8 de julho de 2007

Domingo no cinema

Jornal O Estado do Maranhão
Leio crônica do professor Alan Kardec, da Universidade Federal do Maranhão, sobre os antigos cinemas de Grajaú, sua terra natal. Ele, ao perceber ali a presença dominante de filmes americanos, propôs uma reflexão acerca da forma de absorção da cultura estrangeira no Brasil, em especial a dos Estados Unidos, país que, devemos observar, respaldado em gigantesco poderio econômico, leva a todo lugar sua cultura, em seus aspectos ruins e nos bons, como nos casos dos avanços científico-tecnológicos e do jazz, seja o tradicional ou de raiz, seja aquele que “representa um som universal de diferentes tribos”, no dizer do paulista-maranhense Augusto Pellegrini, no seu Jazz: da raízes ao pós-bop.
Daquela cidade é também um velho e querido amigo, Sálvio Dino, meu companheiro na Secretaria da Fazenda do Estado no governo Pedro Neiva de Santana, entre 1971 e 1975, quando o secretário da pasta era Jayme Santana, antes meu colega na antiga Faculdade de Economia do Maranhão. Sálvio, hoje meu confrade na Academia Maranhense de Letras, está com um livro a ponto de impressão, Parsondas de Carvalho: um novo olhar sobre o sertão, sobre o qual farei comentários em breve. Quando trabalhamos naquele órgão eu era um economista recém-formado e acreditava ser fácil mudar o mundo para melhor. Muito mais freqüentes, descobri depois, eram as repetidas e variadas tentativas de muita gente de torná-lo pior, muitas vezes com sucesso.
O professor me fez lembrar minha própria época de garoto no antigo primário. Íamos ao cinema, num tempo sem brinquedos eletrônicos e televisão, embora desde o início dos anos 50 o sul do Brasil já contasse com algumas emissoras, naturalmente em preto e branco e sem transmissões nacionais – íamos, eu e meus irmãos, ao cinema, eu dizia, somente após termos feito, durante a semana, as lições de casa do Colégio Santa Terezinha, das irmãs Valois, no Monte Castelo. Era uma exigência inflexível de minha mãe que fazia, na mesa oval amarela da copa do bangalô em frente ao Senai, com um lápis e nossos cadernos de deveres na mão, após nos ter concedido certo tempo, rigorosa avaliação de nosso desempenho, cerimônia que nos liberaria para assistir aos filmes ou nos deixaria de castigo no domingo seguinte, a decisão na dependência de nossos acertos ou erros. Bendita exigência, pois criou em nós o hábito do estudo e nos ensinou o valor da disciplina.
O Rialto, na rua do Passeio, em frente à residência de meus tios maternos Saul Raposo e Edilde, perto do antigo e minúsculo Pronto-Socorro, não longe do atual Socorrão I, era o nosso preferido. Antes das sessões, trocávamos gibis com outros garotos e depois víamos os seriados de aventura, cujos episódios eram como os capítulos das novelas de televisão hoje, com a diferença de se ter de esperar uma semana até ver o seguinte, em que se saberia se o mocinho, pendurado à beira de um precipício, por obra de malfeitores, havia caído de verdade, como parecia que iria acontecer, ou se o Super Homem, afetado pela criptonita, mineral esverdeado de outra galáxia, que lhe tirava as forças, havia recuperado seus poderes.
Este era meu herói predileto, por sua invulnerabilidade e capacidade de voar, de dar voltas ao redor de nosso planeta. Quando pouco tempo depois vi o Sputnik russo, caminhando feito um andarilho celestial, incansável lá no alto, brilhante como Vênus, e, no entanto, artefato humano, imagem que nunca mais me saiu dos olhos, achei que deviam mostrar assim o Super Homem nos filmes, solitário e inalcançável, criatura de fora da Terra, como ele era.
E assim, de domingo em domingo, chegamos por um tempo, criança que éramos, a acreditar na bondade, lealdade e honestidade de nossos heróis, na ilusão de serem essas as mesmas virtudes do mundo fora das telas.

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