31 de outubro de 2010

Pelo telefone

           
Jornal O Estado do Maranhão

            Hoje tento evitar temas políticos, sempre contaminados por paixões do momento, e corro os olhos pelos segundos e terceiros cadernos da grande imprensa em busca de um bom tema. Até a página policial – ou principalmente ela – poderia me servir em dias como este, de falta da chamada inspiração, que seria mais bem denominada como falta de disposição para escrever.
É no caderno Cotidiano, da Folha de S. Paulo, que tomo conhecimento de uma situação, descrita em crônica de Danusa Leão. Em muitos aspectos é semelhante a mais de uma vivida por mim. E daí, por associação de ideias, lembrei de minha recente entrevista à tv Mirante. Nos dois casos – a da crônica e da minha entrevista – o assunto é o mesmo: os péssimos serviços das companhias de telefonia no Brasil.
A cronista narra suas atribulações com estas, no caso a Oi, a respeito de uma linha de celular sobre a qual Danusa não tem responsabilidade alguma pela prosaica razão de não ser sua proprietária nem nunca ter sido. E, no entanto, recebeu e recebe correspondências ameaçadoras da empresa alertando-a da iminência de ter o nome colocado numa dessas listas de maus pagadores que, muitas vezes, refletem apenas o comportamento de maus vendedores. Oitocentos reias “apenas”, era o valor da cobrança indevida, sem direito a discutir o assunto até o indevido pagamento. Feito isso – dinheiro nos cofres da Oi, de onde nunca voltaria ao bolso da consumidora –, a discussão desigual teria início.
Na entrevista à Mirante perguntaram-me sobre minha experiência com esse pessoal. Falei então de quando, a fim de cancelar uma linha, tive de ir a uma loja da Tim, porque falar por telefone com uma empresa de telefone foi e é uma tarefa digna de um Batman. Feito uma reles peteca de praia, fui raqueteado de um atendente a outro, aturando impecáveis gerundismos, sem nunca ter o problema solucionado.
Chegando lá, disseram-me que o gerente, de quem eu queria obter explicações, estava em reunião com o bispo da Patagônia, que não alcançava o Vaticano com o seu celular. Acreditei, mas respeitosamente pedi para ser o primeiro a ser atendido ao final de encontro tão transcendental.
Quando a autoridade finalmente me atendeu, pedi a ele, de joelhos, perdão pelo incômodo e relatei minha situação. O bruto teve a audácia de exigir que eu fizesse o pedido por escrito “por questões de segurança”. Saquei de um ofício previamente preparado e, triunfante, mostrei a ele. Perda de tempo. Ele não queria um documento apenas escrito, como dissera, mas, prestem atenção, queria-o manuscrito. Eu disse manuscrito, quer dizer, escrito a mão, e tentou me empurrar uma folha de papel almaço e uma charmosa caneta Bic. Percebeu, caro leitor? Manuscrito em papel almaço. Nem ao menos em papel do tipo chamex.
Depois de muita discussão, aceitou o requerimento impresso. Em crônica neste jornal, fiz um relato semelhante a este de agora. Poucos dias depois, um diretor da empresa, em outro Estado, ligou-me e prometeu mais investimentos na melhoria dos serviços. Acreditei de novo.
Com a Oi foi menos grave, mas, assim mesmo, indicativo do desprezo dessa gente pelos consumidores. Como a identificação de chamadas de minha linha não funcionava corretamente, solicitei que resolvessem o problema. Deram-me um número quilométrico (era um tal de protocolo de atendimento) e prometeram mandar um técnico a minha casa no dia seguinte. Vinte dias e meia dúzia de novas solicitações depois apareceu alguém e (parece mentira) consertou o defeito. É assim o tratamento dado a nós, consumidores, por essa turma.
Já passou a hora de as autoridades fazerem funcionar para valer os órgãos de regulação e fiscalização na telefonia do Brasil e em tudo mais. Aliás, onde deveria haver tais ações, nenhuma se vê, como neste setor. Em outros, em que fiscalização cheira a mordaça, como o setor dos meios de comunicação, áreas do governo federal se empenham avidamente em controlá-los e colocá-los sob suas ordens, inspirados no modelo de Cuba. Como se sabe, lá é o paraíso da classe trabalhadora na Terra.

17 de outubro de 2010

Rosa na Academia



Jornal O Estado do Maranhão

     Tomou posse no quadro de membros correspondentes da Academia Maranhense de Letras na quinta-feira passada, dia 14, a Dra. Rosa Pacheco Machado. Ela passou a ocupar a Cadeira No 5, fundada por João de Melo Viana e cujo patrono é Belarmino de Matos, o Didot Maranhense. É interessante a cadeia sucessória dessa Cadeira e já digo por quê. Ela é sucessora de José Mindlin, conhecido empresário e bibliófilo brasileiro, mais bibliófilo do que empresário, penso eu. Ele por sua vez foi sucessor de Elza Pacheco Machado justamente a mãe da Dra. Rosa.
     Com o fim de evitar erro do leitor que poderia supor intencionalidade no fato de ela suceder ao sucessor de sua mãe, informo isto. Quando, em sessão ordinária da Academia, seu nome foi indicado pelo acadêmico Benedito Buzar para ocupar um das Cadeiras vagas na época (17 de setembro de 2009), iniciativa formalizada depois por ele e por mim, os dois subscritores da proposta, Mindlin não havia falecido ainda. Assim, ela poderia ocupar qualquer vaga existente então. Quis o destino, porém, ou aquilo que se denomina coincidência, que ele falecesse em janeiro deste ano. Vaga a Cadeira, natural ser ocupada pela Dra. Rosa.
     É esclarecedor saber que as formas de eleição de membros do quadro de correspondentes e do quadro de membros efetivos não são iguais em um aspecto. No primeiro caso, as candidaturas são formalizadas com a indicação, por no mínimo dois membros pertencentes ao quadro de membros efetivos, do candidato a ocupar uma Cadeira no outro quadro. No outro caso, não há indicação. O pretendente a membro efetivo tem de candidatar-se em eleição em que deverá concorrer com outros que também o fazem por iniciativa própria, preenchidas algumas condições regimentais.
     Mas a coincidência não se esgota em ocuparem a mesma cadeira mãe e filha. Um dos fundadores da Academia, Fran Paxeco, era o pai da Dra Elza Pacheco, segunda ocupante da Cadeira No 5. Ela, como vimos, era mãe da Dra. Rosa. Aí está. A nova acadêmica é neta de um dos mais importantes fundadores da AML.
     Ela cresceu entre livros, pois a Dra. Elza, maranhense de São Luís, foi a primeira mulher a doutorar-se em Letras pela Universidade de Lisboa. Entre suas obras contam-se O mito do Brasil menino, Nótula sobre negações duplas em português, Da glótica em Portugal e Alguns aspectos da poesia de Bocage. O pai da Dra. Rosa era Dr. Pedro Machado um dos mais importantes intelectuais portugueses do século XX. Filólogo, historiador, bibliógrafo e arabista deixou, entre centenas de obras, o Dicionário etimológico da Língua Portuguesa e o Dicionário onomástico-etimológico da Língua Portuguesa. Foi num ambiente familiar com pais desse quilate intelectual que a Dra. Rosa se formou.
     Ela mesma, natural de Lisboa e residente em Caldas da Rainha, fez Mestrado em Ciências Documentais, Especialidade de Biblioteca e Serviços de Informação, na Universidade Autônoma de Lisboa “Luís de Camões”. Sua excelente dissertação tem o título de A Academia Real de Sciencias de Lisboa e a sua Tipografia, 1780-1910. Ela tem, ainda, curso de pós-gradução, especialização em Biblioteca, na mesma Universidade, por onde é, ainda, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante Português-Francês.
Foi uma bela solenidade de posse. Ouvimos o falar característico de nossos avós portugueses na voz da empossanda. Ela discorreu sobre o patrono e os ocupantes anteriores da Cadeira inclusive, com grande carinho, sobre sua mãe, não deixando de mencionar seu também ilustre avô. O acadêmico Carlos Gaspar, com fortes ligações sentimentais com Portugal, pois seu pai era de lá, foi quem, em nome da Academia fez o discurso de saudação à nova acadêmica. Ele destacou as qualidades intelectuais da Dra. Rosa e a importância de sua presença entre nós.
     Cumpre registrar a doação que ela fez à Academia de imenso e rico acervo de relíquias de seu avô. Daí resultará um livro a ser publicado no próximo ano, conforme anúncio do presidente Mílson Coutinho ao fim da solenidade.
Bem-vinda à nossa Casa, Dra. Rosa.

3 de outubro de 2010

Votar



Jornal O Estado do Maranhão

     O Brasil com as eleições de hoje aprofunda ainda mais um sistema democrático sólido, que parece ter lançado raízes profundas em nossa cultura nas últimas duas décadas e meia. Evidência do acerto dessa afirmação está no ambiente já estabelecido no país, hostil a sonhos de continuísmo – ou pesadelo, para quem acredita mesmo no princípio da alternância do poder, dentro de regras previamente estabelecidas – de parte não pequena do Partido dos Trabalhadores, inclusive de seus mais altos dirigentes. Centrada na popularidade de Lula, a ideia circulou, envergonhada e acanhada (ou não), entre chefes petistas e os chamados militantes, palavra usada na imprensa internacional na designação de extremistas de todos os matizes. No Brasil ela traz à mente o pessoal do pt.
     Precisamos lembrar que populares foram diversos chefes de governo que, por circunstâncias históricas e de outras naturezas, depois se tornaram ditadores: Hitler subiu ao poder em eleições regulares e Mussolini, entre outras proezas, fazia os trens chegarem na hora na Itália. A muitos, a popularidade deles parecia razão bastante para a continuidade no poder. Nas condições da época na civilizada Europa, foi possível, assim, a instalação de ditaduras por causa dessa visão antidemocrática. Mas, dizer isso pode parecer uma justificativa dos crimes dessas figuras. Não é o caso. A história não os absolverá nem lhes esquecerá os males infligidos a milhões de pessoas.
     Mas o que eu queria dizer era isto. Com a posse do próximo dirigente do país, completamos o mais longo período de vida institucional regular desde o fim da República Velha, em que tivemos quase quarenta anos de eleições meramente formal, é verdade, mas ainda assim, obediente às regras do jogo do liberalismo, em que se mantinhas as aparências. Longe estava de nós a noção de participação das massas na vida política brasileira como acontece hoje.
     A Revolução de 30 marcou o fim desse antigo regime, fragilizado por crises econômicas mundiais, que não podiam deixar de ter reflexos aqui, e pelo uso sistemático da fraude eleitoral de grupos de poder do sul do país. Eles decidiam por antecipação os vencedores das disputas.
     A redemocratização veio em 1945. Foram 19 anos de quase normalidade até 1964, num arranjo político frágil, como se viu pelo suicídio de Getúlio Vargas em 1954, as tentativas de golpe contra Juscelino, a renúncia de Jânio Quadros, a implantação do efêmero regime parlamentarista em 1961 para evitar um golpe de Estado e, por fim, a quartelada de 1º de abril de 64, que implantou um regime de exceção no Brasil.
     A posse de José Sarney como presidente da República em 1985 marcou o fim da ditadura. Seguiu-se, como consequência necessária, a posterior promulgação da Constituição de 1988. Chegamos agora a 25 anos de plena democracia substancial, com fundamentos vigorosos, situação inédita, parece-me, em nossa trajetória como país independente.
     Vamos construindo uma nação que fatalmente chegará à posição de potência entre potências, sem abrir mão de sua vocação pacifista. É uma construção de toda a sociedade e sucessivas gerações. Ela tem avanços e recuos, bons e maus momentos, crescimento e retrações. Mas, tem sempre caminhado adiante, nunca para trás. Na economia, sucessivos governos têm se empenhados em acabar com a suspeita de ser o Brasil o eterno país do futuro, num trabalho permanente, sem fim e sem descanso.
     Só teremos sucesso, no entanto, se, em paralelo aos avanços político-institucionais já alcançados, formos capazes de criar um sistema educacional verdadeiramente eficiente e de alta qualidade. Ficaremos ameaçados de perder as conquistas das últimas décadas se fracassarmos aí. Não podemos continuar sem universidade alguma entre as duzentas melhores do mundo. Os exemplos de países que, com uma revolução educacional, tornaram a pobreza coisa do passado são abundantes.
     Ao voto, pois. Esse é o melhor e mais eficaz instrumento a nosso dispor para mudar o país e sua história. A Venezuela não é aqui; nem Cuba e muito menos a Coreia do Norte.

Machado de Assis no Amazon