30 de outubro de 2019

Caso de interdição

Jornal O Estado do Maranhão

“[...]. Eu nunca fui muito afeito à política, acredite se quiser. Em 28 anos na Câmara, nunca fui de uma comissão”.

A primeira parte da afirmação acima é sincera, mas não inteiramente. Não é ainda toda a verdade, porque Jair Bolsonaro, seu autor, odeia a política, não apenas não é “afeito” a ela. A política exige convencimento, paciência e articulação partidária, esta última exigência antes demonizada por ele, mas agora adotada, quando falou com deputados do PSL, com o fim de pedir votos para seu candidato a líder, na briga, no partido, entre seus seguidores e os do deputado Bivar.

Nunca ter sido de comissão parlamentar, como menciona na segunda parte, apenas evidencia seu espírito beligerante e autoritário como também desrespeito a importante mecanismo de representação popular. Trata-se tão só do desassombro dos ignorantes da própria ignorância. Seu isolamento na Câmara dos Deputados resultou do costume de confrontar os membros da Casa e de sua paranoia. “Eu posso ser presidente sem partido”, disse no encerramento da entrevista. Essa ideia é de candidato a ditador, pois não existe democracia sem partidos.

Eu não me surpreendo com essas palavras, que são hostis à democracia. Seus relacionamentos políticos são do tipo exigentes de submissão total. A lista com nomes de seus ex-amigos cresce o tempo todo. Um deles, Gilmar Alves, amigo dos tempos de Dourados, em MS, quando pescavam juntos, e ex-amigo dos tempos atuais, foi chamado por ele de “amigo gay”. Amizade e gratidão não significam coisa alguma para Bolsonaro. Chegou a presidente, pensa, apenas com seus dotes de super-homem, embora mal alfabetizado.

Esses defeitos agora se voltam para a arena externa. Falo da ideia bizarra de o Brasil se juntar ao Uruguai e Paraguai, a fim de expulsar ou suspender a Argentina do Mercosul, como se maluquice como essa não fosse causar prejuízos a nós mesmos. Desinformado, como sempre, ditatorial como sempre e incapaz de pensar antes de falar, como sempre, ele não teve o bom senso, com certeza pela obsessão com sua agenda ideológica, de calcular as perdas inevitáveis para nós, consequentes a um desmanche do Mercosul. Se fez os cálculo, os jogou fora. Não será ele, no entanto, o juiz das opções dos argentinos. Estes elegeram um presidente com visão diferente da do presidente do Brasil e isso basta à Argentina. Contudo, insiste em meter o bedelho nos assuntos internos daquele país, ao classificar a escolha como errada.

O Mercosul está ausente de seu horizonte cultural como um projeto não só de parceria comercial, mas de integração continental. Esta concepção afastou o perigo nuclear na América do Sul, com bem disse o presidente Sarney, em artigo no OEMA, e aumentou muito o comércio na região.

Dos livros folheados por ele, não leu uma linha sequer do que estava entre a capa e a contracapa. Lula foi mais honesto do que ele, porque admitiu seu próprio enfado com a leitura. Ele, não.

Alberto Fernandez, presidente-eleito da Argentina, disse bem: “Bolsonaro é misógino, racista e violento”. Lembrem-se da racista “paraíba”, palavra preconceituosa aplicada aos nordestinos por esse presidente baixo-clero e quixotesco.

O resumo da patacoada está na história das hienas. Ele se comparou a leões e chamou de hienas países, partidos políticos, instituições da República, entre elas o STF, e organizações internacionais. O mundo está contra ele.

O caso de Jair não é de impeachment. É de interdição.

23 de outubro de 2019

Presidência Rebaixada

Jornal O Estado do Maranhão

Bolsonaro encontrou uma desculpa para desistir da indicação do filho Eduardo à embaixada brasileira em Washington, justificada com a suposta amizade entre o rapaz e o presidente americano, Trump; e com a justificativa de alegada habilidade de Bolsonaro júnior no preparo de hambúrgueres, requisito culinário, mas não diplomático, adquirido nos Estados Unidos.

O evento salvador do vexame da indicação foi a tensão entre os dirigentes do PSL, partido atual do presidente, depois de sua passagem por mais de uma dezena de outros, comportamento revelador de seu desapreço pelo sistema partidário e, portanto, pela política como instituição fundamental à solidez da democracia.

Surgida da disputa entre bolsonaristas e não bolsonaristas, pelas verbas do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, o primeiro fundo equivalente a uma bolada de R$ 114 milhões, a ser recebida ainda este ano, e o segundo a uma de R$ 586 milhões, em 2020, quando haverá eleições municipais, num total de R$ 700 milhões nos dois anos, sendo esses valores os mais elevados de todo o sistema partidário, a disputa, eu dizia, deu a ele a oportunidade da indicação do filho a líder do PSL na Câmara dos Deputados, após conspiração comandada pelo ele mesmo, com o fim de derrubar do cargo o então ocupante da posição, delegado Waldir, como se pode ouvir num áudio gravado por um dito amigo dele, mas ainda mais amigo da onça. Ele poderá dizer que desistiu da embaixada brasileira nos Estados Unidos, apenas porque o filho tinha missão mais importante aqui mesmo, justamente assumir a liderança do partido. Deste, com truculência característica, o novo líder imediatamente destituiu 12 vice-líderes, embora o pai tenha dito que a missão do filho era de paz. Se fosse de guerra, teria passado fogo nos 12, com um reluzente trezoitão, e declarado a paz universal. Entre idas e vindas de listagens de deputados do PSL, com o fim de escolher o líder, não se tem certeza até hoje, terça-feira, dia 22/10, sobre quem seja o escolhido.

Essa confusão é reveladora da natureza do bolsonarismo, de características tais como descrença nas instituições do Estado de Direito e democrático; tendência ao personalismo e autoritarismo; ausência de uma visão coerente acerca dos rumos da sociedade, consubstanciada em planos de governo; ênfase quase exclusiva em uma cruzada cívico-moralistas, caracterizada pela tentativa de imposição de seus próprios valores a toda a sociedade; ignorância dos assuntos da economia, tema ao qual Bolsonaro nunca ou quase nunca fez referência; desconhecimento quase completo dos mecanismos internos de governo e dos de relações internacionais; uso de linguagem chula pelo presidente para se referir a todo e qualquer assunto; ilusões quanto ao real poder de um presidente da República, levando-o ao delírio de pensar no chefe do Executivo como mais poderoso do que realmente é; paranoia insuperável; filhotismo, etc.

Quem acompanha os assuntos políticos brasileiros já notou o gosto de Bolsonaro pela polêmica. Não se passa uma semana sem ele iniciar uma, na maioria as vezes prejudiciais a seu próprio governo. Na visão dele, vê-se agora, é mais importante dedicar-se a lutas de rua do seu partido, do que à discussão da votação da Previdência no Senado. Presidente adepto de entrar nesse tipo de briga, arrisca-se a levar caneladas, como essa de ser chamado de vagabundo pelo delegado Waldir, em claro rebaixamento de seu cargo.

16 de outubro de 2019

Nepotismo Principesco e Janja

Jornal O Estado do Maranhão

Eu pensava que a influência de parentes e pessoas próximas de presidentes da República nos negócios da República, iria se encerrar após o mandato, ou os mandatos, de Jair Bolsonaro. Como se verá mais adiante, há motivos para duvidar-se disso. Por enquanto, a paciência do eleitor brasileiro com os filhos dele – pitorescamente chamados de 01, 02 e 03 – acabou, assim me parece, faz meses. Ninguém os elegeu para exercer os poderes presidenciais, mas é isso que eles fazem 24 horas por dia, 365 dias por ano, autorizados e, até, incentivados pelo pai, gerando mais dificuldades do que facilidades ao exercício da presidência, em momento de imensas dificuldades em todas as esferas da vida nacional, da econômica à moral.

Sim, eu tenho conhecimento do nepotismo como um comportamento instintivo dos seres vivos, não apenas dos humanos, de proteger e beneficiar seus descendentes diretos, pois assim conseguem passar às gerações seguintes sua própria herança genética, preservando a espécie. Eu até já escrevi aqui sobre o assunto, em crônica de 4/5/2005, com o título “Nepotismo”. Formalmente, do ângulo socioeconômico do assunto “Nepotismo é a prática pela qual uma autoridade pública nomeia um ou mais parentes próximos para o serviço público ou lhes confere outros favores, a fim de promover o prestígio da família, [...] ou ajudar a montar uma máquina política, em lugar de cuidar da promoção do bem-estar público”, como diz o Dicionário de Ciências Sociais, da FGV. É exatamente isso que Bolsonaro faz.

Por ter comportamento como esse tal natureza, devemos aceitar o nepotismo como parte de características de uma sociedade civilizada? Não, claro. Civilizar-se é exatamente controlar os instintos. Se aceitássemos estes mansamente, deveríamos também aceitar o uso da força do mais forte contra o mais fraco nas comunidades humanas, ou o roubo puro e simples dos mais espertos nessa atividade nefasta, somente porque essas duas condutas são também instintivas? Não, de novo. Portanto, 01, 02 e 03, comportai-vos e comunicai ao papi que vós renunciais às três coroas de príncipes.

Mas o futuro também preocupa, pelo potencial nepótico de Janja. Quem é Janja? Ela, de 40 anos, é noiva de Lula e assumiu novas atividades, em adição e quase exclusivamente, às outras, corriqueiras, de socióloga. Autorizada informalmente por um apaixonado Lula (vejam a força do amor!), que se inspirou em Bolsonaro, ela é agora a própria voz do homem mais honesto do Brasil, com o “nihil obstat” da família dele. Segundo a imprensa do Sul, ela agora dá ordens a dirigentes do PT e orientações a Haddad e Gleisi (quem diria!). Também formou um grupo subsacerdotes conhecido nos corredores do partido como panelinha. Na fila, quando das visitas a Lula na prisão (desculpem a menção a este constrangimento), ela tem passe livre e não precisa se acotovelar com os soldados do PT, passando direto até a cela.

Dirão alguns, Janja não é geneticamente parente de Lula; portanto, não haveria nepotismo no sonhado futuro. Enganam-se. Ela é potencial portadora de um rebento de Lula, que diz não ter encerrado sua carreira reprodutiva. Portanto, ele, na infeliz hipótese de retornar à presidência da República, terá todo o interesse em beneficiar Janja, satisfazendo ao mesmo tempo seu instinto de nepotismo. Seria um quase-nepotismo. No entanto, ninguém poderá acusá-lo de ser o primeiro a adotar tal prática na chefia do Executivo. Bolsonaro já o fez .

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