufa, acabou o problema. Ilusão. Você vai ter que voltar à loja da empresa. Eis o que quero dizer: você não resolve um problema de seu telefone, por telefone, numa empresa de telefone.
Mas não é só isso. Recebi outro dia uma ameaça da Embratel que me cobrava contas do século passado, concluindo que eu devia aproveitar a magnanimidade, de poder pagar logo com desconto, para evitar problemas. Desculpem se exagero no tempo de um século. É que a Embratel exagerou no abuso de minha paciência.
 Por escassez de espaço, não vou falar hoje de serviços lançados sem autorização na fatura e prontamente cobrados, como os de listagem nas páginas amarelas e de caixa postal. Deixarei também para outra ocasião comentários sobre a mensagem que não distingue, para quem disca para seu número, o eventual devedor da pessoa que teve seu celular perdido ou roubado e sobre a atribuição do mesmo número a mais de um assinante.
Ah, sim, ia me esquecendo. Esta é a segunda versão deste texto que o leitor teve a paciência de ler até aqui. A primeira se perdeu quando meu computador apagou por falta de energia elétrica. É, agora o abuso foi da Cemar. Como disse o grande Goethe nos seus minutos finais: mais luz!

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