23 de julho de 2006

Crise na educação

Jornal O Estado do Maranhão

A História tem evidenciado incontáveis vezes que nenhum país se livrou da pobreza sem um bom sistema educacional, capaz de lançar os fundamentos do aumento de produtividade de sua mão de obra e de estabelecer as bases de uma avançada produção científica competente na criação de tecnologias de ponta que o pudessem colocar na vanguarda do progresso tecnológico na arena mundial. Se não nos assegurarmos dessa pré-condição, será impossível competir com boas chances de sucesso nos mercados internacionais e realizar nosso potencial de grande nação.
Fizemos progressos extraordinários nas últimas décadas em termos quantitativos. Hoje, a não ser em casos e situações isoladas, a população em idade escolar tem pleno acesso à sala de aula, mas não a uma boa educação. De fato, o complexo educacional brasileiro é muito ruim. Pesquisa recente feita pela Unesco revela situação de todo inaceitável. Um em cada cinco alunos é reprovado no nível primário de ensino. A Namíbia, Senegal e Cabo Verde têm melhores taxas, ou taxas menos ruins, se podemos dizer dessa forma. Na América Latina, a Nicarágua e o Suriname superam o Brasil. Em outras palavras, o desempenho de diversas nações classificadas como muito pobres superam o nosso. Aqui, os alunos lêem muito mal, não entendem quase nada do pouco que lêem, não sabem escrever com a mínima competência e não desenvolvem habilidades elementares de lidar com números no seu dia-a-dia.
O professor Claudio Moura Castro, especialista no assunto, afirmou à revista Veja que “precisamos convencer os brasileiros de que nossa educação é péssima e, então, entender como melhorá-la”. Já estamos terminando a fase de construção de escolas, contratação de professores e fornecimento de merenda escolar. Esses, claro, são requisitos necessários, mas não suficientes para o estabelecimento de qualidade educacional de padrão internacional. Muito mais terá de ser feito, sem demora.
O aumento na destinação de recursos para o setor é uma das formas de resolver o problema, mas nem de longe a única. Aliás, essa decisão correta poderá resultar em prejuízos à sociedade, pela aplicação ineficiente desse adicional, caso não se reformule o ensino nacional como um todo. O governo deve ser louvado pela criação, apoiando-se na experiência do Fundef, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb, que pretende justamente aumentar os repasses da União nessa área. Essa orientação ajudará a atenuar distorção que consiste em se aplicar, no nível superior, de 70% a 80% dos recursos públicos alocados à educação, em detrimento dos outros níveis, com os resultados pífios bastante conhecidos de todos. No entanto, como se poderá concluir sem demora do caso brasileiro, ao concentrar recursos nas Universidades, descurando da educação básica, estaremos criando as condições para que imensa massa de alunos chegue ao superior sem uma formação que lhes dê a possibilidade de se tornarem bons profissionais.
Se não tomarmos consciência de nossas imensas deficiências em assunto de tamanha importância como esse, não poderemos eliminá-las. Sei que insisto no óbvio ao proclamar algo tão elementar e ao vincular a melhoria do ensino superior à melhoria urgente do básico. Mas, parece que, de tão evidentes ou de tão repetidas, certas obviedades se tornam difíceis de perceber ou se cria uma espécie de indiferença com respeito às más conseqüências de não se tratá-las a sério, como no caso da violência urbana e da rural de nossos dias. Um debate nacional sistemático, inadiável, poderá produzir o consenso necessário à superação das dificuldades e devolver à sociedade a plena consciência da ameaça de ficarmos para trás no mundo globalizado e de recebermos sentença irrevogável de atraso permanente.

16 de julho de 2006

Lei do mais forte

Jornal O Estado do Maranhão

Há no reino do Brasil algo de muito podre por todos os lugares. Do ponto de vista das pessoas comuns, entre as quais me incluo, tudo parece se desmanchar. Na economia, o país não cresce a taxas decentes há anos; na vida social, a cultura da esperteza, da roubalheira, do jeitinho, da agressão à lei são regra e não exceção; na justiça, vê-se inação, lentidão, burocracia, ineficiência, impotência e, sobretudo, injustiça com os pobres; na educação, prevalece o partidarismo político-universitário com suas perniciosas, com respeito à qualidade do ensino, eleições para reitor, e prevalece o descaso com o ensino básico, como se todos tivessem de ser doutores ou, mais precisamente, maus doutores, que não conhecem seus ofícios e pensam saber como se conserta o mundo; nas ações do crime organizado, ação, rapidez, poder, eficiência instrumental e códigos de justiça selvagens próprios, fora do alcance da lei.
Eu gastaria uma página inteira deste jornal a fim de dar notícias de tudo o mais que está fora de lugar “neste país”, na típica expressão do presidente da República, num salve-se quem puder característico da vida na selva, onde, no entanto, só se mata e rouba pelo alimento diário, sobrevivência e preservação da espécie. Aqui parece que se mata e rouba por tudo e por nada, aqui parece que não existe um pacto social capaz de civilizar, isto é, controlar, sem eliminar, por impossível, os instintos humanos compartilhados por nossa espécie com o restante do reino animal, mas repugnantes do ponto de vista dos conceitos morais e éticos desenvolvidos ao longo da história das sociedades civilizadas.
Não sei se estou pessimista além da conta, pois o Brasil tem coisas boas em áreas de excelência, como o futebol e a produção agrícola, de que podemos nos orgulhar. Mas, será possível ser otimista e conviver como uma situação como essa de São Paulo, de extrema violência, sem que morra a esperança em um futuro melhor, já não digo de abundância, mas de segurança física, em que todos sejam livres da ameaça à vida e livres para procurar a felicidade?
Como se chega a uma situação como essa, de total descontrole, que leva o cidadão comum a sentir-se completamente desamparado e os carcereiros, pobres homens e homens pobres, sem opção de mudar de emprego, encarregados da guarda de condenados, a temerem aqueles a quem teoricamente vigiam, em vista dos assassinatos de que seus colegas têm sido vítimas, cometidos sob o comando dos encarcerados? Chegou-se à situação tragicômica de criar um SOS telefônico para esses agentes do Estado pedirem proteção ao Estado.
Os nossos presídios estão, com certeza entre os piores do mundo. Degradam a condição humana e levam seus ocupantes ao limite da capacidade de sofrer punições arbitrárias. São cursos especializados no aperfeiçoamento de criminosos. Simbólico é o amontoado de mais de mil presos num presídio paulista, num local em que cabem pouco mais de cem. A polícia tem a característica esdrúxula, única no mundo, de ser duas, uma civil e outra militar, com toda a rivalidade, ineficiência, e  comando duplo e orientação que decorrem daí. As leis são excessivas, não escassas, e o judiciário está mais interessado nos pontos e vírgulas, no latinório, nos meritíssimos e na promoção da falsa cultura jurídica do que em fazer justiça, digamos, justa. Os executivos federal e estaduais dedicam-se ao jogo de empurra, culpando-se uns aos outros pelo caos e fazem quase nada para proteger a sociedade ou evitar o crime. O legislativo faz CPIs de mentira e protege seus próprios criminosos.
Onde iremos parar? Chegaremos à barbárie, à luta de todos contra todos, à lei do mais forte, ao paraíso dos mensaleiros e dos sanguessugas, dos dirceus, dos assessores de políticos com dólares na cueca?

9 de julho de 2006

Magia eterna

Jornal O Estado do Maranhão

No domingo passado, antes da eliminação do Brasil da Copa-2006, pela França, eu dizia: “De qualquer modo, jogo é jogo. Podemos ganhar ou perder, porém as maiores chances são nossas. Espero que neste domingo (escrevo na quinta-feira) já estejamos nos preparando para jogar com Portugal ou Inglaterra [...]”.
Voltamos, ou dito de forma mais exata, os jogadores voltaram, a maioria deles, não “o grupo”, para suas casas na Europa, fugindo de explicações. Cafu, um dos poucos com a coragem de dar as caras, disse que nem sempre o melhor vence, sem lembrar que não vencemos justo porque não fomos os melhores. O Brasil mostrou, tendo excelentes jogadores, não ter um time, bom ou ruim. Talvez tenhamos adquirido a síndrome do Real Madrid Suas estrelas de todas as grandezas, não conseguem ganhar títulos importantes.
Os jogadores brasileiros acreditavam que o simples fato de pisar no relvado, como dizem os valentes portugueses, os faria ganhar de qualquer um. Esse raciocínio, aplicado com rigor, os dispensaria de ir à Alemanha ganhar uma Copa já ganha em suas mentes (A deste ano confirmou a tradição de um dos quatro grandes, Brasil, Argentina, Itália e Alemanha sempre disputar a final, desde 1930). Ou, por trás de tudo, prevaleceram interesses comerciais ilícitos.
É frustrante ver jogadores com tanta contribuição ao futebol brasileiro no passado mostrarem tanta apatia na disputa da mais importante competição de um esporte em que eles sempre foram referência dos fãs no mundo inteiro. O encerramento da participação de alguns deles na Seleção não poderia ser mais melancólica.. Houve as exceções de sempre, representadas por Dida, Lúcio e Juan, sendo indispensável dizer que Ronaldinho e Kaká foram as grandes decepções. Fazer tais afirmações não constitui caça às bruxas, nem adesão ao “eu não disse” dos especialistas de mesa-redonda da TV, pois fácil é, mas muitas vezes injusto, apontar dedos acusadores em momentos como este. É tão-só a menção a fatos.
Em meio a tantas explicações sobre o fiasco, oferecidas logo após a desclassificação, podemos fazer um apelo à psicologia da satisfação pessoal e perguntar se teriam motivação para se empenhar a fundo homens como Cafu e Roberto Carlos, mas não apenas eles, que, vindo da pobreza, satisfizeram, durante suas carreiras meritórias, todos os desejos de um jogador de sucesso: dinheiro, fama, aceitação social, reconhecimento, prestígio e todas as outras coisas em cuja obtenção se empenham com ansiedade os seres humanos de todas as classes, de maneira ilusória e alienante, todavia alcançadas por poucos. Teriam, muitos deles, algum acréscimo de satisfação em repetir o título de campeão do mundo? Não sei nem ninguém sabe. Teriam perdido a identificação nacional por jogarem há tanto tempo na Europa? Não acredito.
Não havia fogo nas cabeças e corações deles, semelhante àquele que “arde sem se ver”. Não se via amor, entrega, dedicação, paixão, como de parte dos alemães, italianos, portugueses, franceses e dos brasileiros em outras jornadas. Houve um grande vazio, começando na direção do time. Não digo ser essa uma atitude consciente. Dou o benefício da dúvida e digo apenas ter faltado a faísca que a tudo incendiasse. Culpa de Parreira, da CBF, dos atletas? Difícil dizer. Ou foi a armadilha do sucesso anterior, fenômeno tão freqüente, com sua capacidade irresistível de despertar vaidades adormecidas?
Quem já acompanhou muitas Copas, como eu, não duvida de muitas vitórias brasileiras em futuro próximo. É possível que o jovem torcedor hoje com 15 anos de idade, bem acostumado a ver o Brasil na final de todas, depois da de 1990, se entristeça agora. Isso passará depressa. Só não passará a magia do futebol, essa paixão mundial, em particular a do futebol brasileiro, eterna.

2 de julho de 2006

Galo de briga e galinha morta

Jornal O Estado do Maranhão

No início desta série sobre a Copa do Mundo, falei dos palpites dos especialistas de mesa-redonda de TV, que sempre tentam mostrar sapiência futebolística em suas pseudo-análises da Seleção. O que não fiz foi mostrar a ignorância empavonada dessa turma, disfarçada em pose de doutor. Um leitor atento e perspicaz, porém, sobre quem falei anteriormente, economista e poeta nascido no Piau, de mãe piauiense e pai maranhense, que há muito mora em Pernambuco, sendo, assim, de fato, um bom nordestino, Luiz Alfredo Raposo, me enviou e-mail com este comentário: “Lino, não pegue muito pesado nos ‘comentaristas’, o mais divertido neles é justamente a ignorância. Uma ignorância cheia de ‘razões’, fatos-e-fofocas, que tem uma notável paixão de se expressar. Um desses comentaristas no SporTV, chamado Paulo César (acho que é  o nome), é pequenino, usa um discurso castiço e veemente e tem uns olhos fundos e uns óculos que lhe dão a aparência de  um catedrático de Salamanca. Ah, essa turma com sua ignorância que não se conhece garante 24 horas de espetáculo durante as copas do mundo. Por isso é que é aquela farra...”.
Tem Luiz razão em falar no divertimento que eles nos oferecem. Afinal, a cobertura das Copas não teria essa engraçada caricatura de intelectualidade sem eles, que este ano me proporcionaram, além da diversão, a inestimável oportunidade de descobrir mais uma virtude do futebol brasileiro. Antes de jogarem contra o Brasil, algumas seleções têm jogadores “rápidos e perigosos, fortes, raçudos” e sempre um grande matador pronto a liquidar com as pretensões hegemônicas do Brasil. Contra essas equipes, é preciso ter cuidado ou sofrer terríveis conseqüências. Considerando-se tão intimidantes atributos, a necessidade de o time brasileiro melhorar é uma exigência para continuar na competição. Caso contrário, “vai ter muitas dificuldades” e “voltará mais cedo pra casa”.
Aí, vêm os jogos jogados, não os imaginados. A Seleção se descuida e acaba derrotando esses times maravilhosos.Uma jogada de sorte aqui, outra ali, uma discreta mãozinha ou mesmo mão grande do juiz (o Brasil manda na Fifa) e eis o gol, o orgasmo do futebol, duas ocorrências, – o gol e o orgasmo – cada vez mais raras hoje em dia, como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano. Fica-se a imaginar de onde vem tanta sorte que faz um time tão ruim como o do Brasil vencer tanto.
O resultado disso é a transformação daqueles times. De galos de briga hábeis, capazes de amedrontar o inimigo, incapazes de desistir da luta e prontos a morrer por suas cores, tornam-se galinhas mortas globalizadas. O que era força, habilidade, perigo para os adversários, velocidade, transforma-se no seu oposto, em nada, em insignificância, tão logo perdem para o Brasil. É esse o milagre que só o futebol brasileiro faz: transformar galos em galinhas. Pelo menos é o que se tem de deduzir dos comentários desse pessoal. Tomemos Gana. Antes de jogar com o Brasil, era de meter medo, poderia derrotar os campeões do mundo. Depois, tornou-se um bando de pernas-de-pau, de acordo com os comentaristas.
Mas, eu não os culpo de todo, exceto pela ignorância. A memória é seletiva e constrói mitos com eventos de regiões ou passado longínquos. Isso os leva a pensar que as melhores seleções serão sempre as estrangeiras, distantes no espaço, ou, no máximo, as brasileiras de imaginada época de ouro, distante no tempo. É como dizia Sterne. Ninguém é herói aos olhos de seu criado de quarto. A mitificação exige distância.
De qualquer modo, jogo é jogo. Podemos ganhar ou perder, porém as maiores chances são nossas. Espero que neste domingo (escrevo na quinta-feira) já estejamos nos preparando para jogar com Portugal ou Inglaterra e não “voltando mais cedo para casa”.

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