25 de março de 2007

TV governo

Jornal O Estado do Maranhão

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, acaba de anunciar a intenção suspeita de criar um novo canal de TV, a ser chamado Rede Nacional de TV Pública do Executivo, com a justificativa de esse Poder necessitar de mais exposição na mídia, quando se sabe que ele é notícia o tempo todo, precisando de menos espaço, não de mais. Com uma eventual redução poderia se dedicar mais a trabalhar e menos a preguiçar, embora isso não seja de modo algum garantido: “Fomos observando as dificuldades que o governo tem de mostrar suas idéias [...]”. Quais? As dificuldades não seriam provenientes exatamente da falta de boas idéias e do excesso de ruins, sendo a nova TV uma destas, como o foi a tentativa de “regulamentar” a profissão de jornalista? Diz mais ele. A nova rede seria “menos chapa branca do que a Radiobrás” e poderia, suprema concessão, até, criticar os governantes, “desde que a crítica fosse correta”, sem explicitar seu conceito de correção crítica., opinião grotesca, merecedora do comentário elegante e irônico de Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, estatal do mesmo ramo em que Costa deseja atuar com o fim de incensar as virtudes governamentais: “A Radiobrás não tem a pretensão de ser um modelo de jornalismo independente. Esse é um processo difícil de construir, e tem sido feito com humildade e sem presunção”, qualidades em falta no ministro. A estatal antiga dispensa a nova. Não seria melhor criarem o Ministério da Propaganda e Crítica Correta e Construtiva? A proposta revela a mentalidade estatizante de setores do governo Lula, em especial dos petistas, embora Costa não seja do PT, o que não o livrou da contaminação pelo vírus dessa doença, o estatismo, companheira inseparável do autoritarismo e da ausência de apreço por valores democráticos, rotulados por essa turma como burgueses, como se fosse possível tal classificação. Mas, desde Stálin com seus doutos decretos sobre a existência da física proletária em que, com certeza, matéria não atrairia matéria, mas dois corpos ocupariam o mesmo lugar no espaço, tudo é possível. A democracia proletária deu com os burros n’água na União Soviética e a bolivariana do golpista Chávez levará a Venezuela ao caos, como se pode antecipar da disparada da inflação, queda de produção, perseguição aos adversários políticos do presidente e intimidação da imprensa “burguesa”. Não é preciso ser vidente para adivinhar aonde vai aquele país infelicitado por seu próprio governo. No entanto, a culpa por tudo será atribuída a especuladores, a sabotadores da CIA, a empresários gananciosos, ao neoliberalismo, ao capitalismo selvagem e a todo tipo de “inimigos do povo”. O ministro da Justiça, Tasso Genro disse há dias que é preciso discutir a “liberdade de circulação de opinião, principalmente da opinião política”, com o fim organizá-la e de “a cidadania mais deslocada do debate político poder exprimir da forma abrangente a sua opinião”. As palavras de Genro não são exemplos de clareza. Parecem a mim forma meio envergonhada de dizer que alguém do governo precisa controlar a mídia brasileira, de forma a dar vez aos chamados excluídos, e expressam o mesmo espírito autoritário das idéias de Costa, sempre de costa para a democracia. E quem disse que a opinião, seja lá o que ele queira dizer com essa palavra, precisa de organização? Feita pelo Estado iria degenerar em controle. O preço da aventura? Segundo seu patrocinador, R$ 250 milhões.De acordo com especialistas, R$ 520 milhões, mais do dobro, apenas em investimentos. Segundo gente experiente nos mistérios do setor público, o triplo da estimativa inicial Os cabides de empregos a serem criados levariam mais um bocado. Tudo com o fim de produzir programas de elogios ao governo, chatos, para audiências pífias.

18 de março de 2007

De ratos e ratos

Jornal O Estado do Maranhão

Os ratos são capazes de avaliar os conhecimentos que possuem. Quando postos diante da opção de escolher, com suas pequenas e graciosas patas, entre duas alavancas, uma correspondente a um som longo e a outra, a curto, eles são capazes de acionar a correta, quando ouvem um sinal sonoro de um tipo ou do outro, pelo que são recompensados, vamos imaginar, com um bom pedaço de queijo suíço, daqueles vistos nos antigos desenhos animados de Tom & Jerry. Na hipótese de erro, não recebem nada, nem mesmo um muito obrigado. Quando não têm certeza sobre a extensão do som, eles se abstêm de se manifestar, se lhes é dada esta opção. – Curto ou longo? – devem se perguntar os bichinhos em dúvida angustiante. Quando, porém, não podem se abster e são obrigados a “dizer” alguma coisa, o rendimento em termos de percentagem de acertos das respostas logo cai, mostrando que eles não estão exclusivamente condicionados pela recompensa, tratando-se, em vez disso, de verdadeira ignorância. É como se eles “dissessem”, na primeira situação: “Não estou certo e por isso não vou responder”. Na outra: “Não estou certo, mas como sou obrigado a responder, minha escolha será aleatória”. É claro que as chances de acerto são maiores no primeiro caso do que no segundo. As informações são de um estudo com os roedores, feito por psicólogos norte-americanos. Eles queriam testar a metacognição, capacidade das pessoas de fazer avaliações sobre o próprio conhecimento. Os cientistas dizem que tal habilidade é um componente essencial da consciência humana. Os bichinhos seriam então conscientes? Nenhum pesquisador se arrisca a uma resposta precisa, em vista da ausência de linguagem verbal em animais, e fazem outra pergunta: É necessário ter essa linguagem para ter consciência?. O estudo, dizem eles, trata apenas de um dos aspectos da matéria, que tem inumeráveis desdobramentos, impossíveis de serem abordados aqui. O que eu quero dizer é isto. Não é necessário esforço como o aplicado nessa investigação a fim de tirar conclusões sobre a esperteza dos animais. Seria mais fácil e barato utilizar ratos brasileiros, sem a necessidade de mantê-los em laboratório. Eles podem ser observados em toda parte:, no Legislativo, onde se disfarçam de sanguessugas, e nos outros Poderes; nas igrejas, fantasiados de enviados divinos a recolher divinais receitas; nas empresas privadas de todos os tamanhos, prontos a passar a perna, quero dizer, a pata nos consumidores; no futebol dentro e fora dos estádios; na vida cultural e em tudo. Eles conhecem muito bem a própria sabedoria, e tanto que se tomam por sabidões, mas acabam sendo sabidinhos. Se puderem escolher entre meter as patas, imensas por sinal, no dinheiro alheio ou agir como bons moços, sempre irão preferir uma boa patada. As ratarias federal, estadual e municipal, apanhadas com a boca, ou focinho, na botija e, habilidosas como são na avaliação de seus conhecimentos sobre as melhores técnicas de encobrir fraudes, não perdem a oportunidade de exibi-los, sem vergonha e sem dar ratadas. Os dois tipos de roedores, o de laboratório e o bípede, têm em comum essa capacidade de avaliar a própria erudição. Mas, enquanto os primeiros, animais honestos, se calam diante de perguntas de cujas respostas não têm certeza, os outros têm delas um estoque na ponta da língua:. “O senhor roubou o dinheiro”, lhe perguntam. “Não”, responde. “O senhor vai abrir seu sigilo bancário.?”. “Vou”. “Quando?” “Na próxima semana, depois de consultar meus advogados. Isso tudo é armação. Exijo uma rigorosa investigação”. Mas, afinal, quais ratos teriam mais utilidade para a ciência, os americanos, estressados pelo aprisionamento em institutos de pesquisa, ou os brasileiros, criados em liberdade por todo o Brasil?

11 de março de 2007

Tempo quente

Jornal O Estado do Maranhão

O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, IPCC, criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) fez um relatório em 2001 acerca do clima da Terra. Nele advertiu que a contribuição humana para o aquecimento global era “provável”, ante o ceticismo de muitos dispostos a classificar o aviso como alarmista. No início de fevereiro de 2007, o IPCC, após reunir 600 especialistas de 40 países, fez novo alerta, mais enfático, dizendo que a responsabilidade humana é “muito provável” e “inequívoca” no agravamento da situação. Traduzido da linguagem diplomática usada em documentos como esse, obrigado a levar em conta os interesses dos países participantes da organização, isso quer dizer que há uma probabilidade de mais de 90% de a afirmação do painel estar correta, levando-nos a afastar a hipótese de o aquecimento ser tão-só o resultado de fenômenos naturais, que evidentemente não podem ser descartados inteiramente como causa, pequena embora, de parte das mudanças climáticas em curso. As conclusões do estudo do IPCC mostram a necessidade de ação imediata pelos governos em conjunto e em escala mundial. Ações humanas, de fato, são causadoras do problema, pois provocam a emissão de metano, óxido nitroso e CO2, gases que são subprodutos de atividades econômicas, inclusive a agropecuária, que muitas vezes está associada ao desmatamento por queima das florestas. Lançados na atmosfera, onde se acumulam, eles têm a propriedade de transformar nosso planeta numa imensa estufa, porque impedem o excesso de calor de deixar a Terra. São os conhecidos gases-estufa. Grande parcela da dificuldade de lidar com o ambiente está em duas características do setor, não exclusivas dele, no entanto. Uma é a grande defasagem temporal entre determinados procedimentos e a percepção sobre seus efeitos sobre o ambiente, capazes de provocar impactos negativos em cadeia, inclusive nos responsáveis individuais pelo início do processo, que só então percebem, ou admitem perceber, a conexão entre a causa e sua conseqüência e pagam custos mais altos por isso, menos do que deveriam, contudo, e somente após a ocorrência do dano irreversível, cujas conseqüências continuam a contribuir para o aquecimento da atmosfera terrestre durante muitos anos. Outra característica, não separada da primeira, é a de ser nele comum a falácia da composição, pela qual as propriedades das partes constitutivas devem ser as mesmas do todo. Assim, muitos parecem acreditar, ou por conveniência fingem acreditar, que se as emissões de gases por uma única empresa, parte do todo econômico, são inofensivas, como de fato são, vistas globalmente, então as de todas as empresas em conjunto, ou seja, as emissões do todo, também o serão, conclusão falaciosa, é claro. Existe agora um quase consenso sobre a necessidade de se adotarem medidas urgentes. A questão não é mais do que fazer, mas de quando fazer. De acordo com projeções otimistas, o aquecimento global provocaria até o ano 2100 aumento de, no mínimo, 1,8º C na temperatura média do nosso planeta, sendo mais provável que seja de 3º C, levando a uma elevação entre 18 cm e 59 cm no nível do mar (no século XX a elevação foi de 17 cm), com todas as implicações negativas do fenômeno que podemos prever. Segundo Carlos Afonso Nobre, um dos maiores especialistas brasileiros em aquecimento global e membro do IPCC, não temos estudos específicos sobre os impactos das mudanças climáticas sobre o país: “Estamos muito atrasados, até mais que os nossos vizinhos, como Colômbia,Peru, Uruguai, Trinidad e Tobago. A Argentina, então, nem se fala”. A continuar tal ignorância, os efeitos destrutivos do aquecimento estarão conosco durante décadas.

Machado de Assis no Amazon