7 de dezembro de 2014

Lugar nenhum


Jornal O Estado do Maranhão

         Este jornal fez, há duas semanas, reportagem sobre a falta de respeito às leis pelos cidadãos de nossa cidade, sob o título “Leis, principalmente de trânsito, estão sendo ignoradas em São Luís”. A matéria veio em hora certa, pois essa praga cultural e a inação das autoridades encarregadas de fazer cumprir as normas legais conspiram no reforço dessa atitude em nossa cultura e no cotidiano da comunidade desprotegida e à mercê da lei do mais forte.
          Exemplos dessa rotina são abundantes no dia a dia. Como exemplificado pelo jornal, a desordem vai de estacionar em lugar proibido, com a velha, mas ainda funcional, desculpa de que “é só um minutinho”, passa pela ocupação de espaço público para fins particulares (e ai de quem tente tirar os ocupantes, pois se tornará o vilão do momento e haverá, até, quem deseje fazer de graça a defesa do pobre coitado) e continua pelo tráfego de veículos nas areias de nossas praias.
          Se você, caro leitor, apelar às autoridades policiais, contra o descumprimento das normas legais, estará perdendo seu escasso tempo, como eu perdi com a Delegacia de Costumes em um caso de flagrante poluição sonora nas proximidades de minha residência, há pouco mais de dois anos, ocasião em que foi instaurado inquérito policial de cujas conclusões nunca fui informado, caso ele tenha sido concluído de fato.
          O Ministério Público estadual, por sua promotoria de meio ambiente, também não será de muita ajuda. Quando levei ao órgão representação que fiz sobre a mencionada poluição, mereci do promotor Fernando Barreto as seguintes palavras: “A instauração de um procedimento administrativo inquisitório como é o inquérito civil não pode servir de pretexto para, sub­repticiamente, se constranger pessoas a celebrar acordos ou adotar providências que jamais seriam obtidas por um processo judicial”. Não questiono, por indiscutível, o direito do promotor formar sua própria convicção e agir de acordo com ela. Questiono, como cidadão que não age sub-repticiamente e tem direito a peticionar às autoridades constituídas, a grosseria de agentes públicos quando no cumprimento de suas obrigações. Levei, em seguida, minha queixa ao Conselho Superior do Ministério Público. Este poderia ter respondido que eu estava errado e mandado eu me recolher à insignificância de cidadão impertinente o suficiente para arguir, dessa forma, o colegiado. Mas, até hoje, nesses dois anos, mudez foi a resposta dada a mim. De toda forma, o tempo se encarregou de dar outro encaminhamento à matéria. Algo que eu jamais obteria por processo judicial me foi dado por processo judicial. A mim e a centenas de cidadãos de minha vizinhança.
          Mas, retomemos o fio da meada.
          Uma das formas de maior simbolismo do desrespeito permanente às leis, normas e regulamentos em que vivemos aparece por toda a cidade nas portas das escolas. Ao fim das aulas, um observador casual, sem indicação de ter chegado recentemente dos anéis de Saturno, ficará impressionado com o número de pais com mais de sessenta anos que aparecem a todo momento com o fim de apanhar os filhos. Tal condição, eu deduzo do lugar onde estacionam: nas vagas reservadas a idosos. Está bem, pela aparência, eles não parecem ter direito a usá-las, mas hoje em dia quem pode ter certeza de alguma coisa quando se fala de idade? Sabem como é, cremes, malhação, vitaminas, suplementos alimentares, dietas da moda, tudo isso faz milagres passíveis de reconhecimento pelo Vaticano. Por isso, não ouso afirmar que eles desrespeitam o direito alheio de estacionar na vaga apropriada.
          São comportamentos como esse que criam barreiras ao desenvolvimento. Atitudes como desrespeito às leis, descumprimento de obrigações, ódio à riqueza, amor retórico pela pobreza, desprezo à meritocracia, ausência de uma ética do trabalho sério e honesto, a anarquia, a avacalhação de tudo, a indiferença pela impunidade, o jeitinho brasileiro, tudo isso são obstáculos insuperáveis ao crescimento e superação dos problemas do país. Apenas a economia, como no pensamento marxista vulgar, não nos levará a lugar nenhum.

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