23 de março de 2008

Conversa com máquina?

Jornal O Estado do Maranhão

Faz sete anos que fiz aqui, a 23 de março de 2001, referências ao brasileiro Jean Paul Jacob, ex-aluno do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e pesquisador do Centro IBM de Pesquisas, na Califórnia. Ele se dedica ao estudo da evolução futura da tecnologia, sendo, portanto, uma espécie de futurólogo. Não daquele tipo visto nos finais de ano na televisão, especialista em prever o óbvio, e tanto, que é capaz de dizer que no Ano Novo pessoa muito conhecida no mundo dos esportes se divorciará, depois de um longo casamento de dois ou três anos.
O homem de quem falo leva sua especialidade a sério, mas escorregou ao fazer naquele ano sombria previsão sobre a morte do livro de papel. Dadas as tecnologias disponíveis, a maioria dos estudiosos do assunto não vê justificativa para previsões como a dele. Alguns admitem a possibilidade de o suporte do livro – o próprio papel – ser substituído por materiais com as mesmas características das dele, em termos de flexibilidade, durabilidade, facilidade de manuseio e portabilidade. Seria um novo e tecnologicamente avançado produto, não disponível ainda. Neste caso, contudo, estaríamos tratando em verdade com um suporte semelhante, sem capacidade de em nada alterar o livro como o conhecemos. Com os padrões tecnológicos de que dispomos hoje e os novos desenvolvimentos científicos num horizonte de previsão realista, o livro, como o conhecemos, ainda estará conosco durante muito tempo.
Li um dia desses uma entrevista de Jean Paul acerca dos desafios que a sociedade deve enfrentar neste século no seu relacionamento com as máquinas e, de modo especial, com os computadores. Depois de falar do impacto na vida das pessoas de tecnologias incorporadas a produtos de grande sucesso, como o telefone celular, o notebook e o GPS, e de citar o fracasso de outros, como o videofone, ele passa a discorrer sobre o maior desejo das pessoas: computadores comandados por voz. Quem não gostaria de poder conversar com eles e dar-lhes ordens à vontade? Escreva isso, escreva aquilo. Evidente, os equipamentos mais modernos respondem a comandos simples de voz. Isso, todavia, sequer se aproxima do entendimento da linguagem humana.
Os idiomas são repletos de ambigüidades. Textos ou falas fazem sentido num contexto determinado, ao qual têm a capacidade de se adaptar. A mesma frase em português pode significar coisas diferentes, para brasileiros e portugueses, embora na aparência expresse a mesma idéia ou intenção. Mesmo em comunidades que ocupam territórios contínuos, com uma única língua, há diferenças de interpretação do mesmo discurso, a depender da classe social do falante. O mesmo se dá em relação às gerações. Livros escritos cem anos atrás, lidos agora poderão ser objeto de interpretação diferente da dos leitores da época de sua publicação. Mais ainda, o mesmo texto, na mesma comunidade, na mesma classe social, no mesmo ambiente, na mesma época significará coisas diferentes para diferentes indivíduos. Por isso, os estudiosos do assunto dizem ser o leitor o verdadeiro criador do sentido de um texto.
Essas características tornam impossível fazermos os computadores entenderem os humanos. Como máquinas, eles têm linguagem própria, com grau de ambigüidade igual a zero por definição e, assim, adaptável unicamente ao ambiente da própria máquina. Não se vislumbram ainda linguagens parecidas com a nossa, utilizáveis por computadores. Estamos a anos luz do tempo quando eles poderão se comunicar conosco, usando a mesma linguagem que usamos na comunicação com nossos semelhantes. Até lá, a tecnologia terá de evoluir de forma inimaginável hoje.
Mas, existirá verdadeira e duradoura comunicação entre os seres humanos ou vivemos presos na armadilha da eterna e angustiante incomunicação?

16 de março de 2008

Conduta animal

Jornal O Estado do Maranhão


Vejam, caros leitores, como os animais se comportam, de acordo com cientistas de renomados centros de pesquisa.
A revista PLoS One, sigla em inglês de Biblioteca Pública de Ciência 1, revista científica eletrônica, publicou há poucos meses um estudo realizado na Universidade da Pensilvânia com a mosca-da-fruta, nome popular da Drosophila. Os machos da espécie, ou, podemos dizer, os machões, submetidos durante certo tempo à ingestão constante de álcool, tornaram-se mais ativos sexualmente e se danaram a perseguir as fêmeas e, surpresa, outros machos. No início da farra, quando percebiam o engano com respeito ao objeto do desejo, eles recuavam, mesmo desejosos de sexo. Os pesquisadores disseram que a reação – vamos chamá-la de reação etílico-sexual –, se acentua com o aumento da dosagem e idade: quanto maior a quantidade ingerida e mais velhos os machos doidões, mais eles se esquecem das fêmeas e atacam outros machos, conhecidos ou estranhos. Chegam, até, a formar graciosos trenzinhos alados, de alegres componentes machões, e improvisar ousadas e inusitadas manobras aéreas, em rotas completamente imprevistas, nunca chegando, porém, a colidir com as insinuantes fêmeas, que parecem não dar muita bola para o comportamento dos potenciais parceiros no amor.
Os macacos-caranguejeiros machos da Indonésia têm o costume de “pagar” por sexo. Com certeza, não os quatro mil e trezentos dólares que o hoje ex-governador Eliot Spitzer, de Nova York, campeão da moralidade quando procurador-geral daquele Estado americano, desembolsou por três horas de convivência,digamos, íntima com uma bela morena de 22 anos e, tudo indica, de alto valor no mercado, mas de baixa estatura, apenas um metro e sessenta. Não, as transações entre os macacos são feitas em outra moeda. Segundo resultados de pesquisas publicados na conceituada revista New Scientist, as macacas exigem dos machos oito minutos em média de cuidadosa limpeza dos pelos delas, em troca de uma rápida relação sexual, com duração aproximada de um minuto, quando chega a tanto tempo. Quando há muitos machos, o preço pode chegar a dezesseis minutos de limpeza, prova da força da lei da oferta e procura, que não pôde ser revogada nem mesmo pelos companheiros do PT. E nada pode ser apressado, podemos deduzir. O ansioso macaco tem de cumprir a obrigação com calma e carinho, ou a conversa acaba.
A Universidade de Copenhague fez pesquisas, cujas conclusões foram publicados na revista Science. Elas revelaram outra novidade do mundo animal. A regra geral na natureza é formigas comerem lagartas. Não no caso das lagartas da borboleta azul (Maculinea alcon), que são “adotadas” pelas formigas vermelhas, que as levam com muito cuidado para seus ninhos e as tratam como suas próprias crias. Uma vez na casa alheia, as hóspedes comem o tempo todo sem inibição alguma, sendo servidas em padrão cinco estrelas pelas disciplinadas e prestativas operárias do formigueiro. Em retribuição à hospitalidade, se esbaldam na sobremesa, comendo as indefesas larvas das bondosas hospedeiras. O golpe está na química, que proporciona um disfarce às parasitas caras-de-pau. As borboletas põem seus ovos numa planta chamada genciana-dos-pântanos, onde suas lagartas crescem alimentando-se de folhas. Depois de algum tempo, elas descem e ficam no chão até serem encontradas pelas formigas. Estas são, então, enganadas por uma imitação feita pelas lagartas, que consiste em se cobrirem de uma substância química que lhes dá o odor de formigas-bebês órfãs, levando as pobres senhoras formigas a levá-las ao aconchego do lar, sagrado para elas, mas não para as lagartas famintas em luta pela sobrevivência.
Em maus lençóis estaríamos, se adotássemos a conduta desses animais. Ainda bem que somos humanos.

9 de março de 2008

AML e Machado

Jornal O Estado do Maranhão

Este 2008, ano do Centenário da Academia Maranhense de Letras, assinala também os quatrocentos anos do nascimento do padre Vieira e os cem da morte de Artur Azevedo. Centenário de morte também é o do carioca Machado de Assis. Ele mantinha ligações com o Maranhão, pois tinha amigos daqui, a exemplo de Joaquim Serra, e admirava os intelectuais maranhenses, como mostrou desde cedo em sua carreira de cronista, aos 21 anos, quando pela primeira vez referiu-se à então Província, a 11 de dezembro de 1861, no Diário do Rio de Janeiro. Deu na ocasião notícia da volta de Gonçalves Dias de uma viagem ao norte do país na condição de membro de uma Comissão Científica de Exploração. Muito tempo depois, em 1894, no dia 27 de maio, na Gazeta de Notícias, ele relatou um fato ocorrido na Bahia e aproveitou para falar de grandes maranhenses, como fizera vezes sem conta antes. Deu-se que a moça de nome Martinha, de Cachoeira, na Bahia, havia apunhalado um homem que a insultara. Tal informação levou Machado a refletir sobre o destino e a história. Cita o caso da romana Lucrécia, mulher de L. Tarquínio Colatino, ultrajada, segundo a lenda, por Sexto Tarquínio, o que a levou a cravar um punhal no próprio peito, depois de revelar o fato ao marido e pedir a ele vingança contra Sexto. O historiador romano Tito Lívio, cujo objetivo ao escrever a famosa história de Roma era mais de exaltar os feitos romanos do que relatar fatos históricos fidedignos, dedicou um capítulo inteiro do Livro I de sua obra a ela.
Machado compara os dois fatos, um real e de seu tempo e o outro lendário. Este ficará no registro histórico, conclui. “Essa parcialidade dos tempos, que só recolhem, conservam e transmitem as ações encomendadas nos bons livros, é que me entristece, para não dizer que me indigna”. E por que o punhal de Martinha, ao contrário do de Lucrécia, será consumido “pela ferrugem da obscuridade”? “Martinha não profere uma frase de Tito Lívio, não vai a João de Barros, alcunhado o Tito Lívio português, nem ao nosso João Francisco Lisboa, grande escritor de igual valia”. Machado coloca aí João Lisboa no mesmo nível dos grandes historiadores universais.
Embora se diga indignado, sabe ele estar a história mais próxima da lenda e da obra de arte, como na obra de Tito, do que da ciência. Em crônica de 1876 dissera: “Minha opinião é de que a lenda é melhor do que a história autêntica. A lenda resumia todo o fato da independência nacional, ao passo que a versão exata o reduz a uma coisa vaga e anônima [...]. Eu prefiro o grito do Ipiranga; é mais sumário, mais bonito e mais genérico”.
No dia 12 de agosto, ainda de 1894, Machado descreve um suposto encontro ocorrido dois dias antes no centro da cidade. Discutiam os participantes sobre a emissão de trezentos contos em títulos, autorizada pela Assembléia Legislativa do Maranhão. Da discussão, surgiu a idéia de ter o Rio de Janeiro sua própria moeda municipal, concordando todos com sua adoção, a ser sugerida ao Conselho Municipal. Surgiram, porém dúvidas sobre a existência real desse corpo legislativo e começou nova discussão, até alguém pedir a palavra e afirmar que, ao debater a existência do conselho ou da própria emissão dos títulos, deviam lembrar-se os presentes de outra emissão maranhense, mais dadivosa, o nascimento de Gonçalves Dias a 10 de agosto, dia da fundação da Academia 14 anos depois. “Há setenta e um anos que o Maranhão no-lo deu, há trinta que o mar no-lo levou... Não sei se existem intendentes, mas Os Timbiras existem”.
Estas são, portanto, as ligações de Machado com a Academia: a morte no ano em que ela começou a viver, a amizade com Joaquim Serra, patrono da Cadeira 12, e a grande admiração por Gonçalves Dias, nume tutelar da Casa de Antônio Lobo.No dia 12 de agosto, ainda de 1894, Machado descreve um suposto encontro ocorrido dois dias antes no centro da cidade. Discutiam os participantes sobre a emissão de trezentos contos em títulos, autorizada pela Assembléia Legislativa do Maranhão. Da discussão, surgiu a idéia de ter o Rio de Janeiro sua própria moeda municipal, concordando todos com sua adoção, a ser sugerida ao Conselho Municipal. Surgiram, porém dúvidas sobre a existência real desse corpo legislativo e começou nova discussão, até alguém pedir a palavra e afirmar que, ao debater a existência do conselho ou da própria emissão dos títulos, deviam lembrar-se os presentes de outra emissão maranhense, mais dadivosa, o nascimento de Gonçalves Dias a 10 de agosto, dia da fundação da Academia 14 anos depois. “Há setenta e um anos que o Maranhão no-lo deu, há trinta que o mar no-lo levou... Não sei se existem intendentes, mas Os Timbiras existem”.
Estas são, portanto, as ligações de Machado com a Academia: a morte no ano em que ela começou a viver, a amizade com Joaquim Serra, patrono da Cadeira 12, e a grande admiração por Gonçalves Dias, nume tutelar da Casa de Antônio Lobo.

2 de março de 2008

La Ravardière na Academia

Jornal O Estado do Maranhão

As festividades do Centenário da Academia Maranhense de Letras têm início na sua sede à rua da Paz, 84, na próxima quinta-feira, dia 6, às 20 horas, com uma palestra sobre La Ravardière, do embaixador Vasco Mariz. Ele acaba de publicar pela editora Topbooks, do Rio de Janeiro, em co-autoria com o escritor francês Lucien Provençal, La Ravardière e a França Equinocial: os franceses no Maranhão ), que será autografado após a sua fala. Estaria, só pelo livro, qualificado para falar sobre o assunto, se não o fosse também por outras razões.
Ele, que já representou o Brasil em Israel, na antiga República Democrática da Alemanha, em Chipre e no Peru, tendo servido também em outros postos da carreira diplomática em Portugal, na antiga Iugoslávia, na Argentina, na Itália, nos Estados Unidos e nas Nações Unidas, é reconhecido nos meios intelectuais brasileiros como grande musicólogo, área em que construiu vasta obra, respeitada no Brasil e no exterior, e também como historiador, inclusive da música, pois é de sua autoria o considerado História da Música no Brasil (1ª edição em 1980, sexta em 2005), que recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio José Veríssimo e foi incluído pela Comissão Nacional dos festejos do V Centenário de Descobrimento do Brasil na Biblioteca 500 anos, como são igualmente de sua autoria os livros: Dicionário Biográfico Musical (1ª edição em 1949, a 3ª em 1991); Heitor Villa-Lobos, compositor brasileiro (1ª edição em 1948, 12ª em 2005); A canção brasileira (1ª edição em 1948, 6ª em 2002); A canção popular brasileira (2002) e diversos outros. No campo propriamente da história publicou: Villegagnon e a França Antártica (premiado na Bienal do Livro de 2001); Ensaios históricos (2004); e o já mencionado sobre La Ravardière.
Organizou ainda, entre outros: Quem é quem nas artes e nas letras do Brasil (1965); Antônio Houaiss, uma vida (1995); Maricota, Baianinha e outras mulheres (antologia de contos de Ribeiro Couto, 2001). Contribuiu também com diversos verbetes em dicionários e enciclopédias brasileiras e estrangeiras, como, por exemplo, no New Grove dictionary of music ans musicians (Londres, 1980).
A participação de Vasco Mariz na programação comemorativa do Centenário da AML, acrescentará brilhantismo às festividades, mas não apenas isso. O tema de sua exposição é de interesse permanente dos estudiosos dos assuntos maranhenses, dos historiadores em especial, e certamente servirá ao debate da questão da fundação de São Luís, no que respeita a sua à paternidade, assunto de não pequena relevância em vista da existência de visão divergente com respeito à corrente dominante. Esta afirma a origem francesa de São Luís e a outra, minoritária, a origem portuguesa, desacordo que se dá, pelo menos em parte, em torno do significado de fundação de uma cidade.
A Academia foi fundada apenas quatro anos antes das comemorações do tricentenário de fundação de São Luís. Agora que ela chega a cem anos de vida e São Luís começa a se preparar para seu quarto centenário será oportuna a discussão sobre o assunto, ainda mais se feita, como será, durante as comemorações do Centenário da Casa de Antônio Lobo.
Atenta à importância da palestra para São Luís e o Estado, a Prefeitura de São Luís, por seu prefeito, Tadeu Palácio, deu importante apoio a sua realização, a que se associou a Universidade Federal do Maranhão, por seu reitor, Natalino Salgado Filho, sempre sintonizado com iniciativas de natureza cultural.
Perguntam-me se é necessário apresentação de convites. Não. A Academia os envia apenas a autoridades, benfeitores da Casa e pessoas que com ela têm ligação especial, pela impossibilidade de enviá-los a todos. Todos, porém, são nossos convidados permanentes.

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