30 de dezembro de 2012

Mundo sem fim


Jornal O Estado do Maranhão


          Ufa, o mundo não acabou, com ou sem calendário maia. Aquele povo era muito ruim de cálculo, o que levou suas previsões ao fracasso, ou não se entendeu bem com os deuses e com as profecias passadas por eles.
          Acordo na manhã do dia fatal, esquecido de que aquele seria o último. Um mecanismo psicológico qualquer recalcara a lembrança? Não sei. Levanto e pego a bicicleta pensando em sair por aí. Desço ao térreo, checo a pressão dos pneus, o funcionamento das luzes, dos freios e do velocímetro, visto a bermuda e a camisa, calço as luvas e as sapatilhas, coloco o capacete e me considero devidamente equipado. No segundo seguinte aquele estalo: é hoje, chegou a hora. Subo de volta.
           Afinal, a que horas se daria o último fenômeno cosmológico a ser visto por um ser humano? Às seis da manhã, meio dia, às seis da tarde, à meia noite? Sem pista nenhuma, dúvidas me cercaram de todas as direções. Acabaria tão somente a Terra, ou o Universo inteiro iria pelos ares, esta uma forma, vamos dizer, paradoxal de me expressar pois, não haveria mais ar nenhum? Poderia ser também o fim sistema solar apenas e o resto continuaria sua vidinha, livre dos humanos? Livre e aliviado.
          Algo mais não estava claro, a forma do apocalipse. Um tsunami levaria tudo pela frente, sem poupar nem a Arca de Noé? Um asteroide gigante atingiria a Terra, desta vez matando não apenas os dinossauros, mas todas as formas de vida, ainda assim deixando o próprio planeta sobreviver e continuar seu giro em redor do sol sem sequer um representante de nossa espécie? O sol, em vez disso, iria nascer antes da madrugada, como iria nascer na canção de Assis Valente, só para tragar a Terra de maneira definitiva? Alienígenas abduziriam a humanidade inteira? Bolas de fogo cairiam do céu? Quem saberia dizer!
          Não tive dúvidas, ou melhor, eu tinha muitas dúvidas, mas não sobre o caminho a tomar. Reuni a família e decretei:
          – Vamos pra Rondônia, já, já. Não é preciso levar muita coisa porque os rondonianos têm tudo. Lá se encontra a melhor chance de nos salvarmos, a fim de povoar a Terra novamente.
          Claro, eu exagerava. Nessas horas a gente sempre exagera. Mas, lembrem-se, o mundo não acaba todo dia. O pessoal que mencionei era um pequeno grupo de pessoas de Rondônia, que precavidamente fizera um grande estoque de alimentos em garrafas pet, guardadas numa casa em forma de pirâmide. Eu acreditava na disposição deles em nos receber e a quem mais lá chegasse fugindo do Grande Fim. Como todo mundo sabe, a forma de pirâmide é a mais apropriada a nos livrar de males como o daqueles dias.
          Corremos até o aeroporto e tomamos o primeiro avião para Porto Velho, com escala em Rio Branco, no Acre. Foi a melhor decisão de minha vida. Fomos muito bem recebidos, o mundo não acabou – afinal, estamos aqui – passamos dias muito agradáveis, nos alimentando do estoque de alimentos acumulados por aquele grupo e pensando sempre em como essas maias não sabiam de nada. Eram uns enrolões. Depois, voltamos a São Luís.
          Mas esse negócio de fim do mundo me faz lembrar de um queridíssimo tio, Haroldo Raposo, falecido há poucos meses aqui em São Luís. Desde cedo nos acostumamos a vê-lo como um homem valente, sem medo de cara feia, disposto a cumprir suas missões de oficial de justiça sem recuar ante o perigo. Em sua profissão enfrentava situações arriscadas, como acontecia na época, quando tinha, por exemplo, de arrestar, cumprindo, claro, ordens judiciais, os bens de maus pagadores. Pois bem, um dia Sérgio Brito, reproduziu, em fins dos anos sessenta, um programa de rádio dos anos trinta, A Guerra dos Mundos, feito por Orson Wells numa rádio de Nova York, que provocou pânico entre os americanos, em razão de suposta invasão de marcianos à Terra.
          Com A Guerra, de Sérgio, houve pânico aqui também. Tio Haroldo não duvidou. Carregou o revólver, foi para a rua e, em atitude de defesa da família, disse bem alto:
          – Eu posso é morrer, mas levo muito marciano comigo.
          Aquele era um de nossos heróis de sempre em ação. Ele deixou muitas saudades em todos nós.

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