25 de novembro de 2012

Vontade política

Jornal O Estado do Maranhão

           Um amigo chegou no supermercado e não encontrou o que desejava. Perguntou com o ar mais natural do mundo, certo de que o mundo não ia acabar no dia 12 de dezembro, como dizem os intérpretes de um tal de calendário maia, a um rapaz pra cima e pra baixo num patim, no tom relaxado de quem gostaria de saber se tinha sorvete de baunilha ou picolé de morango:

          – Tem vontade política? Eu não encontrei. Mas só serve de 10 quilos ou mais. A pequeneninha não dá pra resolver os problemas do bairro, só vai piorar a situação com os vizinhos, gente chata que vive reclamando de tudo, eternos insatisfeitos. Eu fui na prefeitura e lá me disseram que só vai ter no próximo ano. Mesmo assim, só para os amigos do peito. À boca pequena, estão dizendo nos corredores das repartições que é mais barato prometer e depois fazer os eleitores esquecerem o assunto, inventando, sei lá, que estados vizinhos, o Piauí, o Pará, ou o Tocantins vão invadir nosso território na tentativa de tomar nossas riquezas. Já pensou? Os cidadãos mobilizados em defesa da terra pátria? Bacana, muito bonito.
          O rapaz no patim até então não havia parado totalmente. Fez uma manobra acrobática, parou totalmente, olhou em volta para ter certeza de ninguém ouvir e soltou baixinho:
          – Tá em falta, a toda hora vem alguém procurar esse negócio. Acabou faz duas semanas e até agora o fornecedor não entregou a encomenda. O produtor vai fechar a fábrica, dizem, se o governo continuar com essa política de substituição de vontade por promessa. Para eles é mais fácil prometer e não cumprir. Pra nós, é prejuízo na certa. Pode até ter uma recessão daquelas brabas, desta vez a marolinha econômica vai ser um tsunami. Sabe como é, o pessoal fica com medo de perder o emprego.
          Um sujeito ao lado, parecendo estar à procura de alguma coisa na prateleira e que no começo fingia não ouvir a conversa, mas acompanhava tudo sem perder uma palavra, interrompeu.
          – Desculpem eu me meter, amigos. Só quero dar um exemplo da irresponsabilidade dessa turma. Vejam o Nordeste. Tá tendo uma seca danada lá e os governantes nada de agir. É gado morrendo, as pessoas passando fome e sede, as plantações se perdendo. A verdade é que eles nem colocaram no orçamento dinheiro pra vontade política. Ou melhor, colocaram mas só vão liberar para a corriola, os amigões. Eles só vão gastar esse troço nos municípios deles. Ou, vai ver, tão com medo de comprar agora e dar em alguma coisa como esse Mensalão aí. Dirceu comprou, todo mundo comprou. Vocês viram o barraco? Até briga no tribunal deu.
          – É isso mesmo – disse o meu amigo, ansioso pra comprar o escasso produto – por que eles não fazem chover onde tem seca? Eles não podem fazer ou falta vontade política? O que custa mandar um avião soltar nas nuvens um nitrato de pó de alguma coisa para provocar um dilúvio de verdade? E não é só o gado, não. E o apagão? Toda hora tem um, os reservatórios de água vazios. Por culpa de quê? Da falta de vontade política. Se tivesse, ninguém ia ter de enfrentar falta de luz toda hora. Na próxima eleição, não voto em quem, pelo menos, não prometer adquirir essa maravilha e fazer estoque nas repartições. Eu sei que eles não têm essa disposição toda de cumprir as promessas, mas, pelo menos, a gente fica enchendo o saco deles depois. Nós devíamos fazer uma cota, saía barato pra cada um, e comprar uma tonelada e guardar em casa, pra não ter desculpa. Na hora da precisão era só pegar uma tanto e entregar para o prefeito, o vereador ou sei lá pra quem e pronto. Tava tudo resolvido, ele aplicava onde fosse preciso e a gente fiscalizava. Com esse produto, eu soube, não precisa de mais nada, planos, projetos, economistas, engenheiros, gente pra fazer as coisas, nada de nada, até dinheiro não é preciso, basta a vontade e seus problemas acabaram, como diz o pessoal do Casseta e Planeta. É só pegar a vontade e as estradas, escolas, hospitais, segurança, tudo aparece na hora. Se eu acreditasse em milagres ia dizer que era um. Temos de tentar alguma coisa como essa, se não estamos perdidos.
          Viva a vontade política.

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