17 de fevereiro de 2002

Testes

Jornal O Estado do Maranhão
Se você, caro leitor, brincou todos os dias do carnaval, chegou inteiro à Quarta-Feira de Cinzas, não teve de tomar nenhum chazinho para se recuperar dos excessos e pôde trabalhar sem problemas, então parabéns. Você foi aprovado no teste do folião. Ele mede seu grau de entusiasmo carnavalesco e mostra sua integração com a cultura brasileira. Corra e comente o resultado com seus amigos.
Engana-se quem pensa que vivemos na era da informática. O nosso tempo é o do teste. Para tudo existe um. Tem o do bom marido, o do namorado romântico, o do cavalheiro perfeito, o do atleta eficiente, o dos pais amorosos, o do filho carinhoso, o do chefe querido, o do empregado responsável, o do professor impecável, o da idade real (um para os homens e outro, diferente, para as mulheres, o da idade irreal), o do político sincero, o do empresário moderno, o do jogador disciplinado e dezenas de outros.
Abra qualquer revista, popular ou não. Você vai encontrar um deles. Tem para todos os gostos e desgostos. Você quer saber se é um bom pai? Felizmente, alguém já preparou as perguntas certas. Assim, você poderá se auto-avaliar. Basta respondê-las e comparar sua respostas com as da revista. As desta, como se sabe, sempre vêm ali no pé da página, de cabeça para baixo. Mas não vale pescar. Se por outro motivo não for, será pelo incômodo de ficar invertendo a posição da revista a todo minuto. Melhor é responder honestamente e preparar-se para qualquer resultado, bom ou ruim. Nunca revele, porém, sua auto-avaliação a seus filhos.
Que tal saber se você é um bom motorista? Nem todo mundo é, embora cada um se ache o melhor. Passe na banca, gaste alguns trocados e pronto. Em dez minutos você estará avaliado. Não, seu cônjuge não precisa saber do resultado. (Digo cônjuge pela neutralidade da palavra. Se dissesse para não informar o marido, a fim de evitar aquele risinho sarcástico de “eu não disse?”, eu poderia ser acusado de politicamente incorreto).
Por falar em correção política, não posso deixar de mencionar uma pergunta que vi uma vez, em um teste sobre o assunto. O sujeito que preparou o questionário queria saber a forma de tratamento, pelo avaliado, de adversários, em um debate, fosse este político, universitário, futebolístico ou religioso. Dez pontos positivos eram atribuídos a quem afirmasse que sempre classificava as afirmações dos antagonistas como inverdades. Vinte negativos a quem tivesse a coragem de chamá-las de mentiras. Parecem a mesma coisa, mas não são. Inverdade é “condição ou propriedade do que não é verdadeiro; inexatidão, falsidade” enquanto mentira é “ato ou efeito de mentir; engano, falsidade, fraude”, segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Perceberam a diferença?
Agora vejo em uma revista de circulação nacional, de grande tiragem, o “teste da idade sexual”. Era o que faltava, quer dizer, era o teste que faltava. Não devemos duvidar de seus fundamentos científicos, como não duvidamos, em geral, dos pesquisadores norte-americanos, como os que elaboraram esse material. Além disso, e para maior confiabilidade dos resultados, a versão apresentada “foi ajustada à realidade brasileira”, embora não se explique a natureza dessa realidade. Anatômica ou fisiológica?
Vejam só como é curioso. Uma das perguntas é sobre as seções mais freqüentadas nos supermercados. Quem não vai a esses lugares adiciona anos a sua idade sexual. Quem vai subtrai. Perceberam a relação com a idade sexual? Outra indaga se o avaliado pensa no Kama Sutra como uma seita secreta. Aí não há do que duvidar. Ë óbvio que a desinformação aumenta a idade sexual. Quem, biologicamente, tem cinqüenta anos, sexualmente deve passar a cem, mas mentalmente a nenhum.
Esses testes ajudam a cumprir o ideal filosófico de conhecermo-nos a nós mesmos, com duas vantagens. A primeira é de serem quase de graça. A segunda é de evitarem a bisbilhotice sobre nossa vida por parte dos profissional que os aplicam. Sozinhos, sempre será possível corrigirmos eventuais injustiças dos resultados.

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