22 de abril de 2007

Chamem o assaltante

Jornal O Estado do Maranhão
A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados deixou evidente, em bando (no sentido de proclamação) aos colegas, admirável zelo pelo decoro parlamentar ao estabelecer regras acerca dos tipos de roupa que poderão ser usados pelos membros da Casa em plenário, local chamado por um deles, Omar Serraglio, de sagrado. Mão Branca, forrozeiro da Bahia, do Partido Verde, não poderá mais de hoje em diante profaná-lo impunemente com seu chapéu de couro, que se tornou marca distintiva da imagem do baiano e o tornou símbolo do Nordeste ali. Também estão proibidas bombachas, para tristeza dos gaúchos, e outras vestes regionais típicas das regiões brasileiras. Não digo que os dirigentes da Câmara estejam errados. Ao contrário, estão certos, pois é sinal de respeito e de modos civilizados, tirar o chapéu em locais cobertos e usar indumentária formal nos ambientes formais. Correto está Clodovil, costureiro-deputado, ou deputado-costureiro, ou estilista, não sei bem, ao defender a medida. Menos vulgaridade pequeno-burguesa, senhores!
Trajes apropriados não farão nossos representantes trabalharem todos os dias da semana, pelo menos em Brasília, porque estão acostumados a enforcar a segunda e a sexta-feira, sob a alegação de “assistência às bases”; nem desistirem do aumento da remuneração deles próprios, intenção há poucos meses arquivada sob pressão da opinião pública. Agora mesmo, o presidente da Câmara voltou atrás na decisão de realizar sessões na segunda-feira, oficializando assim a gazeta, e já se fala de novo em aumento. Certa elegância no vestir, no entanto, poderá, quem sabe, apelar à comum vaidade humana de ser admirado pela aparência e de parecer medalhão, dando aos parlamentares motivação para as enfadonhas tarefas do cotidiano legislativo.
Mas, já era mesmo hora de alguém tomar alguma providência definitiva de melhoramento da imagem da Câmara perante a sociedade. Basta desses detratores que vivem falando o tempo todo de mensaleiros, sanguessugas e dólares na cueca. As CPIs não apuraram tudo, dando satisfação ao povo brasileiro? A maioria dos acusados não foi absolvida pela Comissão de Ética ou pelo plenário? Alguns, é verdade, renunciaram ao mandato antes do exame de seus casos pela Comissão. Esses são os impacientes que não confiam na justiça corporativa, merecendo, mesmo, a perda do mandato. Estes, sim, dão má reputação à classe, pois ao renunciar admitem culpa e isso não se faz.
Onde desejam chegar com as acusações sem pé nem cabeça os denunciantes? Querem destruir a democracia, desmoralizando os deputados? Essas pessoas não acreditam no Brasil? Serão eternos céticos, pessimistas, descrentes de tudo? Não se provou, além de qualquer dúvida razoável, a inexistência do mensalão? Que mais querem?
Isso tudo, caro leitor, é como dizer que existe crise no sistema de tráfego aéreo, como o fazem esses críticos em tempo integral. “A crise no transporte aéreo está longe de ser uma crise”, como bem disse o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Milton Zuanazzi. Ele teve a capacidade de ver o invisível aos outros, com se dissesse que o rei estava vestido, quando todos o julgavam nu. Parece crise, mas não é, como podem muito bem confirmar os passageiros que andaram pelos aeroportos nos últimos seis meses.
Não devemos nos espantar com revelação como essa, em que a verdade de início está oculta e só depois se revela, quando há tantas coisas acontecendo no Brasil que parecem mentira, porém não são. Vejam o caso do sujeito que, em um banco, atendeu o telefonema de alguém da Rede Globo, no momento de um assalto: “Quem está falando?”, perguntou o repórter. “É o assaltante”. “O que está acontecendo aí? Que assaltante?”, disse o surpreso jornalista. E o assalto continuou, como tantos outros.

8 de abril de 2007

O Maranhão não se dividirá

Jornal O Estado do Maranhão

Por fim inicia-se interessante discussão sobre a possível criação do Maranhão do Sul. Nela também vou meter minha colher, dizendo logo que sou contra a divisão. Vínhamos ouvindo tão-só pontos de vista de um dos lados, o favorável à separação. Agora poderemos ter uma visão mais equilibrada, pois já temos quem se manifeste contra a idéia, como o jornalista Antônio Carlos Lima em bem argumentados artigos publicados neste jornal. Faltou até agora aos separatistas um requisito básico a debates, não digo sérios porque todos são sérios ou não são debates, mas perda de tempo: a realização de estudos que permitam avaliação dos benefícios e prejuízos da presumível nova situação. Qual seria a base econômica da nova unidade? Sua receita seria suficiente para sustentar a nova burocracia, de contínuos a desembargadores, procuradores, deputados e secretários, e ainda gerar recursos de investimentos? Ou estariam os separatistas contando com ajuda do governo federal? Como seria afetada a parte remanescente? Se estudos existem, devem ser trazidos a público. Poderemos a partir daí testar afirmações recorrentes, como a de serem os valores dos investimentos públicos de sucessivas administrações estaduais na região menores (ou maiores, do ponto de vista oposto) do que a receita ali arrecadada. Ouvem-se reclamos sobre a grande distância da capital. Seria a lonjura um fator agravante de suposto descaso com os legítimos interesses locais de parte dos dirigentes estaduais. Ora, Washington fica no leste dos Estados Unidos, perto do Oceano Atlântico, e Los Angeles, na costa oeste, no Pacífico, mas não se ouve falar de separação por causa disso. A Rússia tem sua capital, Moscou, no lado oeste do país. Está tão longe de Anadyr, no nordeste, na Sibéria, que há uma diferença de oito fusos horários entre a capital e a cidade. Mesmo assim, o separatismo no país tem raízes étnicas, sem relação com essa imensa distância. O argumento de que estar afastado geograficamente seria uma das razões para a divisão serviria de abono a movimentos semelhantes em muitos países grandes ou médios e não se justifica na era de comunicação instantânea. O Brasil se fracionou quando a capital era no Rio de Janeiro, tão distante de Manaus e de Belém? A região meridional maranhense é mais integrada ao todo estadual hoje do que o foi em qualquer época – fenômeno acentuado a partir da explosão de crescimento de Imperatriz em decorrência da abertura da Belém-Brasília –, como se deduz do fato de dois políticos da região terem exercido o cargo de governador. O Maranhão se formou numa dinâmica histórica vinda do Estado Colonial do Maranhão, passando pelos Estados do Maranhão e Grão-Pará; do Grão-Pará e Maranhão; do Maranhão e Piauí; Colonial do Maranhão novamente; Província, no Império, e, finalmente, Estado do Maranhão, na República. O que restou do antigo território colonial reflete essas mudanças administrativas de abrangência espacial que nos deixaram no limite natural de agora, dado pelos rios Parnaíba, Gurupi e Tocantins, e consolidado ainda no século XIX, com a contribuição decisiva da atuação parlamentar e dos estudos de Cândido Mendes de Almeida: O Turiaçu, ou a incorporação deste território à Província do Maranhão e A Carolina, ou a definitiva fixação dos limites entre as províncias do Maranhão e Goiás. O fato de parte das atividades econômicas do sul estar voltada para o Tocantins é apenas o que se deveria esperar de regiões limítrofes. Deveríamos devolver Carutapera ao Pará, Carolina a Tocantins, oferecer Timon ao Piauí, ou criar Estados nessas regiões somente porque têm forte intercâmbio econômico com os vizinhos? Na gênese da idéia de separação estão diferenças culturais surgidas em tempo relativamente recente. Com o boom da soja chegaram à região levas de irmãos sulistas. A bem-vinda diversidade proporcionada pela presença deles deveria ser fator de união, não de criação de nenhuma República de Piratini do Norte ou de efêmera República Juliana.

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