21 de dezembro de 2003

En defesa de Papai Noel

Jornal O Estado do Maranhão 
Papai Noel, como se sabe, não distribui presentes no Natal aleatoriamente. O bom velhinho obedece a um critério bem objetivo, usado há muito tempo, desde o começo de sua tarefa de Hércules, de andar pelo mundo todo na véspera do dia do nascimento de Jesus Cristo: a crianças ricas, presentes ricos; a remediadas, remediados; a pobres, pobres. Nada mais prudente. Com a sabedoria acumulada durante esses anos todos de seu meritório trabalho, ele percebeu rapidamente as dificuldades de dar presentes iguais a todas as crianças.
Oferecer os mais caros a todo mundo colocaria um peso excessivo em seu orçamento, limitado como todos os orçamentos. A saída, do ponto de vista de seus parcos recursos, que o governo da Lapônia, onde ele mora, anda devorando com altos impostos, seria ele dar presentes que tivessem um preço médio entre os mais caros e os mais baratos. Mas, na qualidade de um profundo conhecedor da natureza humana, ele deve ter visto logo os problemas que a adoção de tal critério poderia criar.
Os ricos reclamariam imediatamente porque, como é natural, esperariam mimos compatíveis com sua inquestionável importância social, quem sabe um desses brinquedos modernos, com todas as novidades da eletrônica; ou uma viagem à Euro Disney, (com a xenofobia americana de Bush, atualmente, seria mais difícil ir ao Disneworld). Mas, que nada! Estariam, recebendo coisas muito mais banais, que a maioria das crianças têm. Nada de fazer inveja a ninguém. A insatisfação desse pessoal seria fonte certa de agitação e revolta, nem sei se das crianças, mas de seus pais, preocupados com o bem estar espiritual de seus filhos. Ninguém poderia garantir, nessas circunstâncias, a estabilidade política das nações e dos povos.
Os pobres, pobres coitados, ficariam inicialmente satisfeitos e deslumbrados. Quantos deles sequer sonhariam em ganhar presentes como aqueles que os outros rejeitariam? Uma viagem ao Beach Park em Fortaleza já seria muito. Um aparelho para jogos eletrônicos, dos modelos mais simples, estaria ótimo. Até um caminhãozinho de madeira agradaria. Mas, eles talvez fossem mais perigosos ainda do que os ricos com respeito à tranqüilidade da sociedade. Depois de experimentarem o gostinho do bem-bom, ganhando presentes completamente inesperados, não deixariam de querer mais e mais, esses eternos insatisfeitos, sempre querendo o que não podem ter! Daí a uma revolução anarquista seria um curtíssimo passo. O melhor, mesmo, seria não agitar as massas. Poderia desandar tudo.
Os remediados, aqueles do meio, imprensados entre os de cima e os de baixo, aparentemente indiferentes a tudo, ficariam ressentidos profundamente. Eternas incógnitas, aparentemente quietos pelos cantos, eles nunca sabem se são ricos ou pobres. Pela manhã ficariam sempre agitados e revoltados como os ricos e, pela tarde, insaciáveis como os pobres. Dupla fonte de problemas.
Está aí, portanto, a explicação desse esse antigo procedimento de Papai Noel, de trazer presentes caros para os ricos e baratos para os pobres, quando traz algum. Bem avaliada, é uma atitude bastante tranqüilizadora para a comunidade.
Não faz sentido, portanto, é uma injustiça, os comentários que por vezes tenho ouvido, de ele não contribuir em nada na luta pela diminuição das desigualdades e promoção da tranqüilidade social, em nosso país e em outros lugares pelo mundo todo, de desviar a atenção das crianças e seus pais para os verdadeiros problemas da humanidade, de impedir a realização da justiça social. Em um exame mais profundo, acabamos de descobrir que seu papel é exatamente o contrário. Adotando seu critério milenar, originário dos civilizados povos do Norte, ele contribui para evitar a desordem, a intranqüilidade, a instabilidade política, em suma o caos na sociedade.
Seja como for, aquela figura simpática ainda estará muito tempo por aí enchendo a imaginação de muitas crianças de boas lembranças, como as que tenho de minha infância nesta época do ano.
Feliz Natal a todos!

Machado de Assis no Amazon