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Mostrando postagens de abril, 2003

Maranhão ao natural

Jornal O Estado do Maranhão Depois de tudo já dito por tantas pessoas de peso no nosso mundo cultural, numa unanimidade incomum, desta vez sem a burrice sempre apontada por Nélson Rodrigues quando essa raríssima concordância ocorria no seu tempo, existe ainda algo novo a dizer sobre Natural do Maranhão , exposição e álbum fotográfico de Christian Knepper, realizados com o patrocínio do governo do Estado, Alumar, AmBev e Petrobrás? Não muita coisa, além do julgamento já feito por toda essa gente sobre a arte dele, que vem nos encantando há anos e agora está a nós sendo apresentada em sua forma mais sistemática e elaborada, como uma síntese da visão do fotógrafo sobre nossa terra e sua gente sofrida. Mas, arrisco-me a imaginar a misteriosa e insondável conspiração do destino que levou Christian, um jovem alemão, a deixar seu país e radicar-se em São Luís do Maranhão, deixando para trás uma economia vigorosa, em verdade a mais forte da Europa, onde as oportunidades de emprego e de realiz

Tios e sobrinhos

Jornal O Estado do Maranhão O garoto, nos seus quinze anos, deitava-se em uma alvíssima rede, acariciado pela brisa salgada da praia de Itapeua, em Cajapió, e lia a tarde inteira. Usaria os óculos de lentes grossas e armação fina que ainda usa setenta anos depois, a destacarem-lhe o nariz de remotos antecedentes judeus, prováveis cristãos novos em Portugal, ou quem sabe de árabes? Seria possível usar tal objeto naquelas terras tão pobres, em tempos tão antigos, mas tão recentes, hoje, na sua memória? A fascinação pela leitura veio, por certo, quase ao mesmo tempo da consciência de ver a luz e de estar no mundo. Quase não se lembrava de ter aprendido a ler. Era como se, ao nascer, já possuísse todas as letras da língua portuguesa. Embora sem a mesma fascinação, seu pai, Luís, era um grande leitor. De suas idas a São Luís trazia os romances, jornais e revistas que a família lia. Viajava nos precários igarités e lanchas que atravessavam bravamente o terrível Boqueirão, destruidor de emba

Dependente do boi

Jornal O Estado do Maranhão Tem gente que olha para as rádios AM com uma atitude de superioridade. Segundo esse pessoal, elas não passam de um lugar de desinformação ou de informação superficial e incompleta, de uma conversa entre vizinhos. Essa turma acha-lhes todos os defeitos do mundo, sem se lembrar dos bons serviços prestados diariamente por elas. A vida inteligente teria de lá desaparecido há milênios, sem esperança de retorno nas próximas mil gerações. É claro, porém, não ser possível concordar com esse preconceito. Este, sim, nasce da desinformação, muito comum nos nossos dias. Todavia, é verdade também que algumas vezes ouvem-se nelas coisas inusitadas, como uma pergunta formulada por um ouvinte de um programa muito popular que eu vinha ouvindo outro dia no rádio do carro, a caminho do serviço: “A brincadeira de bumba-meu-boi pode provocar dependência psicológica em seus brincantes?”. Expressa aqui e agora, assim dessa forma, sem a impostação de voz solene dele ao telefone, a

Formigas, cobras e lagartos

Jornal O Estado do Maranhão Quem nunca ouviu falar de nepotismo? É aquele irresistível hábito de dar emprego aos queridos parentes, tão velho quanto o mundo e muito popular entre dirigentes brasileiros e de qualquer lugar do mundo. Se alguém convocasse todos os seus beneficiários a comparecerem simultaneamente a seus supostos locais de trabalho, haveria uma grande confusão sócio-burocrática. Atendida a convocação ao trabalho, a ninguém causaria surpresa a visão de processos destruídos, ou usados em finalidades menos nobres, de cinzeiros arremessados pelas salas, de subordinados agredidos, de chefes ameaçados, de gritos, choros, ranger de dentes, tiros, pedradas, socos e pontapés. É que, segundo estudos científicos com ratos, desses de laboratório, não os de duas pernas e muitos braços com longas mãos, o aumento da densidade da população de uma área, como aconteceria nesse caso, provoca o rápido aumento da agressividade dos indivíduos que a formam. Vejam o potencial desagregador dessa