25 de maio de 2008

Fora a CPMF

Jornal O Estado do Marnhão
Inspirada pelo governo federal está em discussão no Congresso Nacional a recriação da imoral CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Antes de seu aniquilamento há não muito tempo, em dezembro de 2007, ela havia se tornado permanente, contrariando seu nome, pela freqüência de sua renovação. Seu fim veio em boa hora e recebeu os aplausos unânimes do povo brasileiro. A ameaça de agora vem do mesmo Congresso que a derrubou, mas não se constrange em querer revivê-la com manobras supostamente espertas e absoluto desprezo pela opinião pública e pelos cidadãos, no pressuposto de ser este um idiota sem capacidade de discernimento e de avaliação seus próprios interesses e os do país.
Quando esse tributo foi criado, os parlamentares brasileiros aceitaram sem muita discussão a vã promessa do governo, depois desmascarada como um engodo, de que os recursos se destinariam exclusivamente à cobertura das necessidades financeiras do sistema público de saúde. Muita gente acreditou, inclusive o bem intencionado, mas ingênuo, autor da idéia, que não atentou para o velho ditado de que dinheiro na mão é vendaval e, acrescento, dinheiro na mão do governo é tsunami. Quanto maior o volume, maiores os males que provoca.
O assalto ao bolso do cidadão seria, alegadamente, temporário e reduzido, como se tempo e tamanho do roubo o tornassem meritório, ou tão-só pecadilho pelo qual nem uma ave-maria o governo deveria pagar. Mais adiante, em poucos meses, o Ministério da Fazenda botou as mãos nos recursos assim gerados, com alíquota aumentada, e passou a usá-los como fonte de recursos para cobrir déficits orçamentários originados em gastanças supérfluas do setor público. Agora, dizem a mesma coisa, repetem a ladainha Acredite quem quiser.
A CPMF é cumulativa, pois incide indiscriminadamente sobre todas as etapas do processo produtivo, não guardando, ao mesmo tempo, relação direta com nenhuma atividade econômica. Ao incidir sobre a simples movimentação financeira, não tem fator gerador de natureza econômica que lhe justifique a existência. Ela distorce o sistema de preços e, portanto, a alocação eficiente de recursos.
O artigo 154 da Constituição Federal veda a imposição de tributos cumulativos por lei complementar, que exige para sua aprovação simples maioria dos votos dos parlamentares. O mecanismo para a discussão de eventual recriação ou rejeição da CPMF de uma vez por todas, deveria ser o da PEC – Proposta de Emenda Constitucional que requer o voto de dois terços das duas Casas do Congresso em duas votações, como foi feito no governo FHC, quando de sua infeliz criação e posterior renovação, diversas vezes, pela utilização de PECs também. As prestidigitações atuais do governo na tentativa de impô-la por lei complementar decorrem, assim, do fato de ser mais fácil aprová-la desta última forma e não da outra.
Quem chegasse hoje de Marte ou de Kripton, o planeta do Super-Homem, numa daquelas esquisitas naves espaciais de cinema, pensaria que o governo tem problemas no seu sistema tributário, cuja arrecadação estaria em queda. Voltaria a seu planeta iludido. Depois da extinção da velha CPMF, o mundo não se acabou, como diz a canção de Assis Valente, assim como a receita tributária não só não acabou como não parou de crescer. Nessas circunstâncias, em que a voracidade fiscal inventa impostos todo dia e aterroriza os contribuintes, gerando uma das maiores cargas tributárias do planeta, não interessa ao governo fazer uma verdadeira reforma tributária, especialmente se dispuser de algo fácil de arrecadar como essa funesta contribuição.
A oposição, cuja firmeza é inexistente, ameaça levar o assunto à consideração do Supremo Tribunal Federal, no caso de aprovação do tributo em sua nova versão. A conferir.

18 de maio de 2008

Duas figuras maranhenses


Jornal O Estado do Maranhão

Em apenas cinco dias saíram fisicamente da vida, para vivos continuarem nas recordações de todos nós, Manoel Caetano Bandeira de Mello, no Rio de Janeiro no dia 8 deste mês, e Luís Carlos Bello Parga, em São Luís no dia 13, membros mais do que ilustres – porque ilustradores da cultura de seu tempo –, da Academia Maranhense de Letras, onde ocupavam e, podemos dizer, ainda ocuparão, porque seus nomes ficarão eternamente ali gravados, a Cadeira de No 11, o primeiro, patroneada por João Lisboa, e a Cadeira de No 33, o segundo, patroneada por Pedro Nunes Leal. Deixaram ambos sua marca no mundo, na sua época e na lembrança de seus amigos, familiares e contemporâneos, que deles se lembrarão por suas qualidades de homens íntegros, dedicados ao trabalho e, sobretudo, à vida do espírito e ao engrandecimento cultural do Maranhão e do Brasil.
Nunca encontrei Manoel Caetano pessoalmente. No entanto, desde minha candidatura a uma cadeira na Academia mantivemos vários contatos telefônicos. Nos últimos meses, ao trabalhar na nova edição dos Perfis acadêmicos, publicação que dá informações sobre os acadêmicos e a Academia, tive de atualizar as informações biobibliográficas dos membros da Casa. Pois este homem de quase noventa anos de idade, em quem percebi todas as qualidades de gentileza e cavalheirismo que seus amigos próximos sempre me disseram ter ele, como as têm aqueles de alma verdadeiramente boa e elevada, a exemplo dele, deu-se ao trabalho de me enviar, escrita de próprio punho, sua biobibliografia, que ele transcreveu da edição anterior dos Perfis, atualizando onde necessário. Era, como se vê, pessoa simples, sem poses, mas consciente de seu valor e de seu talento, que se refletiam não só em sua obra de extraordinário poeta, mas na de ensaísta preocupado com as questões de estética, que estão no cerne mesmo do conceito de obra de arte, e de que é exemplo o ensaio A estética na obra de Machado de Assis. Neste imagino temperamento semelhante ao de Manoel Caetano e vejo o mesmo senso estético apurado e elegância no labor literário e na vida.
Com Luís Carlos Bello Parga tive contatos mais próximos, embora não íntimos. Fui tomado de espanto e admiração com a disposição dele de, nos últimos meses de vida, já enfraquecido pela enfermidade que o venceria afinal, participar das sessões semanais da Academia, mostra inequívoca de seu prazer com o convívio acadêmico e apreço pela Academia. Mas, ele era muito mais do que o companheiro à vontade entre seus pares. Era homem de extraordinária cultura, de grande erudição e atento às novas tendências culturais do mundo moderno, não unicamente na literatura, mas no teatro, nas artes plásticas, no cinema, na escultura, na música, clássica ou popular e em tudo mais.
O domínio da língua inglesa permitiu a ele o lançar-se à extraordinária aventura de traduzir para o português poetas de língua inglesa, em obra inédita, Lira alheia. Tradução é tarefa árdua. Mais ainda, de poesia, por suas características, entre outras, de sutis e inesperadas alterações no sentido cotidiano das palavras, de deslocamentos semânticos surpreendentes, levando-nos a ver nela uma lógica própria, além do mero significado das palavras. Um tradutor de poesia haverá de ter, como Bello Parga tinha, não somente a compreensão disso e o comando perfeito das duas línguas, como sensibilidade bastante para conseguir na língua de chegada a mesma força expressiva da de partida. A fim de bem avaliarmos as dificuldades ou a quase impossibilidade de tradução de poesia, lembremos as palavras do poeta americano Robert Frost: “Poesia é o que ficou para trás na tradução”.
Lamentemos as mortes das duas grandes e inesquecíveis figuras maranhenses, mas louvemos também dois espíritos superiores.

4 de maio de 2008

Aml, festejos no Centenário


Jornal O Estado do Maranhão

Há duas semanas, no dia 23 de abril, a Academia Maranhense de Letras recebeu em sua sede a Universidade Estadual do Maranhão – Uema, que na ocasião lançou 10 livros resultantes do trabalho de 9 de seus pesquisadores. A solenidade serviu a duas finalidades principais. A primeira foi a de apresentar ao público não universitário parte da produção acadêmica da Uema. A outra foi a de homenagear a AML no ano do seu Centenário. Como bem disse o reitor, professor José Augusto Oliveira, existe natural atração intelectual entre as duas casas de cultura. A fim de tornar concreto esse potencial de cooperação, foi assinado entre as duas instituições um convênio que tornará possível, entre outras ações, a implementação de um indispensável programa editorial, sem o qual os festejos do Centenário estariam incompletos. Serão publicados doze livros, um de cada fundador da Academia, recolocando em circulação livros que, a par de possuírem valor por si mesmos, são exemplificativos de um período, começo do século XX, de nossa história literária. Na segunda-feira passada, dia 28, tiveram continuidade as festividades, com uma palestra de Andrea Daher, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sobre o tema de seu livro O Brasil Francês: as singularidades da França Equinocial, publicado há poucos meses pela Editora Record, em que ela analisa as características da missão capuchinha francesa no Brasil a partir do caso do Maranhão, comparando o discurso dos capuchinhos franceses com o dos jesuítas portugueses, acerca da missão deles no Brasil na busca da cristianização e a ocidentalização dos índios. Sobre a fundação de São Luís – se pelos franceses ou pelos portugueses – e observando que considera a questão irrelevante, a palestrante lembrou o conceito de “fundação letrada”, de acordo com o qual funda-se uma cidade também pelas letras, pois são os discursos dos letrados que criam e legitimam os mitos fundadores, sendo os livros de Abbeville e Evreux exemplos franceses desse tipo de discurso. Dessa perspectiva, haveria uma fundação francesa, uma portuguesa... Andrea Daher é doutora em História pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França, (1994) e no momento faz pesquisas sobre a gramaticalização e a dicionarização das línguas indígenas da América portuguesa e hispânica nos séculos XVI e XVII. Foi professora do Departamento de Filosofia e Ciências da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação – Setor de História e Historiografia da Educação – da Universidade de São Paulo, USP. Fez pós-doutorado também na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, quando desenvolveu pesquisa intitulada As línguas americanas na cultura letrada européia dos séculos XVI e XVII. Ela tem dezenas de publicações de que damos apenas algumas: Cultura escrita, oralidade e memória: a língua geral na América portuguesa, parte do livro Escrita, linguagem, objetos. Leituras de História Cultural, 2004; direção editorial, pesquisa, concepção e realização do catálogo da Exposição Surrealismo, do Centro Cultural Banco do Brasil / Instituto Takano, 2001; A história da missão dos Capuchinhos nos Brasil (1612-1615), no livro Um inconsciente pós-colonial, 2000. A presença da professora Andrea no Centenário acrescentou brilhantismo aos festejos, por todas as suas qualificações como pesquisadora que desenvolve trabalho científico consistente e de alta qualidade. Sua vinda ao Maranhão contou com o decisivo apoio da Prefeitura de São Luís, na pessoa do prefeito Tadeu Palácio, atento à importância do tema para São Luís, e do São Luís Convention & Visitors Bureau, por intermédio de seu presidente, Nan Souza. Ambos atenderam prontamente ao apelo da Academia, tornando possível a realização do evento.

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