23 de março de 2003

Sessão de cinema

Jornal O Estado do Maranhão 
Apagaram-se as luzes da sala de projeção do Cine Praia Grande, há quinze dias, para a projeção sobre nossa cidade da luz do I Festival Internacional de Cinema, clareando nosso panorama cultural entre 6 e 16 deste mês de março. Foi um acontecimento notável. Um empreendimento desse porte, com essa força de encantamento, com esse olhar universal, é obra necessariamente coletiva, produto de vontades em mostrar que estamos vivos, queremos viver, e de exibir a capacidade de continuar a tradição de nossa cultura, apesar da aridez de nosso tempo.
Não aridez da nossa natureza, abençoada por generosas chuvas e refrescada por preguiçosas brisas que sopram na Ilha e dão na gente uma vontade danada de ficar a tarde inteira deitado na rede da varanda, olhando o nosso mar cor de chumbo de onde imensos navios partem levando minério de ferro para distantes terras. Falo da aridez de atitudes, típica de um eterno cruzar de braços e pernas de quem critica porque não produz nem produziria nada, ainda que se apoderasse de todo o vil metal deste mundo, porque não sabe fazer e não aprenderá nunca.
É de se lamentar os resmungos de pouquíssimos acerca da cobrança de ingressos nas exibições. Pensarão em custos como o maná bíblico, sem necessidade de pagamento, ou como inexistentes, com dinheiro de sobra? Ou estavam advogando em causa própria, querendo aproveitar uma boquinha a fim de assistir a bons filmes de graça? Quem tem a mais leve idéia sobre o trabalho de organização de um evento desse tipo sabe quanto custa fazê-lo. Os patrocinadores, entre eles o governo do Estado, a despeito de sua boa vontade, não podem, e digo, não devem, bancar todas as despesas.
Mas, o que eu ia dizendo era o seguinte. Não cometo nenhuma injustiça com a coletividade que ajudou Frederico Machado a fincar esse festival aqui em nossa cidade – Daniel Marcolino, Dyl Pires, Eduardo Júlio, Vicente Júnior, além de muitos outros – ao dizer que nele podemos ver o símbolo e a síntese dessa grande realização. Em meio a imensas dificuldades de recursos materiais e de vários outros tipos ele conseguiu trazer a São Luís grandes nomes e grandes peças do cinema brasileiro e de vários outros países, em longas e curtas metragens.
Não desejo repetir o que a imprensa já disse exaustivamente a respeito da qualidade das obras apresentadas e a grande importância do evento. Quero apenas lembrar disto os leitores. O festival não teve somente filmes. Ocorreram debates, palestras e oficinas, formas de aprendizado das técnicas de produção de filmes e de reflexão sobre o cinema como produto cultural em uma sociedade de consumo. Chamo a atenção, igualmente, para o comparecimento ao festival de mais de mil e trezentos estudantes trazidos pelo projeto A Escola Vai ao Cinema, desenvolvido pela equipe do Cine Praia Grande, há dez anos trabalhando com afinco na formação de jovens platéias para o cinema.
Creio estar ocorrendo com Frederico Machado a mesma inversão de referências que aconteceu com Chico Buarque de Holanda. Como todos sabem, ele, no começo de sua carreira, era identificado exclusivamente como um jovem compositor filho do grande historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor de uma das mais importantes obras de interpretação de nosso país, Raízes do Brasil. Com o passar do tempo e aumento da fama de Chico, este passou a ser a referência para o pai. Ouvia-se depois: “Aquele é Sérgio Buarque, o pai de Chico Buarque”.
No caso de Frederico há uma “desvantagem” interessante. É ser famoso não apenas seu pai, o poeta Nauro Machado, mas também sua mãe, a poetisa e romancista Arlete Nogueira da Cruz. Porém, como o compositor, ele está a caminho de inverter a referência. Nauro e Arlete, daqui a algum tempo passarão a ser “apenas” os pais de Frederico, pelo marcante trabalho na área do cinema que ele vem fazendo há alguns anos e, tenho certeza, continuará a fazer. “Aqueles dois são Nauro e Arlete, os pais de Frederico Machado”.
Que venha o segundo festival em 2004.

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