3 de agosto de 2008

Costumes Primitivos

Jornal O Estado do Maranhão

As velhas eleições, de um tempo de que não me quero lembrar agora, por certa antiguidade, eram exemplos de como poluir uma cidade impunemente. Ainda no tempo das cédulas de papel, que muito serviram para emprenhar urnas, método pouco ortodoxo de ganhar eleições, mas de modo nenhum estranho à política da época, o término da disputa eleitoral era ocasião de se ver ruas cobertas de papel, num ridículo arremedo de fim de festa de carnaval, postes enrolados em cartazes de papel vagabundo e de muito mau gosto e muros pichados com inscrições numa língua que chegava a lembrar em alguns detalhes a língua de Camões e Vieira. Depois veio a fase do showmício, palavra em processo de morte junto com a morte da coisa designada por ela, que deu emprego temporário a muita gente, mas desempregou a consideração pelo direito dos cidadãos de não ouvir música da Bahia e não aturar os astros da música axé com a farda típica da profissão: bonés de aba frontal virada pra trás, bermudão folgado até o meio da canela, camisão de cores berrantes estampado com flores, tênis de marcas famosas, ou não tanto, combinados com meiões até os joelhos, pulinhos ditos atléticos ao ritmo da batida insalubre (faz mal à saúde pelo alto volume de execução) do axé e gritos de “alô galera maravilhosa”. Os cantores de trios elétricos, como todos sabem, chamam todas as “galeras” de maravilhosas e amam desde pequenininhos a cidade onde se apresentam, sendo modestos, ainda, ao comentar a qualidade do próprio desempenho musical, assim como o são os jogadores de futebol, que ao marcar gols, nunca admitem ser competentes, mas apenas ter tido a “felicidade” de acertar um bom chute, graças a Deus, ajudando a equipe a conseguir um “resultado positivo”. Como no caso da bem-vinda e salvadora de vidas Lei Seca, que anda derrubando estatísticas de mortes no trânsito, como evidência de ser possível a legislação mudar velhos hábitos assim como velhos hábitos acabam gerando nova legislação, de alguns anos para cá novas leis eleitorais acabaram com a poluição visual causada pelas eleições, até mesmo com os showmícios, que até então pareciam existir desde o Big Bang, mas que terminaram, como tudo termina, no esquecimento e no pó. No entanto, a poluição mudou de forma, agora é principalmente sonora. Com a evolução da tecnologia de amplificação de som, qualquer carrinho se transforma num trio elétrico. Os candidatos a prefeito e vereador dispõem agora, a preços módicos (afinal de contas pra que serve o real valorizado senão para comprar, bem baratinhos, eletrônicos importados?) dispõem de equipamentos de som capazes de incomodar a paz universal. Pensam em ganhar votos, com certeza, mas os arrebenta-quarteirões com que eles jogam pelas ruas, só irritam os eleitores, fazendo os pretendentes perderem votos, depois de terem perdido a vergonha de incomodar a cidade. Aqui em São Luís a coisa está feia. Os candidatos não escolhem hora nem lugar para desrespeitar a legislação, ansiosos de lançarem poluidores sonoros no ambiente. Conheço de perto o caso da Raposa, outro município da ilha, a que vou pelo menos duas vezes por semana. Crime é a classificação a ser dada ao que eles fazem lá. Numa cidade com sua principal via urbana estreita em sua maior parte, eles agridem os eleitores mandando desfilar durante o dia todo carros de som a todo volume naquela via. É hábito antigo na cultura das eleições municipais. A Raposa deveria seguir o exemplo de Codó, onde todos, Ministério Público, Procon, autoridades policias e candidatos, se juntaram com o fim evitar esse tipo de perturbação da ordem pública? Onde estão as autoridades que não tomam providências? A justiça eleitoral não sabe disso? E o Ministério Público? Está na hora de mudar esses costumes primitivos.

Machado de Assis no Amazon