19 de novembro de 2006

Controle,não!

Jornal O Estado do Maranhão

Vem do senador e pastor, ou bispo, Marcelo Crivella, sob a forma de projeto de lei em tramitação no Senado Federal, ameaça à liberdade de informação, parecida com aquela de que falei na semana passada, de outro senador, Eduardo Azeredo, esta de vigilância dos usuários da internet. Agora o monitoramento seria sobre a imprensa. Crivella, que tem apoios interessados e bons companheiros na maldosa empreitada, quer alterar a Lei de Imprensa com o fim de proibir o que ele chama de divulgação de informações “potencialmente” ofensivas à honra.
O projeto teve parecer favorável da senadora Fátima Cleide, do PT de Rondônia, para quem a idéia transformada em lei iria “coibir a atuação leviana dos meios de comunicação que divulgam denúncias sem ao menos verificar a solidez e a autenticidade dos elementos que lhe servem de base”. A opinião dela não é desinteressada. Ao contrário, provém do interesse de seu partido em impedir denúncias de mensalões, compras de dossiês e outras maracutaias. (Permitam-me, por favor, usar esta palavra posta em circulação por Lula em outros tempos). Fosse a imprensa divulgar as falcatruas do PT somente após estar cem por cento certa da “solidez” e “autenticidade” das evidências, ainda hoje muita gente estaria recebendo sem sobressaltos seu quinhão mensal do nosso dinheiro de impostos, embora, pela impunidade quase geral dos mensaleiros, não se tenha certeza de que o esquema não será retomado em futuro próximo.
A iniciativa de um pastor evangélico surpreende justo por isso, por ser ele um ministro de Deus, ou se pensar nele como tal, intermediário entre as paragens etéreas e eternas, e o nosso mundo. Ele é, assim, de uma profissão de cujos membros não se esperaria um pecado como esse, mortal, contra a democracia da Terra, que a do paraíso deve ter outras regras de funcionamento, dispensando por certo disputas pelo poder, pois quem por acaso lá estiver, longe da imprensa, não precisará mais lutar nem mesmo pela vida, como aqui fazemos com angústia e denodo terrenos.
Mas, o apoio de membro do PT não choca mais. A trama revela antigo desejo do partido de eliminar críticas ao governo, como os compañeros fazem ou tentam fazer na Venezuela e em Cuba, bem como escancara o anseio incontrolável de controlar a imprensa, como visto na tentativa de criar leis de “regulamentação” da profissão de jornalista, com inspiração em Hugo Chávez e Fidel Castro, ou no episódio da frustrada expulsão do Brasil de um jornalista americano que disse, não sei se com acerto, que Lula bebia “pra caramba”, como lembrou durante a Copa do Mundo o jogador Ronaldo.
Pretende o senador regulamentar a conduta dos órgãos da imprensa, fazendo deles delegacias de polícia, pela exigência de produção de provas antes da divulgação de qualquer indício de crime, em especial dos cometidos pelos políticos. No entanto, cada macaco deveria se pendurar no seu próprio galho. A imprensa, usando a liberdade de expressão garantida pela Constituição, deve fazer denúncias com bom senso e de boa fé, sem censura prévia, e a polícia, esta sim , tem a obrigação de investigá-las e produzir provas a serem levadas a eventual processo na justiça. Se não for assim, se houver calúnia e difamação – todos têm notícia do ávido pedaço da imprensa amante do motivador vil metal de origem pública –, os ofendidos terão direito constitucional de reparo adequado.
Proposições desse tipo revelam um naco da mentalidade prevalecente em alguns círculos da política nacional. São parte de uma cultura de desprezo pela democracia, adjetivada de pecaminosa ou burguesa, cujo valor é visto como instrumental na busca pelo poder e não como um valor absoluto a ser preservado. O plenário do Senado saberá rejeitá-la sem demora. Não é crível, Crivella, aprová-la.

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