24 de setembro de 2006

Pesquisas

Jornal O Estado do Maranhão


 De umas eleições para cá, apareceu na arena eleitoral uma personagem mais importante do que os próprios candidatos e mais importante do que os eleitores. É a pesquisa de intenção de voto, usada pelos ameaçados de derrota nas urnas como um pau-para-toda-obra, a última garantia de que a realidade não é tão ruim como parece e nem tudo está perdido, mesmo se os fatos teimarem em se mostrar rebeldes a sonhos e fantasias. Contudo, essa é uma tábua de salvação frágil e fugidia, a exemplo de todas as esperanças nascidas da falta de opções. Sua capacidade de socorrer, na imaginação, essas pessoas, quando elas se sentem derrotadas, tem um equivalente na outra face da luta eleitoral, pois ela também serve ao propósito complementar de mostrar que a mesma realidade, quando vista de outro ângulo, favorável aos adversários, não é tão boa assim, é mera manipulação, efeito de jogo sujo, produto do desespero.
Fala-se mais sobre ela, em certas rodas político-patidárias, do que sobre as próprias eleições, como se não fosse sequer preciso votar, como se, apenas por nela falar, apenas por dizer que ela não presta, tudo estivesse decidido, sendo o ato de votar apenas um detalhe um pouco inconveniente.
Desse modo excêntrico de raciocinar, surgem bizarros questionamentos acerca dos números das pesquisas. Tomemos o caso do Maranhão. Se os números do Ibope (uso o nome como sinônimo de instituições de sondagem de opinião, pela tradição de décadas desse instituto) são desfavoráveis à antiga oposição e favoráveis à candidata do PFL ao governo do Estado, Roseana Sarney, então argumentos primários, de todo feitio, inclusive os puramente fantasiosos, são apresentados aos eleitores, sob alegado aval do senso comum, que, como se sabe, com muita freqüência é desmentido pela investigação científica.
O mais freqüente deles, e o mais inacreditável, por revelar imensa ignorância da teoria das probabilidades em seu nível introdutório bem como da estatística elementar, é utilizado por aqueles que colocam em dúvida os números sob a alegação de nunca terem sido entrevistados por alguém daquele instituto, tomando tal constatação como evidência de fraude.
Ora, as estimativas dos resultados das eleições são probabilísticas e feitas a partir de amostras que não precisam de forma alguma ser grandes, sendo em verdade muito pequenas e tiradas ao acaso da população da qual se quer estimar o voto, após cuidadosa estruturação. Elas são construídas com certo erro conhecido, de 2% a 3% de modo geral. Isso significa dizer que, de 100 amostras que forem feitas do eleitorado, 95 estimarão de forma correta o resultado final da eleição e 5, tão-só, estarão erradas. Portanto, a probabilidade de a pesquisa estar certa é de 95%.
Claro, o erro pode sofrer redução pelo aumento do tamanho da amostra. No limite, poderíamos fazê-la do tamanho do eleitorado, menos um eleitor. Nesse caso, eu e todos os meus parentes, vizinhos e conhecidos teríamos, aí, sim, passado por entrevistas com o Ibope, o erro seria zero em termos práticos, mas infinito o custo da sondagem. Neste caso, seria como se estivéssemos realizando a própria eleição. Qual o sentido de assim proceder, se podemos obter resultados confiáveis com amostras e erros pequenos, a uma fração do custo alternativo? Nenhum. De tão rudimentar o raciocínio, não deveríamos sequer discuti-lo. Mas, é preciso repetir o óbvio em circunstâncias como as da presente eleição.
As estimativas até agora divulgadas por diversos institutos especializados no assunto, acerca da iminente vitória de Roseana, obedecem a critérios de ordem técnica, como os referidos acima. Não será com argumentos primários e inconsistentes que os números sofrerão contestação de qualquer natureza. Em uma semana confirmaremos a correção deles.

17 de setembro de 2006

Sem dúvidas

Jornal O Estado do Maranhão


No Maranhão existem coisas, dizem, que só acontecem aqui, levando a situações cômicas, trágicas ou tragicômicas, pelo seu inusitado e inesperado. Todas as culturas, pela própria natureza do fenômeno cultural, conforme se pode ver de sua definição como “padrões explícitos e implícitos de comportamento [...], adquiridos e transmitidos por meio de símbolos, e que constituem as realizações características de grupos humanos”, dos antropólogos A. L. Kroeber e C. Kluckhohn, têm suas peculiaridades. Devemos vê-las, portanto, com boas doses de paciência e compreensão.
Há um caso, aqui em São Luís, contado com certa freqüência em algumas rodas sociais. É o do Cristo que, numa peça teatral de bairro, durante a Semana Santa, açoitado para valer, num realismo fora de hora de atlético centurião, largou a cruz, não tão pesada assim, investiu furioso contra o surpreso romano, tomou-lhe o açoite das mãos e, para divertimento da platéia, gritou: “Tu tá é no sério?”. O açoitado passou a açoitador e a Paixão de Cristo quase virou Cristo sem Compaixão.
Não sei se isso de fato ocorreu, se foi mesmo em São Luís ou se é, apenas, parte de um pecúlio comum pertencente ao folclore de diversas regiões brasileiras. De qualquer modo, a história poderia servir como exemplo de nossas singularidades. Por isso, não é surpreendente ver nestas eleições, no Maranhão, algo inédito com relação à eleição do chefe do Executivo.
Considere por um momento, caro leitor, ou caro eleitor, o seguinte. Em toda disputa eleitoral de cargos majoritários, a oposição sempre apresenta vários candidatos e o governo apenas um. Esse é um padrão universal de comportamento político. Uma das razões, talvez a principal, dessa unidade num lado e divisão no outro, é a forte motivação dos partidos que já estão no governo com respeito à manutenção do poder. Eles percebem os perigos decorrentes da divisão entre eles, capaz de levá-los à derrota, como aconteceria na hipótese do lançamento de várias candidaturas.
A oposição, por sua vez, ou melhor, as oposições – pois na maioria das ocasiões, mas nem sempre, há mais de uma –, embora tenham a motivação para a tomada democrática do poder, padecem da síndrome da desconfiança, pela qual cada uma raras vezes confia nas outras. A primeira dificuldade aparece logo na escolha de um nome de consenso.”Por que fulano e não eu? Depois de eleito, ele nos dará a parte do bolo que merecemos?”. Resulta disso tudo esta realidade: as oposições nunca vencem, vence uma delas isoladamente.
No governo, a realidade é outra. O exercício do poder testa a confiabilidade das pessoas. Todos conhecem todos depois de algum tempo e avaliam comportamentos com precisão.Os acordos aí, e, portanto, a unidade, são, dessa forma, mais fáceis de obter do que entre os opositores.
Pois essa lógica instintiva foi rompida no Maranhão. O atual governo dividiu-se e diz apoiar três postulantes ao cargo de governador, enquanto o outro lado – quero dizer o de peso, não o dos partidos nanicos – tem apenas Roseana Sarney como candidata. Claro, a administração anterior dela e seu carisma pessoal a tornaram muito forte eleitoralmente, conforme as pesquisam indicam. Mas, o insólito da atitude governamental confundiu seu próprio eleitorado potencial. Afinal, quem o preferido de verdade? Ninguém sabe. Onde todo mundo é pretendente, ninguém o é. O certo é que Roseana segue favorita há poucas semanas da eleição.
A história da carochinha de que as pesquisas não refletem a preferência do eleitorado é apenas o que os americanos chamam de wishful thinking, pensamento pelo qual tendemos a crer na concretização de nossos desejos profundos. Vamos aguardar a última pesquisa, a das urnas eleitorais. Aí não restarão dúvidas e o resultado não ficará na dependência de liminares.

10 de setembro de 2006

Auto-engano

Jornal O Estado do Maranhão


Estive entre os dias 25 e 29 de agosto em Grajaú, cidade de rica tradição histórica, a fim de, como consultor, prosseguir no trabalho de elaboração do plano diretor de lá, acompanhando na ocasião Gustavo Marques e equipe técnica da G Marques, que também elaborou o de Barreirinhas e prepara os de São José de Ribamar e Santo Amaro. Antes de falar da atuação do prefeito Mercial Arruda, quero dar meu testemunho de um fato político interessante.
Venho eu subindo, em minha caminhada matinal, das margens do rio Grajaú, na parte baixa e antiga da cidade, em direção da alta. Encontro um senhor de 70 anos, cordial como os que vivem em lugares sem violência, voz e andar ainda firmes. Renovo então o hábito de sondar os moradores a respeito de suas opiniões sobre a vida política brasileira. Depois de alguns minutos, ele, um pouco desconfiado – quem será esse sujeito de fora que fica fazendo perguntas pra gente – começa a fazer avaliações.
De Lula, quando falo do mensalão e dos deputados sanguessugas, ele diz: “É verdade, mas ele olhou pelos pobres”. É o efeito Bolsa-Família. De Roseana Sarney, antes de dizer qualquer coisa, diminui o passo, esboça leve sorriso, mas logo fica sério: “Moço (agradeço pelo moço), a gente vivia isolado aqui, era tudo poeira, para sair daqui era a maior dificuldade. Foi ela que asfaltou essa estrada que todo mundo está vendo”.
Daí se deduz a preocupação principal do eleitor, a melhoria da qualidade de sua vida. Ele quer governantes de fato realizadores, como Roseana. É um erro, com raiz em certezas ideológicas, e um preconceito contra as camadas mais humildes da população, supor que os eleitores mais simples não conhecem seus próprios interesses e se deixam enganar facilmente por conta de supostas manipulações. Essa visão está em linha com a teoria marxista da falsa consciência na vertente de Georg Lukács pela qual a dominação ideológica burguesa na sociedade capitalista produz fenômeno esdrúxulo como esse.
O economista Eduardo Giannetti no seu livro Auto-engano, chama essa fé – a de os crentes acreditarem possuir sempre a verdade indiscutível – de “a força do acreditar como critério de verdade”, que penso ser em geral a postura adotada por indivíduos ditos de esquerda, bem como por certos grupos evangélicos: “É a exacerbação da crença de que a verdade foi encontrada – de que as certezas e convicções que nos impelem à frente têm o valor cognitivo de uma revelação divina ou de um teorema geométrico – que trai a ocorrência de algum processo espontâneo e tortuoso de filtragem, contrabando e auto-engano”.
Vejam o “Auto-engano das Pesquisas”. Elas estão erradas quando não favorecem os candidatos dos auto-enganados. Se o resultado lhes fosse favorável, estariam certas. Se Roseana lidera como agora é porque as pesquisas foram compradas. Ademais, eles dão explicações aparentemente racionais acerca dos números ruins para seus preferidos nas sondagens de intenção de voto, mas de fato se baseiam em crenças em verdades reveladas. Não se deve duvidar de que possam mesmo pensar dessa forma. Afinal, eles vivem se auto-enganando.
Mas quero falar de novo de Grajaú para expressar admiração pelo trabalho do prefeito. Como é de amplo conhecimento, há sábio dispositivo constitucional obrigando os prefeitos a implantarem até outubro deste ano planos diretores nos municípios com mais de 20 mil habitantes. Esses estudos, transformados em lei, disciplinarão o desenvolvimento local. Pois Mercial não está meramente cumprindo uma obrigação. Além de participar das audiências públicas, como seria de esperar, ele vai a todas as oficinas, divulga as atividades de elaboração do plano, incentiva a participação da comunidade e adota procedimentos absolutamente transparentes. Vai muito bem Grajaú.

3 de setembro de 2006

Os anti-Sarney

Jornal O Estado do Maranhão

Em época de eleição como esta, a imaginação dos candidatos e sua ânsia por promessas impossíveis de serem cumpridas, ameaçam tornar o processo eleitoral um irretocável teatro do absurdo. Se um candidato a presidente promete a criação de dez milhões de empregos em quatro anos, o outro não fica atrás e anuncia como sua meta a geração de 12 milhões. Ou se o primeiro garante matar a fome dos pobres no primeiro ano de governo, o segundo oferece caviar a todo mundo no primeiro mês. Ninguém diz como vai cumprir as promessas e quanto elas custarão, além de palavras bonitas e vazias. O dinheiro, detalhe sem importância ao qual apenas os chatos dão atenção, já se sabe de onde virá, do magro bolso do contribuinte, sempre chamado a pagar a conta da demagogia. Exemplos de delírios como esses, convenientes para quem promete e inconvenientes para quem os ouve, típicos de temporada eleitoral, são inumeráveis. Usaríamos uma página inteira deste jornal a fim de listar pequena parte deles.
No Maranhão um fenômeno antigo e da mesma natureza, pois revela a mesma falta de imaginação dos falsos pagadores de promessas, se acentua neste período. É a compulsão que têm algumas pessoas de falar em e de Sarney. Em lugar de concentrarem seus esforços em apresentar novas idéias, recomendar políticas públicas, apontar soluções, apresentar propostas, criticar com um mínimo de consistência, em suma, agirem como candidatos preocupados com os problemas sociais e econômicos, fazem grande esforço de aparecer pela utilização a toda hora da palavra Sarney, na tentativa de elevarem-se um pouco acima do chão.
Fico a imaginar qual seria o discurso de campanha desse pessoal de variados matizes ideológicos, caso não tivessem uma referência como essa com que chamar a atenção do eleitor. Ficariam sem assunto, sem platéia e sem nada para dizer, pois a imaginação limitada não os ajudaria em nada. Falariam de quê, afinal, depois de tanto tempo nesse samba de uma nota só, depois de tanto uso do cachimbo que os põe de boca torta? Eles teriam de reinventar o nome tão do agrado deles, a fim de continuar no antigo e cansativo costume.
Um eleitor que chegasse à Terra, depois de um passeio de muitos anos a Plutão, poderia pensar, ao ouvi-los falar e sem informações adicionais, que os problemas sócio-econômicos do Maranhão, semelhantes aos de muitos estados brasileiros, são uma invenção perversa de José Sarney no dia de sua posse como governador do Estado, aperfeiçoada nos governos de Roseana.
O Maranhão não existia, ou existia apenas como idéia de paraíso, onde, como sabemos, tudo é perfeito e eterno, e não tinha história. Portanto, La Ravardière não esteve aqui, a economia agro-exportadora de arroz e algodão foi criação de Roseana, e não produto da era pombalina com a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, e, assim, nunca houve antes dela no Maranhão concentração da propriedade da terra e da renda, mesmo, ou em especial, em nosso período de maior riqueza.
Tudo de ruim foi obra dos dois, pai e filha, a quem, sem perceber, eles conferem poderes mitológicos, pois quem pode tanto, quem é capaz de criar um Estado da federação a partir do nada, num piscar de olhos, é o quê, senão um mito? Ao povo, sempre imaginado como sábio e portador de todas as virtudes, no pensamento esquemático deles, atribuem, paradoxalmente, uma passividade que o leva a se deixar dominar por tanto tempo sem reação. 

A verdade é esta. Estamos diante de um caso característico de sanguessuguismo, pois como se pode chamar esse obsessivo viver da projeção alheia e esse pretender caminhar com o brilho dos outros? Razão tem o confrade da Academia Maranhense de Letras, José Chagas. Em crônica recente, ele disse, com a perspicácia de sempre , que “Sarney dói neles”. É uma dor sem fim.

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