3 de dezembro de 2000

Façam o que eu digo

Jornal O Estado do Maranhão
Em reunião realizada em 1997 na cidade de Kyoto, no Japão, os países industrializados comprometeram-se a reduzir em 5%, até 2012, sobre os níveis de 1990, a emissão de gases-estufa. Estes são, em sua maioria, gerados pelo consumo de combustíveis derivados do petróleo, e provocam, de acordo com diversos estudos, o aquecimento da Terra, quando retidos na atmosfera. Nada mais natural o compromisso, uma vez que são exatamente esses países os responsáveis pela maior parcela da geração dos gases. O documento assinado na ocasião ficou conhecido como o Protocolo de Kyoto.
Um novo encontro foi realizado em novembro deste ano, há quinze dias, na cidade de Haia, na Holanda, chamado Sexta Conferência das Partes da Convenção do Clima – COP-6. Deveria ocorrer, então, a ratificação do Protocolo, pelo estabelecimento de “mecanismos de flexibilidade” que deveriam ser usados para tornar viável o cumprimento da meta acordada anteriormente. Não houve acordo. Do fracasso, salvou-se a idéia, aprovada por todos, de que a Conferência não seria encerrada completamente e deveria continuar em maio de 2001 em Bonn, na Alemanha.
Os Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão propuseram, em Haia, o uso de “sumidouros de carbono”, áreas florestais e agrícolas que, acredita-se, podem absorver carbono, o principal gás-estufa. Pela proposta, a existência dessas áreas, ou sua criação, serviria de crédito a ser descontado da meta de redução de 5%, após um cálculo adequado da quantidade que cada uma pudesse retirar do ambiente. A Comunidade Européia e as ONGs se opuseram fortemente à posição americana.
O mecanismo tornaria possível, aos governos que financiassem tanto a implantação de florestas artificiais em países em desenvolvimento, como o aumento das áreas agrícolas destes, diminuir o esforço que eles mesmos teriam que fazer sem a utilização dos sumidouros. Exemplo: uma floresta a ser plantada no Maranhão, com recursos do Programa Piloto de Proteção às Florestas Tropicais do Brasil – PPG7, representaria crédito para os países doadores ao Programa, a ser usado no cumprimento de suas obrigações o que, na prática, equivaleria a uma redução de emissões menor do que 5%. E mais: a substituição de florestas naturais por campos agrícolas ou por pastagens não alteraria os compromissos dos países desenvolvidos onde isso ocorresse, apesar dos evidentes prejuízos para o ambiente de procedimento desse tipo.
Argumentam os opositores que o mecanismo seria benéfico apenas para os países com grandes superfícies agrícolas como os Estados Unidos, Canadá e Austrália, e para os que, como o Japão, alocassem recursos para o financiamento da expansão da agricultura ou recuperação de áreas degradadas em outros países. De fato, não seria a proposta, tal como apresentada, uma forma de comprar direitos de danificar a atmosfera e aumentar o aquecimento global?
A posição dos Estados Unidos não é surpreendente. Eles são responsáveis por 25% das emissões e aumentaram-nas em 11% entre 1990 e 2000. Na Conferência do Rio, ou ECO-92, recusaram-se a assinar a Convenção da Biodiversidade e impuseram a retirada de diversas cláusulas da Convenção do Clima, esvaziando-a de qualquer conteúdo relevante. Ao mesmo tempo, têm usado freqüentemente a retórica da preservação dos recursos naturais do nosso planeta, com ênfase na Amazônia, para pressionar economicamente o Brasil e outros países.
Tudo isso leva-nos a concluir que estão agindo, prioritariamente, em defesa de seus interesses. Dado esse quadro e diante do discurso ambientalista de Al Gore, sua eventual eleição tornaria mais fácil para os sindicatos e empresas americanos, consistentemente protecionistas, a utilização de temas ambientais como desculpa para impedir a entrada de produtos brasileiros no mercado americano.
O que se vê, portanto, é um sermão, do governo americano e de outros países desenvolvidos, sem força para converter ninguém: — Protejam o ambiente e não criem barreiras ao livre comércio. É o antigo “façam o que eu digo, não façam o que eu faço”.

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